Os significados do trabalho e do dinheiro cumprem funções sociais na vida das pessoas? Essa pergunta, que orientou a elaboração e o desenvolvimento da presente tese, partiu de estudo anterior que desenvolvi sobre os significados do trabalho e do dinheiro, no contexto da construção civil brasileira (Barros, 2012; Barros e Borges, 2016). Aqui me detenho especificamente às mudanças macroeconômicas observadas no país e seus desdobramentos para os trabalhadores dessa ocupação, tomando-as como pano de fundo para a compreensão da construção do objetivo geral desta tese.
À época (Barros, 2012; Barros e Borges, 2016), o setor da construção civil desfrutava um período de crescimento econômico, fato que permitiu uma maior intensificação nas atividades, ampliando, por consequência, a oferta de empregos formais. Embora tenha atraído diversos trabalhadores, as características da ocupação se mantiveram desanimadoras, a exemplo das precárias condições de trabalho (Oliveira e Iriart, 2008; Takahashi et al., 2012) e da discriminação tradicionalmente sofrida pela ocupação, devido, em grande parte, às características da atividade, predominantemente braçal, e à baixa exigência de qualificação educacional e profissional (Borges e Peixoto, 2011; Cockell e Perticarrari, 2010; Santana e Oliveira, 2004; Santos, 2010).
Em 2012, período em que concluí o referido estudo, a construção civil já apresentava sinais de estagnação, acarretando redução de empregos formais e aumento de subcontratações, como meio para diminuir custos e encargos sociais (Costa e Tomasi, 2014; Takahashi et al., 2012). Tal condição afetou drasticamente a vida desses operários, os quais, além da precarização nas condições de trabalho, ainda contavam com uma mobilidade ocupacional bastante restrita, justamente pelo baixo nível de escolarização e de qualificação profissional, levando-os à informalidade e a uma situação de vulnerabilidade social ainda maior (Barros e Mendes, 2003; Borges e Peixoto, 2011; Santos, 2010).
Assumindo a premissa de que os significados são construções sociais e, portanto, processos dinâmicos que regulam e orientam as ações humanas (Bruner, 1997; Valsiner, 2012), o referido cenário de estagnação econômica suscitou alguns questionamentos: os significados do trabalho e do dinheiro atribuídos pelos operários se modificariam, quando comparados ao período de crescimento econômico? Como esses significados poderiam influenciar, positiva ou negativamente, a vida desses trabalhadores? Que estratégias estariam desenvolvendo para enfrentar as dificuldades apresentadas no mundo do trabalho, bem como na obtenção de recursos financeiros?
Por um lado, as mudanças macrossociais, como a sinalizada no nível econômico, tendem a modificar a maneira com que as pessoas se estruturam e se orientam frente a categorias sociais institucionalizadas como o trabalho e o dinheiro. Por outro, tais categorias cumprem funções sociais que são produzidas a partir das próprias experiências cotidianas dessas pessoas, influenciando, assim, na produção de significados. Nessa compreensão, objetivei investigar sobre que funções os significados do trabalho e do dinheiro vêm cumprindo na vida dos trabalhadores da construção civil.
Para o desenvolvimento desta tese, considerei, ainda, alguns pressupostos do que se considera uma perspectiva psicossociológica, na compreensão dos significados do trabalho e do dinheiro. Dentre os quais, os fenômenos sociais como dinâmicos e sujeitos aos contextos históricos e culturais que os atravessam (p. ex., Álvaro, 1995; Álvaro et al., 2007; Katzell, 1994). A articulação de diversos níveis de análise (Doise, 1986; Ritzer, 2002) como parte do processo de compreensão de ditos fenômenos, haja vista que o indivíduo, embora distinto, é parte do contexto ao qual está inserido (Valsiner, 2012). E os grupos, organizações e/ou instituições como espaços privilegiados para análise sobre como os fenômenos sociais se manifestam e regulam processos individuais e societais (Lhuilier, 2014).
Sobre os temas centrais da presente tese, é consensual na literatura especializada sobre os significados do trabalho (p. ex., Arnoux-Nicolas et al., 2016; Bendassolli e Gondim, 2014; Borges e Tamayo, 2001) e do dinheiro (p. ex., Baker e Hagedorn, 2008; Furnham, 2014; Moreira e Tamayo, 1999) caracterizá-los como fenômenos multidimensionais, complexos e dinâmicos, exigindo uma compreensão que considere os diversos aspectos da realidade social. Nesse sentido, tendo como fio condutor as mudanças macroestruturais na economia do país já sinalizadas, revisitei a literatura especializada sobre ambas as temáticas, buscando, agora, elementos que indicassem a influência de níveis explicativos mais amplos sobre os fenômenos investigados. Tal revisão foi importante para a construção dos objetivos específicos e é nessa perspectiva que apresento uma breve revisão teórica sobre os significados do trabalho e do dinheiro, na ordem com que tais objetivos foram elaborados e respondidos neste estudo.
Os estudos sobre os significados do dinheiro surgiram de forma mais estruturada a partir da década de 1970. Alguns modelos teóricos foram construídos para compreensão do fenômeno, embora tenham tratado mais especificamente das atitudes frente ao dinheiro (Furnham, 1984; Tang, 1992; Yamauchi e Templer, 1982), ao invés dos significados propriamente ditos. No entanto, a menção de tais modelos na compreensão dos significados do dinheiro se deve à contribuição em demonstrar empiricamente (p. ex., Baker e Hagedorn, 2008; Engelberg e Sjöberg, 2006) sua natureza multidimensional e dinâmica.
No Brasil, Alice Moreira e Álvaro Tamayo (1999) apontaram limites nos referidos modelos, a exemplo da falta de clareza no aporte teórico e de levantamento empírico prévio na construção de instrumento de medida. Elaboraram, então, um modelo de investigação que abarcasse os limites encontrados nos estudos anteriores e, ao mesmo tempo, se aproximasse do contexto e especificidades brasileiros. Os autores identificaram dois polos de análise para os significados do dinheiro, sinalizando a presença de aspectos positivos (p. ex., progresso, prazer) e negativos (p. ex., conflito, sofrimento). Nesse modelo, ainda, consideraram diferentes níveis explicativos, do macro (p. ex., desigualdade, cultura) ao microssocial (p. ex., prazer, sofrimento), ampliando a compreensão do fenômeno.
Apesar de o modelo dos referidos autores considerar diferentes níveis explicativos de análise, tal característica não se refletiu na totalidade das pesquisas que se basearam nele. Os significados do dinheiro foram tratados no nível individual em algumas pesquisas (p. ex., Vieira et al., 2014), enquanto em outras (p. ex., Barros e Borges, 2016), os estudos consideraram a influência dos contextos ocupacionais na compreensão do fenômeno.
A dificuldade em encontrar mais publicações que tratassem exclusivamente dos significados do dinheiro impossibilitou uma compreensão mais ampla e aprofundada sobre o modo como o tema tem sido abordado nas pesquisas, sobretudo, no que diz respeito ao nível de explicação dos resultados encontrados. Considerando a relevância dessa compreensão para o avanço científico do tema e para a consecução da presente tese, propus, como primeiro objetivo específico, contribuir para descrever o estado da arte das pesquisas sobre os significados do dinheiro no tocante aos aspectos conceituais, aos metodológicos (operacionais) e aos resultados encontrados.
Para responder o primeiro objetivo específico, adotei como referência o modelo proposto por Willem Doise (1986) sobre a articulação entre os níveis de análise — intraindividual, interindividual-social e ideológico — na compreensão dos fenômenos psicossociais (Barros et al., 2017b). Levantei publicações, nacionais e estrangeiras, que trataram exclusivamente dos significados do dinheiro entre os períodos 2000 e 2014. Considerei o modo como o fenômeno foi abordado, o nível de explicação utilizado, as opções metodológicas predominantes e os principais achados.
Os resultados (Barros et al., 2017b) apontaram uma variedade de significados do dinheiro e seu dinamismo, ao indicarem a influência de variáveis sociodemográficas e ocupacionais no processo de produção desses significados. No entanto, a articulação entre os níveis de análise na compreensão do fenômeno foi escassa. A maior parte dessas publicações apresentou apenas um nível de análise (interindividual) e aquelas em que apareceu nível explicativo mais amplo (ideológica) nem sempre deixaram clara a abordagem adotada. A articulação entre os níveis explicativos (interindividual-social), embora tenha aparecido em algumas publicações, ainda demanda maior aprofundamento nos estudos do fenômeno. Outro ponto observado foi o predomínio do uso de apenas uma técnica de coleta de dados (questionários estruturados), enquanto poucos estudos combinaram técnicas (p. ex., questionários estruturados e entrevistas semiestruturadas). Para esses últimos, a estratégia metodológica adotada contribuiu para ampliar a compreensão sobre os resultados encontrados.
As análises realizadas nessa revisão de literatura apontaram para a importância de se considerar a integração de diferentes níveis explicativos na análise dos significados do dinheiro, explorando o fenômeno para além da mera identificação desses significados, ao considerar aspectos dos contextos sociais sob os quais eles emergem. Tais achados foram fundamentais para a construção dos objetivos específicos subsequentes.
Diferentemente da temática anterior, há vasta literatura sobre os significados do trabalho, sejam estudos empíricos (p. ex., Borges e Tamayo, 2001; Dakduk et al., 2008; Harpaz e Meshoulam, 2010; Silva et al., 2015) ou teóricos (p. ex., Bendassolli e Gondim, 2014; Brief e Nord, 1990; Borges, 1998; Rosso, et al., 2010; Schweitzer et al., 2016). De forma consensual, a pesquisa desenvolvida por Meaning of Work — International Research Team (MOW, 1987) é considerada como referência nos estudos sobre os significados do trabalho (p. ex., Arnoux-Nicolas et al., 2016; Bendassolli e Gondim, 2014). Embora tenha sido um modelo amplamente utilizado e que, de fato, contribuiu para a consolidação do tema como linha de investigação, tal modelo não considerou a influência dos aspectos sociais na compreensão do fenômeno (Brief e Nord, 1990; Borges et al., 2005). Também apresentaram inconsistências, quando aplicados em contexto brasileiro (p. ex., Soares, 1992; Bastos et al., 1995).
A construção de novos modelos possibilitou o avanço nos estudos sobre o tema (p. ex., Arnoux-Nicolas et al., 2016; Bendassolli et al., 2014; Borges e Tamayo, 2001; Fernandes et al., 2012; Kubo e Gouvêa, 2012). Considerando o contexto brasileiro, destaco o modelo proposto por Borges e Tamayo, constituído por: centralidade do trabalho (importância do trabalho em termos absolutos e relativos), faceta incorporada do modelo do grupo MOW (1987); atributos valorativos (o trabalho ideal); atributos descritivos (o trabalho real); e hierarquia dos atributos (ordem de importância dos respectivos atributos).
Pesquisas posteriores demonstraram a capacidade do referido modelo de captar o dinamismo presente nos significados do trabalho, ao apontarem diferentes conotações por trás da produção de significados para distintos grupos ocupacionais (p. ex., Borges e Yamamoto, 2010; Heleno, 2014; Silva et al., 2015), e, sobretudo, a influência de diferentes contextos sociais em uma mesma ocupação (p. ex., Barros e Borges, 2016; Borges e Tamayo, 2001; Pinheiro, 2014). Adicionalmente, corroboraram a literatura (Brief e Nord, 1990; Borges et al., 2005) sobre a importância de incluir níveis de análise mais amplos para melhor compreender a construção dos significados atribuídos ao trabalho.
Considerando o contexto de estagnação econômica mencionado na seção anterior e a influência dos contextos sociais no processo de produção de significados de ambos os fenômenos, conforme sinalizaram as respectivas literaturas especializadas, estabeleci, como segundo objetivo específico, comparar os significados do trabalho e do dinheiro atribuídos em 2011 (crescimento econômico) e em 2015 (retração econômica), pelos trabalhadores da construção civil.
Para responder o segundo objetivo específico, realizei pesquisa de campo (Barros et al., 2017a). Diferente da facilidade de acesso aos participantes diretamente pelas organizações, em 2011, a retração econômica no país fez com que muitas construtoras fechassem e/ou interrompessem suas atividades. As que se mantiveram no mercado reduziram ao mínimo o número de trabalhadores contratados formalmente, o que dificultou o acesso por essa via. Por meio da técnica de coleta de dados “bola de neve”, iniciei meus primeiros contatos com o campo. Eram trabalhadores formalmente empregados, em distintas organizações, exercendo funções de serventes, meio-oficiais, oficiais, encarregados e mestres de obras. Seguindo os procedimentos éticos de pesquisa, todos os participantes foram informados sobre os objetivos de pesquisa e garantidos o anonimato, o sigilo das respostas e a participação voluntária. Também apresentei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por meio do qual os participantes oficializaram a participação.
Além da ficha sociodemográfica para caracterização da amostra, apliquei o questionário estruturado Inventário dos Significados do Trabalho (IST), desenvolvido por Borges e Tamayo (2001), a partir do qual levantei os tipos valorativos (Fonte de realização e independência econômica; Expressão de respeito e de acolhimento; Fonte de desafio e ocupação; Autoafirmativo; Representante de dureza; e Desumanizante e desgastante) e os tipos descritivos (Fazer esforço corporal e desumanizar-se; Ocupar-se; Ser responsável, desafiar-se e crescer economicamente; Realizar-se e sentir-se útil; Ser reconhecido e tratado com justiça). E a Escala de Significados do Dinheiro (ESD-II), desenvolvida por Moreira e Tamayo (1999), sendo levantados os componentes: Prazer; Conflito; Sofrimento; Desigualdade; Altruísmo; e Transcendência.
Os resultados (Barros et al., 2017a) indicaram mudanças na produção de significados do trabalho e do dinheiro entre os dois períodos. Acerca dos significados do trabalho, enquanto no período de crescimento econômico, os participantes valorizavam mais o trabalho que expressasse respeito e acolhimento, seguido de fonte de realização e independência econômica, no período de crise econômica, eles passaram a valorizar um trabalho desumanizante e desgastante, seguido da representação de dureza. Somado a esses ideais mais baixos, a percepção sobre o trabalho real também sofreu alteração. Em 2011, os operários percebiam-se mais ocupados e sentiam-se mais responsáveis, com um trabalho desafiador que permitisse crescer economicamente. Em 2015, por sua vez, eles apresentaram uma maior aceitação das condições precárias no trabalho, ao perceberem, em um mesmo nível de prioridades, o fazer esforço físico e desumanizante associado ao sentirem-se reconhecidos e tratados com justiça.
Essas mudanças se aproximaram das observadas por outros autores em estudos anteriores, com a mesma categoria ocupacional, realizados em períodos de crise econômica no país (Borges e Tamayo, 2001; Borges et al., 2005). Significa dizer que, em momentos de crise econômica, as aspirações sobre o trabalho tendem a se ajustar às oportunidades que os trabalhadores têm no mundo concreto de trabalho. Se as oportunidades são mais favoráveis, como em período de crescimento econômico, tais aspirações tendem a se elevar, no que diz respeito à melhoria nas condições de vida (Barros, 2012; Barros e Borges, 2016; Pinheiro, 2014).
As mudanças mais representativas nos significados do dinheiro, por sua vez, referiram-se aos componentes: transcendência (por meio da espiritualidade, poder ajudar o próximo) e prazer (como fonte de felicidade e de satisfação pessoal). Em 2015, a percepção do componente transcendência, ocupando o primeiro nível de prioridade, se intensificou, quando comparado a 2011. A literatura (p. ex., Borges e Peixoto, 2011; Santos, 2010) tem apontado a importância da religião para essa ocupação, como meio de enfrentar os desafios para prover o sustento e a sobrevivência da família, o que pode explicar a intensidade desse componente durante a crise econômica.
O componente prazer, por sua vez, assumiu o segundo nível de prioridade (em 2011, encontrava-se em quarta posição), juntamente com os componentes: altruísmo (meio de contribuir para o progresso) e desigualdade (fonte de exclusão e dominação social). Essa associação sugere refletir as contradições experimentadas pelos participantes, diante da escassez de recursos potencializada pela crise econômica, entre estar satisfeito por permanecer no emprego formal e ver uma gama de colegas de profissão experimentando a instabilidade que encontram no mercado informal.
Os objetivos específicos anteriores (Barros et al., 2017a, 2017b) contribuíram para clarear a influência dos diversos aspectos da realidade social no processo de produção de significados do dinheiro e do trabalho, bem como a importância de se buscar uma compreensão mais integradora, na articulação de diferentes níveis explicativos. Embora não explorem diretamente as funções por meio das quais esses fenômenos têm regulado e orientado a vida desses trabalhadores, foram etapas importantes para subsidiar tal compreensão. Tendo isso em vista, estabeleci como terceiro e último objetivo específico, explorar as funções que os significados do trabalho e do dinheiro cumprem na vida dos trabalhadores da construção civil.
Para avançar neste estudo (Barros et al., 2018), considerei o trabalho e o dinheiro enquanto categorias sociais institucionalizadas, a partir das quais vem cumprindo funções específicas nas sociedades contemporâneas capitalistas, seja de socialização e identitária, a exemplo do trabalho (p. ex., Álvaro, 1992; Jahoda, 1987; Wanberg, 2012), ou como sofisticado símbolo de troca, a exemplo do dinheiro (Furnhan, 2014). Tais funções são experimentadas no cotidiano das pessoas e, por consequência, influenciam, ao mesmo tempo em que são ativadas na própria produção de significados (Blustein, 2006, citado por Bujold et al., 2013), tornando-os processos indissociáveis e interdependentes.
Nessa compreensão, realizei entrevistas semiestruturadas com trabalhadores da construção civil, sendo um recorte dos participantes do estudo anterior (Barros et al., 2017a) à época em que realizei as visitas de campo, em 2015, seguindo os mesmos procedimentos éticos sinalizados na seção anterior. Identifiquei dois grandes eixos articuladores das funções dos significados do trabalho e do dinheiro: “inserção e inclusão sociais versus exclusão social” (percepção do trabalhador como membro da sociedade e como ele considera ser visto por ela); e “realização e sentido de utilidade versus degradação” (como o trabalhador almeja obter resultados, contribuir com a sociedade, e como percebe a degradação no trabalho realizado).
Os resultados representados nesses dois eixos evidenciaram as contradições experimentadas no cotidiano por esses trabalhadores nas condições precárias de trabalho e nos recursos financeiros limitadores, derivados, ao menos em parte, pelo período de retração econômica no setor (Barros et al., 2018). Também refletiu as estratégias de enfrentamento, estruturadas na valorização da própria condição de estarem empregados formalmente, e na conformação pelas limitações no acesso a melhores oportunidades de vida. Embora os eixos sejam interdependentes, a organização dos significados do trabalho e do dinheiro mostraram-se diferentes para cada um deles, sugerindo que tais significados são acessados de modo igualmente distinto sob determinadas condições da realidade social.
Retomando os questionamentos que orientaram a construção e desenvolvimento da presente tese, os resultados elencados (Barros et al., 2017a, 2017b; Barros et al., 2018) apontaram mudanças na produção dos significados do trabalho, mas também que estas, frente à retração econômica, implicaram valorizar e reconhecer o trabalho na construção civil em seus aspectos mais negativos, corroborando estudos anteriores nessa ocupação em contexto macroeconômico semelhante (Borges e Tamayo, 2001; Borges et al., 2005). Da mesma forma, as mudanças observadas na ordem de prioridades dos significados do dinheiro indicaram que momentos de crise econômica tendem a potencializar as ambivalências e contradições presentes no dinheiro e, ao mesmo tempo, os valores transcendentes deste, expressos na solidariedade com os colegas em dificuldade (Cockell e Perticarrari, 2010; Santos, 2010).
Os resultados indicaram também que os significados do trabalho e do dinheiro cumprem funções, simultaneamente, positivas e negativas na vida desses trabalhadores. Acerca disso, o terceiro estudo teve uma contribuição importante ao apontar tais funções na relação dinâmica entre inserção-inclusão social e exclusão social, e entre realização e sentido de utilidade e resignação, como dimensões únicas nos respectivos eixos. As estratégias utilizadas para lidarem com as contradições que se apresentaram nos significados do trabalho e do dinheiro se manifestaram, por sua vez, nos modos de enfrentamento aos efeitos da crise econômica, por exemplo, na valorização dos benefícios alcançados (por estar empregado) e na naturalização das condições e relações de trabalho, sob as quais estão sujeitos.
Entendendo que as estratégias metodológicas devem ser norteadas pelo problema de pesquisa (p. ex., Álvaro, 1995; Minayo e Sanches, 1993; Valles, 2007), mas também pelo quadro epistêmico e teórico, optei por realizar uma triangulação metodológica, ao responder os objetivos específicos, por meio da aplicação de distintas técnicas de coleta de dados (revisão de literatura, aplicação de questionários estruturados e de entrevistas semiestruturadas). A opção por tal estratégia contribuiu para uma discussão mais enriquecedora dos processos analisados, indicando que as funções regularam modos de viver e de enfrentar as contradições presentes no trabalho e no dinheiro, circunscritas na condição de ser trabalhador da construção civil e nos contextos que atravessam tal condição. Este estudo, ainda, ofereceu uma contribuição conceitual ao introduzir a noção de função aos temas, refinando a compreensão do que os significados do trabalho e do dinheiro de fato representam para esses trabalhadores.
Os resultados que compõem a presente tese podem contribuir no contexto das organizações atuantes no setor da construção civil, ao oferecer subsídios para incrementar e/ou incorporar práticas de gestão de pessoas que possam melhorar as condições de trabalho e/ou os benefícios oferecidos a esses trabalhadores, de modo que correspondam às reais necessidades deles. De modo semelhante, os sindicatos dos trabalhadores podem se beneficiar desses resultados, na elaboração de estratégias de intervenção que sejam efetivas em oferecer modos de inserção e inclusão sociais, assim como de realização e de sentido de utilidade que sejam além das necessidades eminentes de sobrevivência. Para além do contexto ocupacional, esta tese pode contribuir aos cidadãos, de uma maneira geral, no sentido de provocá-los a reflexões éticas sobre maneiras de se viver, tendo em vista o que o trabalho e o dinheiro significam e/ou podem vir a significar na vida deles. Tais reflexões têm a ver com escolhas, com formas de pensar, de sentir e seus desdobramentos mais práticos.
O uso do conceito de níveis de análises, utilizado na revisão de literatura sobre os significados do dinheiro (Barros et al., 2017b), não teve como escopo analisar o modelo proposto por Doise (1986). Pesquisas futuras, que abordem uma análise deste modelo, podem contribuir para seu aprimoramento e aplicabilidade. As análises comparativas, como a realizada entre dois momentos econômicos distintos na compreensão dos significados do trabalho e do dinheiro (Barros et al., 2017a), não puderam explorar outros aspectos do perfil dos participantes (p. ex., grupo familiar, opção religiosa), podendo ser adicionado a pesquisas futuras. Devido às dificuldades de acesso aos participantes, não foi possível introduzir na discussão dos fenômenos estudados, o nível organizacional/institucional, sob o qual eles estão inseridos. Pesquisas futuras podem se beneficiar com a introdução desse nível explicativo na compressão dos significados do trabalho e do dinheiro, bem como nos modos como suas respectivas funções se manifestam. Da mesma forma, considerar a inserção de uma mesma ocupação em culturas claramente diferenciadas pode ser importante se fosse adotada uma perspectiva transcultural.
Bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES, no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior — PDSE.
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