O Racismo Nosso de cada Dia: contradições de uma sociedade que se apresenta racialmente democrática

Our Everyday Racism: contradictions of a society that presents itself as racially democratic

  • Alexandre Bonetti Lima
Este artigo tem como objetivo traçar reflexões teórico-conceituais sobre a temática do racismo no Brasil. Partindo da obra de decolonialistas latino americanos assinalamos, inicialmente, que as matrizes históricas do racismo no país são desdobramentos da colonização europeia e do pensamento eurocêntrico na modernidade. Em seguida, discutimos a história do racismo no Brasil, enfocando-a em períodos após a abolição da escravidão marcados, especialmente, pela ideologia do embranquecimento, num primeiro momento, e pelo mito da democracia racial, a partir da era Vargas. Neste tópico, trouxemos dados acerca da grave situação de desigualdade social entre negros e brancos que persiste no país. Buscamos, assim, nos somar com vozes ético-críticas que reivindicam que a violência desta experiência cotidianamente vivida pela maior parcela da população não mais seja desqualificada e naturalizada, mas explicitamente revelada. Apenas desta maneira, medidas efetivas contra o racismo estrutural poderão ocorrer, afastando esse insidioso espectro que reincide constantemente nas sociabilidades brasileiras.
    Palavras chave:
  • Preconceito Racial
  • Colonização
  • Psicologia Social
  • Democracia Racial
This article has the objective of defining theoretical and conceptual reflexions about the issue of racism in Brazil. Starting from the work of Latin-American de-colonialists, we pinpointed, initially, that the historical matrices of racism in the country are repercussions of the European colonization and of the modern eurocentric thinking. Subsequently, we discussed the history of racism in Brazil, focusing on periods after the slavery abolition marked, specially, by the ideology of whitening, in a first moment, and by the myth of racial democracy, starting from the Vargas Era. In this topic, we brought data about the grave situation of social inequality between black and white people which persists in the country. Therefore, we aimed to attach ourselves to ethical and critical voices that claim that the violence daily faced by the majority of the population is not discredited and naturalized anymore, but explicitly revealed. Only through this, effective measures against structural racism will occur, averting this insidious specter which constantly reoccurs in Brazilian sociabilities.
    Keywords:
  • Racial Prejudice
  • Colonization
  • Social Psychology
  • Racial Democracy

1 Introdução

Este artigo é parte de um conjunto de pesquisas e reflexões que vimos realizando, nos últimos anos, dentro da perspectiva de uma Psicologia Social crítica. Temáticas sobre pobreza, violência e vulnerabilidades urbanas, mídias comunitárias, novos movimentos sociais e mobilizações coletivas no Brasil são alguns dos campos de investigação dos quais participamos, orientando-nos por um princípio ético-crítico, a partir do qual somos invariavelmente afetados(as) e interpelados(as) pelas vítimas de um sistema excludente (Dussel, 2000). No caso deste artigo, nossas reflexões dirigem-se para o problema do racismo no Brasil, que ainda se esconde sob a égide enganosa da democracia racial, persistindo em materializar-se em um cenário de paradoxal e indecorosa desigualdade entre brancos e negros.

Para o desenvolvimento do artigo realizamos, inicialmente, um resgate histórico da presença do racismo como um desdobramento da colonização europeia e do pensamento eurocêntrico na modernidade. Em seguida, nos debruçamos na história do racismo na sociedade brasileira, enfocando-o, em especial, nos períodos após a abolição da escravização. Neste tópico, trouxemos em cena, crítica e analiticamente, a situação da expressiva desigualdade social entre negros e brancos que ainda subsiste no Brasil, entendendo-a como um efeito corrosivo de uma matriz histórica racista que desgraçadamente permanece a varrer o país. Buscamos, nesse sentido, contribuir para dar visibilidade a experiências de violências discriminativas que, embora vividas pela maior parcela da população do país, são recorrentemente desqualificadas e invisibilizadas.

2 Delimitando o Lugar do Racismo

Segundo Anibal Quijano (2010), o colonialismo é o padrão mundial do poder capitalista. Ele perpetua-se mediante a injunção de um paradigma que classifica a população mundial segundo critérios étnico-raciais, a propiciar a exploração e expropriação legitimada da colônia pelo colonizador. Com a criação da América, o emergente sistema capitalista mundializa-se, diz o autor, forjando a modernidade e a colonialidade. “Em pouco tempo, com a América (latina) o capitalismo torna-se mundial, eurocentrado, e a colonialidade e modernidade instalam-se associadas como eixos constitutivos do seu específico padrão de poder, até hoje” (Quijano, 2010, p. 85). Um novo paradigma vai então se consolidando e se naturaliza em meio às experiências, valores, saberes, fazeres e dizeres a conformar uma perspectiva cognitiva e imagética que se afirma na mitológica ideia de que a Europa era desde sempre grandiosa, uma referência não apenas econômica como também estética, étnica, cultural e histórica.

Tal paradigma, diz Edgardo Lander (2005), tem íntima relação com as fissuras ontológicas construídas pelo pensamento eurocêntrico, consolidado após as grandes viagens marítimas realizadas pelos europeus. Ao aportarem em terras desconhecidas, encontrando populações cujas línguas, costumes e organizações sociais eram a eles estranhas, classificavam-nas de bárbaras ou selvagens, disseminando, então, dentro do “novo mundo” (territórios conquistados e colonizados) uma nova divisão ontológica: civilização, de um lado, e barbárie, de outro; divisão, por sua vez, responsável por facilitar e justificar ações de extrema violência contra os nativos das terras conquistadas, submetendo-os à escravização, aos estupros de mulheres indígenas e negras raptadas e escravizadas (Gonzalez, 1988), ou mesmo dizimando em massa dezenas de povos inteiramente extinguidos pelo desejo voraz de tomar e explorar suas riquezas.

Nas palavras de Lander,

A conquista ibérica do continente americano é o momento inaugural dos dois processos que articuladamente conformam a história posterior: a modernidade e a organização colonial do mundo. Com o início do colonialismo na América inicia-se não apenas a organização colonial do mundo mas – simultaneamente – a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da memória e do imaginário. (...) Tal construção tem como pressuposição básica o caráter universal da experiência europeia. Ao construir-se a noção de universalidade a partir da experiência particular (ou paroquial) da história europeia e realizar a leitura da totalidade do tempo e do espaço da experiência humana do ponto de vista dessa particularidade, institui-se uma universalidade radicalmente excludente. (2005, p. 9)

De fato, como recorda Silvio Almeida (2018), com a colonização do novo mundo e a subsequente expansão econômica mercantilista, conduzidas pelo continente europeu, foram dadas as bases materiais e filosóficas para a unidade e multiplicidade humanas da modernidade. O projeto iluminista, que lança seus fundamentos no século XVI, consolidando-se nos séculos XVIII e XIX, coloniza progressivamente o mundo com suas ideias e princípios, e configura os instrumentos “que tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação dos mais diferentes grupos humanos a partir de características físicas e culturais. Surge então a distinção filosófico-antropológica entre civilizado e selvagem” (Almeida, S., 2018, p. 20).

Tais distinções, por sua vez, caucionam que o projeto de civilização iluminista, baseado na solidariedade, liberdade e igualdade universais, não fosse estendido a todos os seres humanos, apenas aos ditos civilizados, invariavelmente brancos europeus. O colonialismo, nesse sentido, embora antagônico com relação aos princípios liberais iluministas, se justificava. Aos povos selvagens ou primitivos, e racialmente inferiores, não é possível estender os cobertores da cidadania liberal iluminista, dada sua incivilidade e incapacidade cognitiva e intelectual para tal. Como exemplo, Silvio Almeida (2018) menciona Achille Mbembe (2018), quando este se refere à revolução haitiana como a grande encruzilhada do projeto iluminista, visto que a bandeira de luta que defendiam os haitianos era a independência do seu país para que os princípios de solidariedade, igualdade e liberdade universais pudessem ser estendidos a todos os seus cidadãos.

Os mesmos franceses que aplaudiram a revolução francesa viram a revolução haitiana com desconfiança e medo, e impuseram toda a sorte de empecilhos para a ilha caribenha. É nesse contexto que a raça emerge como um conceito central para que a aparente contradição entre a universalidade da razão e do legado iluminista, o ciclo de morte e destruição do colonialismo e a escravidão possam operar simultaneamente como os fundamentos irremovíveis da sociedade contemporânea (Almeida, S., 2018, p. 22).

A classificação dos seres humanos, nessa medida, tinha como função, mais do que estar a serviço da construção do conhecimento científico e filosófico, avalizar os procedimentos de extrema violência utilizados contra os homens e mulheres dos territórios colonizados. Sobre isso, é ilustrativo o conhecido juízo que tinha Hegel sobre os negros africanos, definidos como povos sem história, bestiais, ferozes e supersticiosos (Laplantine, 2003). Juízo bastante comum, aliás, entre os pensadores europeus no período, que se fundava em uma pretensa universalidade eurocêntrica epistemicida, a desautorizar, invisibilizar e desperdiçar saberes e fazeres dos povos originários dos territórios invadidos e colonizados (Ribeiro, 2017; Miglievich-Ribeiro, 2014).

Estudioso do fenômeno da colonização, Achille Mbembe, pensador camaronense, cunha e desenvolve o conceito de necropolítica. Para tanto, ele parte da noção de biopolítica de Foucault para fomentar reflexões tendo como base o contexto da colonização africana, além de visitar também o processo de colonização das Américas. Se Foucault inova quando descortina o processo de transformação do poder na modernidade, a deslocar-se do lugar que simbolizava o poder soberano e central para imiscuir-se descentralizado nas microfísicas do cotidiano, e administrar e normatizar os corpos na gestão calculista da vida; Mbembe (2018), ao dirigir sua atenção para os processos de colonização, cujos mecanismos de poder voltam-se para a destituição do outro (nativo da colônia) de humanização possível, desvela uma natureza de poder necropolítico, ou seja, um poder que não se caracteriza pela administração da vida, pelo controle positivo dos corpos para dócil e assertivamente conduzirem-se para a alimentação das engrenagens de funcionamento otimizado do sistema. Para o autor, distintamente do que ocorreu nas terras europeias, o advento da modernidade nas regiões colonizadas foi assinalado por sociabilidades de redução do outro (nativo não europeu, ou não assemelhado étnico-racial e culturalmente) à morte, à sub-humanidade e à vida nua.

Assim sendo, distintamente do que afirmou Foucault ao apontar o nazismo como o período inicial de instauração do racismo como política de Estado no âmbito da modernidade, foi nos processos de colonização (Mbembe, 2018; Almeida, S., 2018) que esta política primeiro se organizou e materializou-se como tecnologia de poder necropolítico do Estado, cuja função foi legitimar as práticas de expropriação e exploração, baseadas em violência e sub-humanização extremas do outro racialmente diferente, do nativo das colônias. À diferença dos processos de colonização, sob o nazismo a necropolítica foi otimizada através de dispositivos burocráticos, técnicos e tecnológicos que industrializaram e tornaram asséptica a eliminação em massa do alter (Arendt, 1999), de modo a evitar o risco de contato direto do torturador e homicida com o sofrimento, a agonia, o sangue, a súplica daquele, levando-o eventualmente – o torturador homicida – tal qual Raskólnikov, personagem de Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski (2016), à culpa, efeito de reconhecimento do outro, da sua alteridade como igualmente humana. Mais contemporaneamente, a tecnologia de armas digitais e das guerras via satélite mantém o processo ainda mais otimizado de assepsia do necropoder em progressão permanente.

2.1 O Lugar do Racismo na Sociedade Brasileira

No Brasil, a apropriação do paradigma do colonialismo materializa-se, da mesma forma, junto ao racismo a orientar as relações sociais e institucionais, e dividir a população entre brancos (descendentes de europeus, logo, “raça superior”) e as outras “raças inferiores” (notadamente, negros e indígenas). Essa dicotomização racial, herança do paradigma colonialista, permanece mesmo após a abolição do sistema escravagista (com o país já independente há algumas décadas) e durante toda a primeira república (finais do século XIX e início do século XX) a objetivar-se em valores, sociabilidades e mesmo políticas – ou falta delas – na sociedade brasileira.

Sobre isso, Florestan Fernandes (2007), em estudo sobre o modo como se deu a integração do negro após a abolição da escravização, no estado de São Paulo, argumenta que aos ex-escravizados negros não foi reconhecido o débito social do Estado brasileiro para com essa população – submetida que foi, durante séculos, às mais desumanas e perversas formas de exploração e violência. Como consequência, o processo de abolição da escravização não foi acompanhado de políticas de inclusão social do negro ex-escravizado. Não foram constituídas as medidas para sua pré-socialização à nova organização social e econômica que se instituía, a qual exigia comportamentos, valores, uma subjetividade, enfim, consoantes à sociedade capitalista baseada no trabalho livre, deixando-os à própria sorte. Desorganização familiar e social, discriminações racistas, obstrução para educar-se e qualificar-se profissionalmente são algumas das brutalidades que a sociedade impôs aos negros desde então, constituindo o que Jessé Souza (2012) denomina subcidadania, alcunha metafórica com a qual o autor alude aos destituídos das condições objetivas e subjetivas, culturais e sociais para serem incluídos nas molduras da cidadania plena na sociedade capitalista ora nascente no país.

Antonio Guimarães (2009) esclarece a falta de políticas para a inserção do negro no sistema produtivo, neste período, como resultado do racismo estrutural fundamentado na doutrina científica que prevalecia no Brasil, segundo a qual as desigualdades entre as raças assentavam-se nas diferenças da constituição de natureza biológica dos seres humanos. “O negro e o mestiço brasileiros despontam como problemas da ciência”, recorda Muniz Sodré (2015, p. 97). Sobre isso, é ilustrativa a explicação de Euclides da Cunha, em sua obra Os Sertões:

A mistura das raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. (...) Foville compara-os [os mestiços], de um modo geral, aos histéricos. Mas o desequilíbrio nervoso, em tal caso, é incurável. (1995, p. 77)

Mais adiante, continua,

É que são invioláveis as leis do desenvolvimento das espécies; e se toda sutileza dos missionários tem sido impotente para afeiçoar o espírito do selvagem às mais simples concepções de um estado mental superior; se não há esforços que consigam do africano, entregue à solicitude dos melhores mestres, o aproximar-se sequer do nível intelectual médio do indo-europeu – porque todo homem é antes de tudo uma integração de esforços da raça a que pertence e o seu cérebro uma herança – como compreender-se a normalidade do tipo antropológico que aparece, de improviso, enfeixando tendências tão opostas? (1995, p. 78)

Como lembra Silvio Almeida (2018), desde a primeira república no Brasil, os projetos nacionais invariavelmente orientaram-se para a institucionalização do racismo, tornando-se parte do imaginário do país. “O Brasil”, diz o autor, “é um típico exemplo de como o racismo converte-se em tecnologia de poder e modo de internalizar as contradições” (p. 82). Lilia Schwarcz, em O Espetáculo das Raças (2009), recorda o papel fundamental que instituições científicas no país tiveram na construção e disseminação da ideologia do racismo científico. Autores como Silvio Romero, Nina Rodrigues, Von Ihering, João Batista Lacerda, Emílio Goeldi, entre outros, locados, por sua vez, em instituições como os Museus Etnográficos, Institutos Históricos e Geográficos, Faculdades de Direito e de Medicina em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Pará são ilustrativos a esse respeito.

Mas curiosamente, ressalta Schwarcz (2009), embora tivessem como referência as teorias racialistas europeias, a visão bastante pessimista com que elas concebiam a miscigenação racial, e considerando a extensa miscigenação que caracterizava a população brasileira, fez com que tais teorias fossem aqui acomodadas – e porque não dizer, recriadas – de modo bastante criativo e singular mediante um projeto de miscigenação induzida, isto é, que tivesse como meta o embranquecimento da população.

Como resultado, ideologias de embranquecimento disseminaram-se na sociedade brasileira como solução futura para alcançar o estágio civilizatório dos países da Europa central, tido como ideal de desenvolvimento em todos os sentidos. Se a população que aqui predominava, majoritariamente indígena, preta e mestiça, era dada como decadente e inferior, e a referência de superioridade assentava-se no homem branco caucasiano, a opção pela teoria do embranquecimento mostrava-se como uma solução factível. Com políticas de incentivo para imigração europeia em massa no país após abolida a escravização, associadas à obstrução da entrada de novas levas de negros africanos – além, é claro, de um crescente encerramento dos indígenas em áreas cada vez menores, somado aos assassinatos constantes para apropriação de suas terras, levando à drástica redução, ou mesmo eliminação, da população de diversas etnias –, a tendência era que no decorrer dos anos o “problema das raças decadentes se solucionaria”, pois o sangue branco tenderia a diluir o “decadente”, tornando assim possível que os mestiços, mais embranquecidos, se elevassem ao estágio de “civilização” (Carone e Bento, 2002; Guimarães, 2009; Schwarcz e Starling, 2015). “Como ideologia”, assevera Sodré, a ideia do embranquecimento “alimentou os dogmas da superioridade racial, do determinismo climático, da geopolítica e da filosofia eugenista” (2015, p. 100) a refletir o preconceito contra a população negra, responsável, por seu turno, pelo transcurso do racismo de dominação – característico do período escravocrata – para o racismo de exclusão – que se inicia após a abolição da escravização (Deus, 2008).

Para Jessé Souza, a base constitutiva da sociedade brasileira se enraíza no regime de escravização, cujas sociabilidades fundamentam-se na família patriarcal. “O chefe de família e senhor de terras e escravos”, diz o autor, “era autoridade absoluta nos seus domínios, obrigando até ‘El Rei’ a compromissos, dispondo de altar dentro de casa e exército particular nos seus territórios” (Souza, 2017, p. 42). A ausência de instituições intermediárias de regulação do poder absoluto dos patriarcas das famílias de posse caracterizava o sistema escravagista do Brasil colônia, cujas sociabilidades, segundo Souza (2017), subsistem mesmo depois da abolição da escravização.

Delineia-se, deste modo, a situação prototípica da constituição da exclusão social brasileira, ou seja, o processo histórico pelo qual o país confere e naturaliza um lugar social, político e econômico desqualificado a uma vasta gama de pessoas, ao mesmo tempo em que qualifica e afiança uma reduzida parcela da população como “hiper cidadã”, ressoando e (re)vivificando tempo-espacialmente o patriarcalismo racista do Brasil do regime de escravização (Souza, 2017).

2.2 A Nova República e o Mito da Democracia Racial no Brasil

Na entrada da década de 1940, com o fim da Segunda Grande Guerra e a derrota do Nazismo, as teorias raciais eugênicas, defensoras da tese da superioridade da raça branca sobre as não brancas, entram em rota de desvalorização acelerada no país. Em seu lugar, autores como Gilberto Freyre (1992), Sergio Buarque de Holanda (2006) e todo um agrupamento de autores da antropologia social contribuíram para a criação e sedimentação da ideia da democracia racial. Diante disso, o Brasil passa a se auto apresentar e apresentar-se ao mundo como um país formado por uma população miscigenada e racialmente integralizada. Uma nação que se anuncia como exemplo de convivência entre todos os seus habitantes, uma verdadeira democracia racial.

Convergindo com tais ideias, a segunda República, com o presidente Getúlio Vargas a frente, se lança em uma política de constituição da identidade nacional, tendo como parâmetro a tese de um povo miscigenado e racialmente democrático. Dessa maneira, embrenha-se pelo país de norte a sul (Schwarcz e Starling, 2015) a confluir com o discurso protagonizado por artistas modernistas de enaltecimento da cultura popular – fundamentalmente mestiça – com presença crescente na literatura, na música, na pintura mesmo nos meios eruditos e elitizados dos grandes teatros, museus e livrarias, como pode-se notar nas obras de Heitor Villa Lobos, de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, de Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, entre muitos outros. Como assevera Guimarães, “a ideia de democracia racial, tal como reinterpretada pela antropologia de Freyre, pode ser considerada como um mito fundador de uma nova nacionalidade” (2009, p. 54).

Para Florestan Fernandes (2007), contudo, o mito da democracia racial esconde a presença acentuada do racismo que ainda se mantem na sociabilidade brasileira. Se, de fato, ele supera a noção do racismo vinculado à dimensão biológica – eugenista, portanto –, uma vez que nos assumimos como um povo mestiço, são as pessoas de tonalidade mais escura e os elementos estéticos e culturais que a acompanham, que permanecem a sofrer mais vigorosamente as contenções objetivas de acesso à cidadania, afigurando os atributos significativos de uma subclasse de brasileiros assinalada pelo lugar da subalternidade. Como ressalta Lélia Gonzalez, referindo-se ao que chama de “racismo à brasileira”: “Você tem uma gama enorme de classificação, e nada mais que um estilhaçamento da identidade de etnia subordinada. Isto é, você estabelece um continuum de cor e quanto ‘mais clarinho’ você for, mais próximo está do poder” (Gonzalez, 1988, p. 373).

Inspirada em teorias psicanalíticas, a autora ainda lança mão do conceito de racismo por denegação, que se refere ao fenômeno que se afirma sendo negado, ou seja, ao fenômeno que se oculta tingindo-se de integração e democracia racial; e denuncia:

É na chamada América Latina (muito mais ameríndio-amefricana do que outra coisa) que essa denegação se torna amplamente verificável. Como sistema de dominação muito bem estruturado, o racismo demonstra sua eficácia ao veicular noções como as de integração, democracia racial, mestiçagem etc. (Gonzalez, 2018, p. 336).

A denegação ocorre então, defende a autora, porque o racismo tem base estrutural. Tese, por sua vez, consonante com Silvio Almeida, quando diz:

O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. (...) Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição (2018, p. 38).

Compreender a tradição e as estruturas sociais que materializam o racismo, nos transporta para o conceito de epidermização de Frantz Fanon (2008). Para este autor, a epidermização é um processo aniquilador, a incutir na vítima do racismo, ao longo de seu percurso de subjetivação, toda a inferioridade social e intersubjetivamente produzida, desenhando esquemas corporais e cognitivos a partir dos quais são delineados sentidos e afetos que naturalizam tal inferioridade. Assim, o negro em oposição ao branco objetivam-se, no dia a dia das relações sociais, como diferenças e desigualdades que se naturalizam hierarquicamente, podendo levar a uma despersonalização individual, “o chamado embranquecimento estético-cultural” (Lippold, 2016).

A confecção da epidermização, nesse caso, se faz conjuntamente à composição de um imaginário racista que, alerta Sodré, “aloja-se em novas modalidades institucionais” (2015, p. 278). Ela é categoria importante para se entender muito das representações negativas do sujeito negro, que podem ser hoje reproduzidas pelo discurso das mídias, “sem distância crítica do tecido da civilização tecnoeconômica, onde se acha incrustada a discriminação em todos os seus níveis” (Sodré, 2015, p. 278), a materializar-se nos mais diversos rincões das sociabilidades ordinárias. Com efeito, se a chamada psicopatologia do racismo (Fanon, 2008) incide direta e evidentemente nas pessoas negras, vítimas do racismo estrutural, nas pessoas brancas manifesta-se no que Fanon (2008) denominou de negrofobia, um medo irracional, mórbido e violento por gente de pele negra, a configurar cotidianos marcados por sociabilidades racistas.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados no jornal Folha de S. Paulo, em 25/05/2017, mostram que 76% das pessoas negras no Brasil se encontram entre os 10% mais pobres da população do país, embora perfaçam 53,6% desta mesma população. Informam ainda que, com a chegada da crise econômica no país, a renda recebida por brancos na totalidade dos trabalhos formais teve variação média positiva de 0,8%, entre 2015 e o primeiro trimestre de 2017; entre os pardos caiu em média 2,8%, e entre os pretos, foi reduzida em 1,6% (Perrin, 2017, p. A25). Em pesquisa publicada também no jornal Folha de S. Paulo, de 24/02/2018, divulgada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE, a taxa de desemprego entre os pretos no fim de 2017 foi de 14,5%; entre os pardos, de 13,6% e entre os brancos, de 9,5%.

Recortando os rendimentos, a média salarial entre os negros é 57% a dos brancos. Mesmo no âmbito da escolaridade de nível superior, a diferença salarial entre negros e brancos permanece expressiva. Negros recebem em média 65% da renda dos brancos (Lima, 2018, p. A17).

Se o recorte for a diferença no tocante à exposição à violência, o Atlas de Violência (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), revela que, em 2017, no Brasil, a taxa de homicídios entre jovens negros (de 40,2 por cem mil) era 2,5 vezes maior que a de não negros (de 16 por cem mil), afigurando um obsceno cenário no qual jovens negros têm 2,71 vezes mais probabilidades de serem assassinados do que jovens não negros. E entre as jovens negras, as probabilidades de serem assassinadas é 2,19 vezes maior do que entre jovens não negras. O Geledés Instituto da Mulher Negra (2017) ainda complementa essas informações com a denúncia de que entre 2006 e 2016 o número de vítimas de feminicídio entre as mulheres brancas caiu 2,1%, e entre as mulheres negras aumentou 35%.

Destes dados depreende-se que a população negra está no topo da lista de agressões, opressões e violências dos mais diversos tipos no país, ordinariamente vividas como discriminações desqualificadoras em variados cotidianos. Com efeito, em estudo realizado nos anos 1990 sobre o preconceito racial, Antonio Guimarães (2004) descreve algumas das principais situações de experiência de racismo vividas por negras e negros no país. A primeira destas situações descrita é a discriminação em prédios residenciais. Geralmente esse tipo de discriminação ocorre com trabalhadoras domésticas, proibidas de utilizar os elevadores sociais do edifício. Também ocorre com visitantes ou mesmo moradores recentes ainda desconhecidos das portarias, confundidos com serviçais em função da cor da pele. Embora existam leis que proíbem e criminalizam práticas de discriminação deste tipo, elas permanecem a suceder nos cotidianos de boa parte dos condomínios residenciais do país.

Outra forma de discriminação relatada no estudo é o tratamento dispensado por policiais – com humilhações e prisões aleatórias, quando não o assassinato. As alegações dos policiais para tais ações remetem, invariavelmente, à “aparência e postura suspeitas” das vítimas. Situações de tratamento humilhante contra pessoas negras também são relatadas em restaurantes, hotéis, clubes sociais, estabelecimentos comerciais, entre outros, geralmente voltados para frequentadores mais abastados. Relatos de reprovação em processos de seleção para empregos, ou para ascensão profissional devido à cor da pele tampouco são incomuns.

Embora o estudo de Guimarães tenha sido realizado há mais de vinte anos, não é exagero assegurar que situações como estas e tantas outras permanecem a se repetir no Brasil: do olhar de suspeita de policiais e seguranças privados, ao olhar amedrontado de mulheres brancas ao cruzar com um homem negro à noite na rua; das piadas e apelidos que desqualificam os negros, aos elogios eróticos e libidinosos dirigidos às mulheres e homens negros, a tipificá-los como objetos sexuais; dos olhares de estranheza quando negros penetram lugares de elite, como restaurantes e bares sofisticados, à naturalidade com que se os mira invariavelmente a habitar os territórios mais precários e periféricos das cidades; dos desiguais índices de morte violenta entre brancos e negros – como descritos nos dados acima –, aos igualmente desiguais índices de escolaridade entre eles, parcialmente compensados pelas políticas de ação afirmativa, como as cotas raciais, apesar de contestadas por não poucas vozes conservadoras no país; da reduzida presença nos elementos simbólicos das mídias como, por exemplo, as novelas televisivas, à igualmente reduzida presença nos cargos de gestão hierarquicamente superiores nas organizações empresariais. Elementos, entre outros, que demonstram que Florestan Fernandes (2007), Florestan Fernandes e Roger Bastide (2008) e Carlos Hasenbalg (2005) estavam corretos quando afirmavam que as desigualdades sociais extremas no país têm seu componente explicativo na cor de pele, visto que adquire, em boa parte dos espaços da vida social brasileira, um significado estigmatizante.

Como observa Guimarães, “não há nada espontaneamente visível na cor da pele, no formato do nariz, na espessura dos lábios ou dos cabelos, ou mais fácil de ser discriminado nesses traços do que em outros, como o tamanho dos pés, a altura, a cor dos olhos ou a largura dos ombros” (2009, p. 47). Esses traços só adquirem sentido com a inscrição de formações discursivas que criam fatos, realidades, dizeres e saberes, concebendo-os como marcas classificatórias que justificam e legitimam o lugar majoritariamente precário de negras e negros no cenário social do país, as quais afiguram, no conjunto, o que Mbembe designa como razão negra, “um trabalho cotidiano que consistiu em inventar, contar, repetir e promover a variação de fórmulas, textos e rituais com o intuito de fazer surgir o negro enquanto sujeito racial e exterioridade selvagem, possível de desqualificação moral e de instrumentalização prática” (2018, p. 61). Ou Frantz Fanon quando, ao citar o poeta martiniano Aimé Césaire, declara: “Falo de milhões de homens em quem deliberadamente inculcam o medo, o complexo de inferioridade, o tremor, a prostração, o desespero, o servilismo” (2008, p. 33).

3 Considerações Finais

Posicionar-se criticamente com relação à temática da naturalização da desigualdade e da banalização da opressão e da violência, é algo que a Psicologia Social que defendemos – e suas interfaces a promover uma ecologia de saberes e fazeres (Santos, 2010) – não pode furtar-se, e não apenas por motivos acadêmicos, morais ou assistenciais, mas fundamentalmente por um princípio ético-crítico. Seu sentido de existência deve ser o de debruçar-se sobre a interface dos modelos societários, seus artefatos e dispositivos de dominação, e as subjetividades humanas, problematizando-os sempre, de modo a desconstruir discursos e ideologias que legitimam o pensamento colonizador, as exclusões epistêmicas e ontológicas, as relações de opressão e justificam as desigualdades sociais (Dussel, 2000; Gonzalez, 1988; Ribeiro, 2017).

Diante disso, problematizar e denunciar o racismo legitimado a partir de discursos que ora visam a justificá-lo, ora o colocam como secundário em relação a outras questões consideradas mais urgentes para a população brasileira mediante o argumento falacioso da democracia racial (Fernandes, 2007; Gonzalez, 1988; Deus, 2008), é de crucial importância. Para tanto, neste artigo, buscamos traçar uma revisão histórica e crítica da materialização, reprodução e reorientação do racismo na sociedade brasileira, até os dias presentes, de modo a nos somar com as vozes que reivindicam que a violência desta experiência ordinariamente vivida por vasta parcela da população do país seja explicitamente revelada, e suas vítimas não mais sejam desqualificadas e invisibilizadas. Entendemos que, apenas desta maneira, medidas efetivas contra o racismo estrutural poderão se realizar nos cotidianos das sociabilidades brasileiras. Recordamos Marcus Vinícius Almeida (2018), em ensaio sobre a “Lógica do Espectro”, ao referir-se ao canto 11, da Odisseia de Homero, quando Ulisses penetra a mansão de Hades, o mundo dos mortos, e surge para ele o espírito de Elpenor, abandonado insepulto no palácio de Circe, que lhe pede para não partir deixando-o para trás sem lamento e insepulto. Elpenor, para Almeida, é o protótipo do espectro do qual fala. Insepulto, não tem lugar entre os mortos, e retorna, repete-se, a reclamar e reivindicar os rituais de seu sepultamento, revelando a falácia de um presente pacificado a progredir em direção a um futuro sem entraves e impedimentos. O espectro do racismo no Brasil precisa ser sepultado; para tanto, é crucial desconstruir a falácia do mito da democracia racial!

4 Referências

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