Resenha de Han (2017) Sociedade da transparência

Review of Han (2017) Transparency society

  • Elaine Conte
  • Adilson Cristiano Habowski
Portada libro

Byung-Chul Han (2017)
Sociedade da transparência. Vozes.
ISBN: 9788532654717

A obra de Byung-Chul Han (2017), Sociedade da transparência, é apresentada ao leitor por brilhantes títulos que remetem à sociedade positiva, passando pelo emaranhado da produção cultural da sociedade da exposição, seguindo para a sociedade da evidência, sociedade pornográfica, sociedade da aceleração, sociedade da intimidade, sociedade da informação, sociedade do desencobrimento, até culminar na sociedade do controle. Trata-se de um livro de linguagem acessível e didática, que retrata e atualiza os saberes alicerçados na própria natureza política da vida em sociedade, que excluiu a dimensão (re)construtiva e crítica dos processos socioculturais de reconhecimento humano. O tema da transparência aponta justamente para uma sociedade da desconfiança, da liberdade de informação, da morte do desejo, que tornou frágil os valores morais da sinceridade e da honestidade, pelo excesso de controle.
The work of Byung-Chul Han (2017), Society of Transparency, is presented to the reader by brilliant titles that refer to the positive society, passing through the tangle of cultural production of the society of the exhibition, following to the society of evidence, pornographic society, society of acceleration, society of intimacy, society of information, society of uncovering, until culminating in the society of control. It is a book with accessible and didactic language, which portrays and updates the knowledge grounded in the very political nature of life in society, which excluded the (re)constructive and critical dimension of the sociocultural processes of human recognition. The theme of transparency points precisely to a society of distrust, freedom of information, the death of desire, which has made the moral values ​​of sincerity and honesty fragile, due to excessive control.

A obra é apresentada ao leitor em nove capítulos que vão da sociedade positiva, passando pelo emaranhado da produção cultural da sociedade da exposição, seguindo para a sociedade da evidência, sociedade pornográfica, sociedade da aceleração, sociedade da intimidade, sociedade da informação, sociedade do desencobrimento, até culminar no capítulo final, sociedade do controle. Trata-se de um livro de bolso com 120 páginas, de linguagem acessível e didática, que retrata e reflete os saberes alicerçados na própria natureza política da vida em sociedade, que excluiu a dimensão (re)construtiva e crítica dos processos socioculturais de reconhecimento humano.

No primeiro capítulo, o autor evidencia como a sociedade positiva domina o discurso público com o tema da transparência, enquanto liberdade de informação totalizante, subordinada aos regimes operacionais de coação sistêmica, que limita os processos sociais próprios ao desenvolvimento humano da vida em sociedade.

As coisas se tornam transparentes quando eliminam de si toda e qualquer negatividade, quando se tornam rasas e planas, quando se encaixam sem qualquer resistência ao curso raso do capital, da comunicação e da informação. [...] As imagens tornam-se transparentes quando, despojadas de qualquer dramaturgia, coreografia e cenografia, de toda profundidade hermenêutica, de todo sentido, tornam-se pornográficas, que é o contato imediato entre imagem e olho. As coisas tornam-se transparentes quando depõem sua singularidade e se expressam unicamente no preço. (Han, 2017, pp. 9-10)

O autor defende que hoje a sociedade vive uma reação em cadeia do igual, um constante movimento de aceleração e circularidade de informações, que submete todos a uma coação por transparência e uniformidade, para operacionalizar e desconstruir a negatividade da alteridade e do que é estranho de expressões da cultura humana. Assim, “a linguagem transparente é formal [e violenta]; sim, uma linguagem puramente mecânica, operacional, que elimina toda ambivalência. [...] A coerção por transparência nivela o próprio ser humano a um elemento funcional de um sistema”. (Han, 2017, p. 12-13). Por isso, não ignoramos que a partilha da experiência sensível dessa leitura também é apreciada por autores que falam de conceitos que se destacam na obra:

Transparência e positividade, então, aparecem como sinônimos em um mundo cada vez mais inclinado a dissimular as diferenças e a alteridade. Este processo, esteticamente caracterizado pela relação imediata entre imagem e olho, possível através das superfícies sensíveis ao toque e da transformação mágica decorrente dessa tecnologia, permite a Han dizer que estamos vivendo numa sociedade determinada pela tirania de uma beleza que cada vez mais se aproxima de uma estética da superfície. (Costa e Noyama, 2018, p. 148)

O olhar insensível ao outro provoca uma espécie de burnout psíquico, a incompreensão e o desrespeito à alteridade, a ponto de impossibilitar o distanciamento temporal e o exercício da dialética, em função da eliminação total da esfera privada que corrói o pensar inspirado por relações interpessoais (Habowski et al., 2021). Além do mais, a transparência implica uma relação vazia, morta, pois “a autonomia de um pressupõe a liberdade para a não compreensão do outro”. (Han, 2017, p. 15). No curso da sociedade positiva também o amor é domesticado, “é nivelado em um arranjo de sentimentos agradáveis e de excitações complexas e sem consequências”. (Han, 2017, p. 19)

Nesse sentido, “a política é um agir estratégico. Já por causa disso lhe é própria uma esfera oculta. Uma total transparência iria paralisá-la. [...] Somente na teatrocracia é que a política aparece sem mistérios. Aqui a ação política dá espaço à mera encenação”. (Han, 2017, p. 21). O antipartido ou o partido dos piratas, segundo o autor, se equipara à despolitização cega da pós-política (incapacidade de articular a vontade política a mudanças sociais) enquanto estabilização de opiniões sistêmicas da transparência político-econômica vigente. “A política dá lugar à violência das necessidades sociais, que deixa intocados os quadros das relações socioeconômicas já existentes”. (Han, 2017, p. 23).

Transparência e verdade não são idênticas. A verdade é uma negatividade na medida em que se põe e impõe, declarando tudo o mais como falso. Mais informação ou um acúmulo de informações, por si sós, não produzem qualquer verdade; faltam-lhes direção, saber e o sentido. É precisamente em virtude da falta de negatividade do verdadeiro que se dá a proliferação e massificação do positivo. A hiperinformação e hipercomunicação gera precisamente a falta de verdade, sim, a falta de ser. (Han, 2017, pp. 24-25, grifos do original)

No segundo capítulo, sociedade da exposição, Han desvela que a questão da reclusão constitutiva do valor cultural também “desaparece em favor de seu valor expositivo. [...] Pois, tudo o que repousa em si mesmo, que se demora em si mesmo passou a não ter mais valor, só adquirindo algum valor se for visto”. (Han, 2017, pp. 27-28). A coação por exposição tomou de assalto o valor cultural da aura enquanto manifestação de uma distância para produzir visibilidade a qualquer custo, seja compartilhando falsas notícias pelo facebook ou transformando a própria face de objeto-propaganda pelo fotoshop, o seu valor está na superfície da sociedade transparente, que não conversa apenas informa, tornando impossível viver o prazer tendo a visão de desempenho.

A coação expositiva leva à alienação do próprio corpo, coisificado e transformado em objeto expositivo, que deve ser otimizado. Já não é possível morar nele, sendo necessário, então, expô-lo e, assim, explorá-lo. Exposição é exploração, e seu imperativo aniquila o próprio morar. Quando o próprio mundo se transforma em espaço de exposição, já não é possível o habitar, que cede lugar à propaganda, com o objetivo de incrementar o capital da atenção do público. (Han, 2017, p. 32, grifos do original)

O autor reafirma que a hipervisibilidade, os canais rasos da hipercomunicação e a coação que explora o visível da bela aparência (fitness, operação beleza) são obscenos porque aniquilam o questionamento, as diferentes interpretações, os traços de negatividade da alteridade e a reflexão estética, para maximizar a exposição otimizada. Daí que, “a absolutização do valor expositivo se expressa como tirania da visibilidade. O problemático não é o aumento das imagens em si, mas a coação icônica para tornar-se imagem. [...] E é nisso que está seu poder e violência”. (Han, 2017, p. 35).

Hoje, a comunicação visual se realiza como contágio, ab-reação ou reflexo. [...] Sua estetização é, em última instância, anestésica. [...] As imagens preenchidas pelo valor expositivo não demonstram qualquer complexidade; são univocamente claras, isto é, pornográficas. Falta-lhes qualquer tipo de fragilidade que pudesse desencadear uma reflexão, um reconsiderar, um repensar. A complexidade retarda a velocidade da comunicação, e a hipercomunicação anestésica, para acelerar-se, reduz a complexidade. Ela é essencialmente mais rápida do que a comunicação sensorial, os sentidos são morosos, sendo um empecilho para o circuito veloz da informação e da comunicação. Assim, a transparência caminha passo a passo com um vazio de sentido. A massa de informações e de comunicação surge de um horror vacui. (Han, 2017, pp. 36-37, grifos do original)

Na sociedade da transparência, a falta de distância torna a percepção ou a contemplação estética aniquiladas de sentido, dada a uniformidade da comunicação vazia. A noção de transparência é deslocada no capítulo 3 para as máscaras, procedimentos e formas de aparência da sociedade da evidência, que é inimiga dos espaços de jogo do prazer humano. A iniciação estética da fantasia em contornos imaginativos ou narrativos dá lugar para a economia do prazer em objetos desvelados previamente.

Em grande parte, o poder também participa da produção do prazer, pois a economia libidinosa segue uma lógica de poder econômico. [...] O prazer será tanto maior quando mais diversificados forem os modos de jogo pelo quais se dirige o comportamento dos outros. Aos jogos estratégicos pertence grande parte de intransparência e imprevisibilidade. (Han, 2017, p. 46)

Dá continuidade, no capítulo 4, às discussões da sociedade pornográfica como exposição esvaziada de sentido humano, que impinge violência e poder em uma espécie de máscara social (lugar pré-expressivo da nudez sem forma), que é produto do mero valor expositivo da mercadoria. Em contraposição, observa nas reconfigurações da beleza, do mistério e do sublime as dimensões constitutivas da imaginação criadora. “Certamente, o corpo nu exposto à visão pornográfica é miserável, mas não sublime. [...] O sublime gera um valor cultural; já o rosto exposto pornograficamente, que flerta com o contraposto, pode ser qualquer outra coisa, menos sublime”. (Han, 2017, p. 54, grifos do autor). Acrescenta, na sua exposição, que “obsceno é o rosto desnudo, sem mistério, tornado transparente e reduzido à sua exposição. Pornográfica é a face que se sobrecarrega até empanturrar-se de valor expositivo”, sem a sedução do que escapa a compreensão, do que pode ser encenado, descoberto, imaginado do ocultamento erótico. (Han, 2017, p. 59).

O corpo pornográfico é raso, não é interrompido por nada. A interrupção cria uma ambivalência, uma ambiguidade. Essa imprecisão semântica é erótica. Assim, o erótico pressupõe a negatividade do mistério e do ocultamento. Não existe erotismo da transparência [positividade penetrante, incisiva]. É precisamente onde desaparece o mistério em prol da exposição e do desnudamento total que começa a pornografia. (Han, 2017, p. 60, grifos do original)

Nas condições atuais de tratamento das imagens, elas funcionam como imagens de síntese, em forma de experimentos antecipados dos sujeitos para melhor controlá-las. Diz respeito à lista de imagens pornográficas, rasas, transparentes, irrefletidas e que não apresentam qualquer ruptura, mistério ou ambiguidade, porque tudo está à vista, forçando estrategicamente o observador ao olhar constante e voraz. De acordo com Han (2017, p. 65, grifos do original), “não é de se admirar, portanto, que, muitas vezes, por mais clareza que apresente, o punctum [que interrompe a propensão inconsequente de objetos de studium] se manifesta só posteriormente, quando já não tenho mais a foto sob o meu olhar, e volto a pensar nela”.

A música surge apenas de uma distância contemplativa em relação à imagem. Ao contrário, ela emudece onde se fecha o circuito do contato imediato do olho com a imagem, pois a transparência não tem música. Barthes observa, inclusive, que a fotografia tem de ser silenciosa. [...] Mas frente às imagens pornográficas, ao contrário, as pessoas não se detêm nem demoram. Essas imagens são estridentes, agudas, porque estão expostas; falta-lhes, inclusive, a amplidão temporal. Elas não admitem qualquer recordação, servindo apenas para excitação e satisfação imediata. (Han, 2017, p. 66, grifos do original)

Enquanto as imagens artesanais, gestuais, mímicas, sonoras, leituras e narrações hermenêuticas derivam de ações de distanciamento do mundo e revisão da própria realidade, com simpatia ou oposição,

O processo de pornografização do visual hoje se realizaria como uma desculturalização [por contaminação]. As imagens pornográficas, desculturalizadas, não apresentam nada que possa ser lido. Enquanto imagens de propaganda, sua atuação é direta, táctil, infectiva. [...] Elas se esvaziam em espetáculo; a sociedade pornográfica é uma sociedade do espetáculo. (Han, 2017, p. 67, grifos do original)

A questão das imagens em nossa cultura relacionada à educação pode ser verificada nas fronteiras da cena social do capítulo 5 — sociedade da aceleração, massificadora e de mera captura ou ruptura do real.

Obsceno é o corpo sem referência, que não está direcionado, que não está em ação ou em situação. [...] A Teoria da Obscenidade de Sartre pode ser aplicada muito bem ao corpo da sociedade, em seus processos e movimentos. Tornam-se obscenos quando são privados de toda narratividade, de todo direcionamento, de todo sentido. [...] Obscenas são a hiperatividade, a hiperprodução e a hipercomunicação, que se lançam velozmente para além da meta. Obscena é essa hiperaceleração, que já não é realmente movente e tampouco nada leva adiante. (Han, 2017, p. 69-70, grifos do original)

A interface da educação com as questões das imagens culturais da sociedade da transparência, da superficialidade da vida, da adição operacionalizada sem pensar acaba extrapolando os processos narrativos e formadores do desenvolvimento humano, de tempo próprio, em nome da extinção da palavra provisória e da tensão provocativa dos encontros.

Contrariamente ao calcular, o pensar não é transparente; ele não segue o curso que calcula um asseguramento prévio, mas se lança no aberto. De acordo com Hegel, no pensar habita uma negatividade que lhe permite fazer experiências transformadoras. A negatividade do tornar-se outro é constitutiva para o pensar, e nisso reside sua diferença do cálculo, que permanece sempre igual. Essa igualdade é a condição de possibilidade da aceleração. Já a negatividade não apenas cunha experiência, como também o conhecimento. Um único conhecimento pode colocar em questão e transformar tudo o que já existe em sua totalidade, mas a informação não tem essa negatividade. A experiência também tem consequências, fortalecendo a transformação, e nisso ela se distingue da vivência, que deixa intacto aquilo que já existe. (Han, 2017, p. 71, grifos do autor)

Em suas análises, Han retoma a importância da peregrinação de eventos semânticos da memória, da história e da narratividade, cuja busca de sentido está a caminho da própria significação que se mantém estranha, transformando-se em potencial educativo para resistir a aceleração da transparência. Do ponto de vista cultural, “esse empobrecimento semântico e essa falta de narratividade de espaço e tempo se tornam obscenos. [...] O espaço transparente é pobre em semântica, já os significados surgem apenas por meio de umbrais e passagens, de resistências”, tais como as primeiras experiências, inseguranças e expectativas da infância (Han, 2017, p. 75). A universalização radical do mercado gera um outro problema e a crise que, segundo Han (2017, p. 77-78, grifos do autor),

Não é a aceleração, mas a dispersão e a dissociação temporal. Uma discronia temporal faz com que o tempo gire como biruta, sem rumo, transformando-o em mera sequência da atualidade pontual, atomizada. Com isso, o tempo se torna aditivo e esvaziado de toda e qualquer narratividade. Átomos não têm perfume. Só uma atração figurativa e uma força de gravidade narrativa poderão unificá-los em moléculas perfumadas; assim, apenas as configurações complexas, narrativas conseguem exalar perfume. E visto que não é a aceleração em si que representa o verdadeiro problema, sua solução não reside na desaceleração. A mera desaceleração não cria cadência, ritmo nem perfume, não impedindo a queda para dentro do vazio.

A partir disso, Han discute no sexto capítulo a sociedade da intimidade, que inviabiliza a distância cênica necessária à identificação dos diferentes sinais, expressões culturais, formas (de jogar com autoimagens e sentimentos) e rituais do comunicar-se humano.

Formalização, convencionalização e ritualização não excluem a expressividade, pois o teatro é lugar de expressões, que são sentimentos objetivos, e não manifestações da interioridade psíquica. [...] Hoje, o mundo não é um teatro no qual são representadas e lidas ações e sentimentos, mas um mercado onde se expõem, vendem e consomem intimidades. O teatro é um lugar de representação, enquanto que o mercado é um lugar de exposição. Assim, atualmente a representação teatral dá lugar à exposição pornográfica. (Han, 2017, p. 79-80, grifos do autor)

A decadência da cultura é revelada na intimidade do mundo “objetivo-público, que não é objeto de sensações e vivências íntimas”, mas torna-se a fórmula psicológica da transparência íntima onde se elimina a distância e a expressão crítica do mundo, por meio um espaço de proximidade digital absoluto (Han, 2017, p. 80). A intimidade psicologiza interfere nos processos de regulamentações subjetivo-afetivas e de socialização, inclusive da esfera política (espaço do agir comum), “assim, políticos não são avaliados por suas ações. Seu interesse está voltado para a pessoa, o que provoca neles coerção por encenação. A perda do caráter público deixa atrás de si um vazio onde se derramam a intimidade e as estâncias privadas” de exposição aparente/ausente (Han, 2017, p. 81-82). Soma-se a isso o fato de que “a sociedade da intimidade desconfia dos gestos ritualísticos e dos comportamentos cerimoniais e formais; [...] é uma sociedade psicologizada, desritualizada; uma sociedade da confissão, do desnudamento e da falta pornográfica de distância”. (Han, 2017, p. 83).

Nas experiências encontramos o outro; mas nas vivências, ao contrário, sempre encontramos a nós mesmos. O sujeito narcísico não pode colocar um limite a si mesmo; os limites de si mesmo desaparecem. Por isso ele não consegue fazer surgir uma imagem estável do si-mesmo; funde-se de tal forma em si, que não se torna possível jogar consigo mesmo. (Han, 2017, p. 84-85, grifos do original)

Por esses motivos, o capítulo 7 retrata a sociedade da informação, fazendo analogias com a alegoria da caverna de Platão, momento em que todos estamos presos e sentados como espectadores diante do computador, seduzidos pelas imagens que falam e instrumentos culturais. “A caverna de Platão é, pois, uma espécie de teatro de sombras; os objetos que mostram suas sombras projetadas na parede não são coisas reais do mundo, mas figuras teatrais e requisitos”, para o próprio espelhamento da realidade (Han, 2017, p. 88). As redes, assim como a caverna, não apresentam, no entendimento de Han (2017, pp. 88-89, grifos do original), “diversas formas de conhecimento, mas diversas formas de vida [hierarquizadas e percebidas em cópias/aparências das coisas pelos sentidos até o mundo inteligível]; a saber, a forma de vida narrativa e a forma de vida cognitiva. [...] O teatro como mundo da narrativa se contrapõe à alegoria da caverna do mundo do conhecimento”. No entanto, buscar enfrentar a sociedade da transparência sem poetas, sem sedução e sem metamorfose é buscar respostas para a cultura entre o saber e o não saber.

A luz da verdade priva o mundo da narratividade; o sol aniquila a aparência; o jogo da mimética e da metamorfose dá lugar ao trabalho na verdade. Platão condena todo e qualquer enfoque voltado à transformação em favor da identidade rígida. Sua crítica à mimética aplica-se precisamente à aparência e ao jogo. Platão proíbe toda e qualquer apresentação cênica e nega inclusive ao poeta a entrada em sua cidade da verdade. (Han, 2017, p. 90)

Simultaneamente, o autor deixa transparecer o desafio educativo à crítica cultural e imagética para enfrentar a sociedade opacificada pela transparência da informação (positivada e operacionalizada), da homogeneização compulsiva e do nivelamento de orientações que vem causando o vazio existencial e a intransparente do mundo pelo domínio das (auto)imagens midiáticas.

O capítulo 8 trata a perspectiva da sociedade do desencobrimento que, como vemos, é desvelada por acontecimentos já no século XVIII conhecidos como o “pathos da desocultação e transparência”, entrando no jogo cênico o brincar com a aparência (Han, 2017, p. 97). Neste caso, “a exigência de Rousseau por transparência anuncia uma mudança de paradigma. O universo do século XVIII ainda era um teatro; estava repleto de cenas, máscaras e figuras. A própria moda era teatral”. (Han, 2017, p. 99). Assim, Rousseau se contrapõe àquele jogo de máscaras e papéis teatrais que dissimulam o que se pensa naturalmente, gerando o esquecimento da própria situação e expressão, que é transferida para o espetáculo (da aparência e da sedução) de ser um outro (uma pose e um espelhamento heroico da transparência). O projeto da transparência do coração e do uso das imagens de Rousseau expulsa tudo o que é obscuro, mas também mostra ser uma sociedade de controle e vigilância total, que leva à violência e à tirania moral ou biopolítica (Han, 2017, p. 102). No entanto,

O vento digital da comunicação e da informação penetra tudo e torna tudo transparente. Ele atua através da sociedade da transparência; mas a rede digital como medium da transparência não está submetida a um imperativo moral. É de certo modo desprovida de coração, que do ponto de vista da tradição foi um medium metafísico-teológico da verdade. A transparência digital não é cardiográfica, mas pornográfica, produzindo também panópticos econômicos. Neles não se busca acentuar a moral do coração, mas maximizar lucros, chamar a atenção. A iluminação total promete, pois, uma exploração máxima. (Han, 2017, p. 103-104, grifos do original)

No último capítulo intitulado “sociedade do controle”, Han (2017, p. 105) mostra que já na obra Agonia do real (1978), escrita por Baudrillard surge a afirmação de que “estamos vivenciando o fim do espaço perspectivístico e do panóptico”, na época, pelo medium da televisão. Em contraposição a este diagnóstico da sociedade disciplinar, que vigiava os sujeitos unilateralmente e permanecia como um poder invisível para seus membros, hoje,

Não vivemos o final do panóptico, mas o começo de um novo tipo de panóptico; aperspectivístico. O panóptico digital do século XXI é aperspectivístico na medida em que não é mais vigiado por um centro, não é mais supervisionado pela onipotência do olhar despótico. [...] O panóptico digital surge agora totalmente desprovido de qualquer ótica perspectivística, e isso é que constitui seu fator de eficiência. A permeabilidade transparente aperspectivística é muito mais eficiente do que a supervisão perspectivística, visto que é possível ser iluminado e tornado transparente a partir de todos os lugares, por cada um. (Han, 2017, p. 105-106, grifos do original)

Com a cultura digital cria-se uma vigilância permanente na aperspectividade de uma rede de (hiper)comunicação que assegura a transparência recíproca, pois, “ilusoriamente os habitantes do panóptico digital imaginam estar em total liberdade”. (Han, 2017, p. 108).

A especificidade do panóptico digital é sobretudo o fato de que seus frequentadores colaboram ativamente e de forma pessoal em sua edificação e manutenção, expondo-se e desnudado a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico. [...] Nesse sentido, a sociedade de controle chega a sua consumação ali onde o sujeito dessa sociedade não se desnuda por coação externa, mas a partir de uma necessidade gerada por si mesmo; onde, portanto, o medo de renunciar à sua esfera privada e íntima dá lugar à necessidade de se expor à vista sem qualquer pudor. (Han, 2017, p. 108-109)

Todo esse fluxo de informações assimétrico e ininterrupto “degrada a transparent society a uma sociedade de controle desumana, na qual todos controlam todos”, aniquilando a liberdade de expressão e ação (Han, 2017, p. 110, grifo do autor). Daí que,

A sociedade da transparência é uma sociedade da desconfiança e da suspeita, que, em virtude do desaparecimento da confiança, agarra-se ao controle. A intensa exigência por transparência aponta precisamente para o fato de que o fundamento moral da sociedade se tornou frágil, que os valores morais da honestidade e sinceridade estão perdendo cada vez mais importância. Em lugar da instância moral pioneira aparece a transparência como novo imperativo social. (Han, 2017, p. 111-112)

A sociedade da transparência converge para a lógica do desempenho, uma instância que dá liberdade externa ao sujeito desde que ele esteja submetido ao sistema de exploração econômica pelo trabalho, que o obriga a trabalhar, em meio a autoexploração, até a morte.

A autoexploração é muito mais eficiente do que a exploração do outro, pois é acompanhada por um sentimento de liberdade; o sujeito do desempenho submete-se a uma coação livre, autogerada. Essa dialética da liberdade também está presente no fundamento da sociedade de controle. A autoiluminação completa é muito mais eficiente do que a iluminação feita pelos outros, pois vem acompanhada do sentimento de liberdade. (Han, 2017, p. 112)

Cumpre ressaltar ainda que na sociedade da transparência não se forma comunidade (um nós político, comum e universal), mas agrupamentos de diversos egos isolados em ilhas, mas que perseguem um interesse comum, uma marca de composição aditiva, uma ideologia partidária. A exploração do social sistematizada em redes sociais e Google se apresenta como espaço de liberdade em formas panópticas, que satisfazem as necessidades momentâneas de comunicação e comércio. “O elemento social é degradado e operacionalizado como um elemento funcional do processo de produção, prestando-se à otimização das relações de produção. Falta-lhe todo resquício de negatividade à aparente liberdade dos consumidores”. (Han, 2017, p. 114-115)

Hoje, a supervisão não se dá como se admite usualmente, como agressão à liberdade. Ao contrário, as pessoas se expõem livremente ao olho panóptico. Elas colaboram intensamente na edificação do panóptico digital na medida em que se desnudam e se expõem. O presidiário do panóptico digital é ao mesmo tempo o agressor e a vítima, e nisso é que reside a dialética da liberdade, que se apresenta como controle. (Han, 2017, p. 115-116, grifos do original)

A leitura da obra é imprescindível para compreender os fenômenos sociais, políticos e educacionais da sociedade transparente e da cultura digital, trazendo reflexões para pensar a universalização radical do mercado que espetaculariza o ser humano em um regime de controle. Por um lado, há um horizonte positivo da transparência cultural de exposição do mesmo, do habitual e das polarizações dando visibilidade uniformes ao mundo, por outro, há o deslocamento dos debates públicos de suas condições de inteligibilidade, no sentido de ofuscar os processos contraditórios e recriadores das diferenças culturais. Contudo, é necessário compreender as dinâmicas da sociedade da transparência que vem nutrindo pseudonecessidades econômicas, culturais, sociais e simbólicas, por meio de imagens pulverizadas e mensagens consumidas na relação espetacular das representações humanas. Se o modus operandi da transparência é também o modus vivendi da sociedade atormentada, repercutindo na esterilidade ou morte do debate, então, é fundamental ensinar a ver através da reconstrução cultural (aleteia), que supera a desconfiança e a ameaça do outro, como forma de restabelecer os elos expressivos de valorização das diferenças, reativando os sentidos expropriados de experiência com os dispositivos vigentes (Conte e Ourique, 2018a, 2018b).

Referências

Conte, Elaine & Ourique, Maiane Liana Hatschbach (2018a). Interlocuções das pesquisas em tecnologias na educação. Educação e Pesquisa, 44, 1-15. https://doi.org/10.1590/S1678-4634201844168214

Conte, Elaine & Ourique, Maiane Liana Hatschbach (2018b). Percursos das sociedades que levaram à indiferença humana. Revista Comunicações, 25, 83-96. https://doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v25n1p83-96

Costa, Pâmela Bueno & Noyama, Samon (2018). Sociedade da transparência de Byung-Chul Han: a pornografia enquanto conceito filosófico. Ensino & Pesquisa, 16 (2), 148-152.

Habowski, Adilson Cristiano; Conte, Elaine & Milbradt, Carla (2021). Sociedade da transparência: os processos de desenvolvimento humano em questão. Revista HISTEDBR On-line, 21, 1-6. https://doi.org/10.20396/rho.v21i00.8658390

Han, Byung-Chul (2017). Sociedade da transparência (Tradução de Enio Giachini). Vozes.