Contribuições para uma política de escritura em saúde: o diário cartográfico como ferramenta de pesquisa

Contributions to a health writing policy: the cartographic diary as a research tool

  • Helvo Slomp Junior
  • Emerson Elias Merhy
  • Monica Moreira Rocha
  • Rossana Staevie Baduy
  • Clarissa Terenzi Seixas
  • Maira Sayuri Sakay Bortoletto
  • Kathleen Tereza da Cruz
O presente ensaio é uma reflexão a partir de algumas experiências de pesquisa em saúde com abordagem cartográfica e registros em diário de campo. Mais do que um mero instrumento de registro, o diário cartográfico é um material empírico multimeios, multilínguas, multivozes e, especialmente, multitempos, narrativa coletiva das afetabilidades, ferramenta singular-coletiva produzida no encontro. Registrar uma pesquisa cartográfica é adentrar uma dimensão temporal, um agir intuitivo que atualiza o passado porque é escrita “de dentro” dos encontros, e inclui as vozes dos sujeitos. Na cartografia a presença do narrador no texto não é viés, mas condição, havendo diferentes modos de entrada, de coautoria narrativa ou vistas dos pontos de vista. Utiliza-se de qualquer variação de qualquer dos três modos discursivos principais para se citar o outro: o discurso direto, o indireto ou o indireto livre, mas especialmente este último, porque possibilita uma máxima interferência de discurso.
    Palavras chave:
  • Pesquisa Qualitativa
  • Pesquisa Interdisciplinar
  • Pesquisa Participativa Baseada na Comunidade
  • Cartografia
  • Pesquisa Social
This essay is a reflection from some health research experiences with a cartographic approach and field diary records. More than a mere recording instrument, the cartographic diary is an empirical multi-media, multi-lingual, multi-voice and, especially, multi-time, collective narrative of affectivity, a singular and collective tool produced at the meeting. To register a cartographic research is to enter a temporal dimension, an intuitive action that updates the past because it is written “from within” the meetings, and includes the subjects’ voices. In cartography, the presence of the narrator in the text is not a bias, but a condition, with different modes of entry, narrative co-authorship or views from the points of view. Any variation of any of the three main discursive modes is used to cite the other: direct speech, indirect or free indirect, but especially the latter, because it allows maximum speech interference.
    Keywords:
  • Qualitative Research
  • Interdisciplinary Research
  • Community-Based Participatory Research
  • Cartography
  • Social research

1 Introdução

O desenvolvimento de pesquisas qualitativas sobre o cuidado em saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, tem colocado alguns desafios, sendo objeto desta reflexão especificamente os modos segundo os quais foram realizadas algumas das investigações dos autores deste artigo. Procurou-se dar visibilidade ao que se produz de vida nos encontros entre os usuários dos serviços e os profissionais que ali atuam, trazendo-se para a cena de pesquisa as tensões entre a produção de uma certa normalização da vida do outro, inscrita em muitas das ofertas assistenciais e práticas profissionais, e o governo de si operado pelos usuários quando da fabricação de suas redes de existência. Para tanto utilizou-se estratégias cartográficas visando a produção dos registros empíricos do trabalho de campo de cada investigação, o que a princípio parecia relacionar-se ao formato “diário de campo” (DC). No decorrer das pesquisas, a produção de memória registrada nos DC mostrou-se fonte fundamental para a realização das análises processuais dos achados empíricos, mas percebeu-se que, independentemente das peculiaridades de cada situação de pesquisa, não se tratava de um DC “convencional”, mas sim que havia nisto de registrar os percursos cartográficos processos bastante peculiares de constituição de planos discursivos. Mais adiante ficará mais claro porque “o” DC de nossas pesquisas vamos chamá-lo assim, no singular, mesmo que seja escrito o tempo todo e em vários meios, sem relação linear temporal como vetor de causalidade nem sequenciação dos acontecimentos segundo uma cronologia. Portanto, este texto se propõe a problematizar e compartilhar o modo como os autores deste artigo compuseram o DC em algumas das pesquisas cartográficas por nós realizadas, a fim de pôr em debate esta experiência, bem como apoiar outros pesquisadores em seus futuros campos de investigação.

Veremos adiante que o ato de pesquisar cartograficamente leva a movimentos por vários “mundos”, ou pelas conexões entre eles, ou ainda a inventar mundos de cuidado em saúde a cada momento em que se produz um novo campo de pesquisa, até porque essa metodologia não coleta dados mas os produz em ato. Portanto, e ficará mais claro isto logo adiante, o (a) cartógrafo (a), e doravante usaremos esta expressão no masculino apenas para simplificar a comunicação, mas sem nenhuma restrição de gênero, encontra mundos que já parecem dados, e outros que estão por emergir por efeito da pesquisa, e entra e sai deles privilegiando o “entre” eles como espaço de investigação e interferência. Em suma, é levado a implicar-se com os mundos que aí estão, mas que também estão em si pois também o constituem, e urge perguntar como e por onde acessá-los em si, e a partir daí ver/sentir/registrar relações, afetos circulantes e processos de subjetivação, fontes de “materialidade” para a pesquisa cartográfica, que não opera no binômio interioridade do pesquisador / exterioridade do campo: é uma pesquisa do entre, do “fora”.

Seja como for, entendemos que esta problemática coloca à área da Saúde Coletiva (SC) desafios os mais variados, a depender de quem pesquisa o quê e como, mas isso só traria uma tensão a mais para dentro deste campo, já que não é de hoje que há inter-relações dessa área com várias outras disciplinas no sentido de se inventar novas estratégias e táticas para o pesquisar (Minayo, 2006). Retomando o DC, uma das primeiras sistematizações sobre seu uso, hoje instrumento muito utilizado em certos desenhos de pesquisa na SC (Carvalho y Azevedo, 2009; Galvanese et al., 2016), sabe-se que se trata de uma herança da pesquisa etnográfica. De todas as muitas contribuições que a Antropologia já aportou para a pesquisa em saúde, talvez aquelas relacionadas às estratégias e táticas metodológicas no pesquisar as realidades da saúde, coletivas e societárias por natureza, sejam as mais difundidas entre nós. Maria C. de S. Minayo (2006), por exemplo, apostando na ideia de que há múltiplas racionalidades no mundo social que, para serem compreendidas naquilo que têm de significativas, requerem a operação de uma certa reciprocidade intersubjetiva, nos oferece uma síntese dessas contribuições. Entre elas temos o DC, que teria sido “inventado” por B. K. Malinowski quando do trabalho em uma metodologia denominada por ele “observação participante” (OP). Portanto, a SC é um campo no qual as metodologias qualitativas de investigação tem sido, mais e mais, indispensáveis para uma compreensão significativa da realidade em saúde, e entre elas vários referenciais tem feito uso do DC adaptado a estes outros contextos, mas que trazem em sua constituição algo do projeto de Malinowski.

A propósito deste autor, René Lourau (2004) analisa a publicação da obra “Diário de etnógrafo (1914-1918)”, uma obra que, quando enviada para publicação como livro finalizado, não existiria se não fosse o DC do qual foram extraídos os materiais brutos que possibilitaram as reflexões ali presentes. Para René Lourau (2004) esta obra final é um “texto institucional”, ou seja, parte da produção científica ou acadêmica oficial de cada pesquisador que corresponderia aos nossos artigos, capítulos de livros, entre outros. Já o DC de que se valia Malinowski seria um “extratexto” que poderia nunca vir a público. Não foi o caso deste DC de Malinowski, especificamente, que foi sim publicado, mas bem depois do que a obra elaborada a partir deles. René Lourau (2004) faz uma interessante comparação entre o DC do antropólogo, que trazia relatos cotidianos da imersão do pesquisador no campo, e o “Diário de etnógrafo”, produção acadêmica que irá apresentar a OP como um projeto teórico considerado “funcionalista” pelo autor francês, e no contexto do qual o DC reduziu-se a um “meio descritivo” (Lourau, 2004), um mero instrumento de pesquisa, diríamos. No entanto René Lourau (2004) atribui um papel muito mais relevante para o DC, pois o conteúdo dos principais DC do fundador da OP, que foram revelados ao público décadas depois de seus produtos literários, não somente trazia os dados coletados pelo etnógrafo que teriam alimentado sua produção oficial, mas desafiava a “ciência positiva” ao colocar em xeque sua propalada “objetividade”, rompendo com um recomendado “distanciamento” científico, tanto pela familiaridade radical entre o etnógrafo e campo de estudo, como pela autoanálise que implica esse modo de exercício de escrita, além das qualidades literárias que ele possibilita. Este debate nos interessa aqui justamente porque, embora ainda não se fale em cartografia, o DC parece que desde sua origem já não se restringia a um registro sistemático de fatos objetivos. Assim, pode-se importá-lo para a SC de vários modos, e na cartografia temos feito isso na radicalidade de sua liberdade de escritura.

De fato, para os autores deste ensaio, o DC é mais que o registro da descrição do observável, mas uma narrativa da relação entre pesquisador-mundo pesquisado que opera uma interferência nos instituídos que organizam este mundo, interferência que por outro lado produz a exterioridade no corpo dos próprios cartógrafos, por vezes deslocando-os de seus próprio território. É o exercício dessa escritura que narra as afecções no encontro entre o que se dá a observar e o observador, problematizando-se a própria produção do olhar, que interessa às cartografias que temos desenvolvido. Surpreender o aparelho instituído que preside o que se vê, se sente, se pensa, se diz e se escreve, operando na micropolitica dos encontros, é o que interessa registrar em nossos DC. Tal exploração se faz em dobras recursivas do efeito do outro em nós. Deste modo, as argumentações de Lourau, a partir da interlocução com a etnografia nos parece pertinente e frutífera, mas até o momento de nos permitir assumir que usamos o DC não como um mero instrumento, e que cada um desses vários “textos” do mesmo processo investigativo interfere com os demais, produzindo-se uma “intertextualidade” complexa, pois podemos concordar quando o autor afirma que o corpo do etnógrafo é seu aparelho de registro por excelência” (Lourau, 2004, p. 275), desde que possamos ler “etnógrafo” por “pesquisador” em geral e cartógrafo em especial, e que o DC seja um prolongamento deste “corpo” em um percurso cartográfico. Porém marcamos já uma diferença, entendendo-se corpo como a capacidade de se deixar afetar. Deste ponto em diante chegamos mais perto do DC tal como foi operado em algumas de nossas abordagens cartográficas, que entendemos como uma entrada nos mundos da saúde muito mais como encontros de corpos do que sob mediação de um aparelho cognitivo, constituindo um esforço de apreensão de fluxos de registros com múltiplos tempos, entradas e vozes, de modo rizomático (Deleuze, & Guattari, 1995/2000), produzindo-se mesmo o campo de pesquisa (Kastrup, 2007) em ato, e fazendo com que o DC seja tecido o tempo todo durante a pesquisa, desde antes do “campo” propriamente dito até depois dele, quando então são escritos os textos analíticos subsequentes.

Como dissemos no início, temos experienciado o uso do DC em algumas pesquisas com abordagem cartográfica na saúde (Baduy, 2010; Bertussi, 2010; Cruz et al., 2016; Feuerwerker e Merhy, 2008; Gomes e Merhy, 2014; Merhy et al., 2017; Slomp Junior et al., 2015) e, nessa proposta metodológica (Benet et al., 2016; Pozzana, 2013; Rolnik, 2007) o esforço tem sido no sentido de acessar o plano relacional da micropolítica do trabalho vivo em ato na saúde, de tal modo que o corpo do (a) pesquisador (a) afeta e deixa-se afetar pelo campo de pesquisa, em uma interferência dobrada (Slomp Junior et al., 2019), porque a produção intensiva de encontros e afecções flui livremente entre pesquisador e campo, processo que se constitui no próprio campo da pesquisa ou a principal “parte” do mesmo nesse modo de abordagem, aquela parte na qual o cartógrafo mais se esforça em “mergulhar”, como veremos adiante. Trata-se, portanto, de refletir sobre o uso do DC em pesquisas que têm no encontro seu próprio “método”, se é que podemos simplificar assim, encontro que é intercessor porque produz em ato um “espaço” de múltipla interferência, um “entre” que acontece onde/quando há mútua produção, justamente porque o trabalho em saúde é vivo e o cuidado é um acontecimento1 (Merhy, 2004, 2010). Além disso, algumas das pesquisas que temos experimentado, por não abrirem mão de um certo projeto ético-estético-político em suas interferências no campo, são também um esforço para dar vozes e palavras a outras existências e outros saberes, que sem um tal exercício talvez não vingassem (Pelbart, 2013/2016), ou seja, um esforço constante para que todos os sujeitos com que nos deparamos nos encontros dos campos de estudo sejam de algum modo também pesquisadores, quer sejam trabalhadores da gestão ou da atenção à saúde, ou, principalmente, usuários.

O presente ensaio nasce, portanto, da necessidade de melhor compreendermos esses aspectos de nossa própria experiência recente, visando compartilhar um pouco do que haveria de invenção nesse processo para que possamos repensar nossa caixa de ferramentas de pesquisadores (as) cartógrafos (as). Agora já podemos formular algumas das questões que motivaram esta reflexão, entre outras: Como temos registrado essas experiências em nossos DC? O que nos parece diferente, com relação ao DC, quando investigamos tais planos da realidade de modo cartográfico? Quais as características da escritura que temos produzido como diário cartográfico?

2 Que tensões a cartografia nos tem colocado quando do uso do diário?

Tomamos como uma das premissas deste texto que o “mundo” da saúde é, em um primeiro momento, um “aparelho” que o pesquisador encontra como uma realidade constituída por vários elementos: quantitativo de profissionais, organograma formal, prédios e recursos materiais, diretrizes e normas previamente instituídas, quantitativos das produções de procedimentos técnicos, entre outros (Feuerwerker e Merhy, 2016), até aqui todo um “instituído”, um aparelho “macropolítico” que entretanto é habitado por outra dimensão, um conjunto de relações e afetações, todo um “plano de imanência” repleto de territórios existenciais no qual acontecem um conjunto de relações entre elementos heterogêneos: as processualidades para a produção do cuidado. Assim, o mundo concreto, formal, visível, é, de modo muito competente e necessário, apreensível a partir de recursos tributários do modelo vigente de cientificidade, ao passo que o mundo das múltiplas existências e relações demanda uma maior diversificação de estratégias investigativas, no nosso caso advindas da cartografia.

Se o campo de uma pesquisa cartográfica não está ali no plano do concreto, do visível, do instituído, ainda assim, como pesquisador, o cartógrafo, a depender de cada pesquisa, deve lançar mão de instrumentos clássicos de “coletas de dados,” como por exemplo entrevistas individuais ou coletivas (gravadas ou não), aplicação de questionários, acesso a sistemas de informação, pesquisa documental etc., ou seja, tudo aquilo que podemos apreender com nosso equipamento cognitivo nessa multiplicidade de fontes que certos mundos comportam. No entanto, mesmo com este arsenal já conhecido, emergem planos da realidade que a sensibilidade cartográfica já percebe “não se encaixar” em modelos pré-estabelecidos de pensamento, e eis que surge um primeiro desafio, que é definir o que seria o “objeto” de estudo de uma tal pesquisa: ao nosso ver este “objeto” seria, centralmente, o conjunto de relações carregadas de projetos desejantes, tensões e disputas (Merhy, 2015a). O cartógrafo mergulha então nessa realidade, buscando vazar para os mundos que cada outro que encontra fabrica para si, “sujando-se neste outro mundo que agora passa também seu, se “in-mundiciza” dele de vários modos, portanto, como escreveram Maria P. C. Gomes e Emerson E. Merhy (2014). Desta forma, nosso objetivo não tem sido descrever o setor saúde como sendo um único mundo, mas uma composição heterogênea de “outros-mundos”, isso sem contar com a permanente instauração de novos modos de existências que não estão dados, mas que estão para serem inventados, que Peter P. Pelbart (2013/2016) chamariam “mundos-outros” e que pululam na vida e também no cuidado em saúde.

E eis uma diferença importante, nos parece, entre as abordagens etnográfica e cartográfica, e que vai reforçar o pedido de diferentes diários de pesquisa: para o (a) cartógrafo (a) o “mundo” é constituído por múltiplos planos de produção de ações, de vida, e logo de saúde, sendo que alguns deles requerem caminhares e sensibilidades diferentes, como também diferentes políticas de escrita (Barros & Kastrup, 2009) para o registro desses caminhares. Se alguns referenciais utilizados pela SC estariam bastante atentos, diríamos, ao plano de organização das coisas na realidade, aos sujeitos tal como se vêem e se colocam, às formas e regularidades aparentemente estáticas que nos tomam o olhar e o ouvir, a valores, normas e costumes instituídos e assim verbalizados, aos dispositivos de poder tal como podemos registrá-los, entre outros tantos elementos, plano macropolítico fundamental de ser conhecido em uma pesquisa na saúde, a cartografia, sem desconsiderar este plano da realidade que acabamos de lembrar, mergulha em seu campo ávida por também aprender elementos daquele outro plano, o de imanência ou de consistência (Deleuze & Guattari, 1980/1996), onde afetos e intensidades fluem, onde tudo o que é anterior ao sujeito, mas que já pede passagem, ganha visibilidade e dizibilidade, nas palavras de Foucault, se não somente forem descentralizadas a objetividade e a neutralidade do pesquisador (Paulon & Romagnoli, 2010), mas se a própria entrada em campo acontecer de outro modo, incluindo-se aí o registro escrito desta experiência.

Outras ferramentas de pesquisa agora são necessárias, aquelas que ativem sensibilidades para o plano relacional, e multiplicam-se fragmentos de anotações de pesquisa. Mas até aí a investigação ainda está justamente nesta etapa de “coleta de dados”, se quisermos ser mais fiéis ao jargão de pesquisa? Não, se pensarmos em uma “produção de dados” (Barros & Kastrup, 2009) ou de material empírico, ao invés de “coleta de dados”, pois na cartografia é preciso sair em busca dos processos de subjetivação em andamento, em seus movimentos permanentes e sempre diferentes, suas modulações, colocando-se por dentro dos acontecimentos em uma coprodução experiência x conhecimento que não é imutável, protocolizável, padronizável (Barros & Kastrup, 2009), assim como não o são as experiências que nos esperam por acontecer no campo, ali na micropolítica dos encontros. E como temos registrado tais percursos em nossos DC? Eis que isso é perseguido o tempo todo, durante cada pesquisa:

Em uma pesquisa numa ocupação urbana realizamos momentos que chamávamos de ‘encontros de processamentos’. Nesses espaços falávamos de cenas vividas e agenciamentos gerados nos diferentes encontros que íamos realizando ali na ocupação. Encontros esses que ora eram com as pessoas, com o espaço, com os animais, com as imagens, com nossos sentimentos, enfim, falávamos das marcas geradas ou reativadas em nós a cada encontro. Em determinado momento começamos a construir narrativas sobre essa vivência. Nossa! Como foi difícil escrever sobre o que vivenciamos. Na oralidade produzimos uma narrativa solta na qual os afetos ganhavam “dizibilidade”, sem sistemática, apenas fluía. Quando começamos a construir textos, que chamávamos de várias maneiras (diário de campo, diário cartográfico, registro das vivências, narrativas do vivido), na construção simbólica do que iríamos fazer, deu-se a dificuldade e muitos travavam. Foi um exercício de desprendimento das formas arraigadas em nós de construção textual, que percebemos que ia por um caminho de escrita descritiva, detalhada e distante. Como conseguir se lançar a uma nova forma de escrever que se aproximasse da potente narrativa que construímos nos processamentos? (fragmento de diário de campo de um pesquisador). (Reginaldo Moreira, fragmento de diário de campo cartográfico, agosto de 2016)

Os pesquisadores (as) aos quais se refere o DC acima, ao escreverem sobre o que os marcava na experimentação no campo de pesquisa, sentiam cada vez maior seu desejo de falar sobre o vivido em narrativas que comunicassem a experiência, no entanto as etapas mais estruturadas de escritura ainda estavam por vir. Ocorre que, se em nossos campos de pesquisa nós estamos em um campo de interferência, ou seja, um campo que implica uma dobra do outro no pesquisador e vice versa, enquanto acontecimento, na medida que o outro também é pesquisador, as narrativas de qualquer um não são puramente deste ou daquele, mas uma narrativa coletiva das afetabilidades (Pozzana, 2013). Ou seja, o DC cartográfico tem sido para nós um registro dessas afetabilidades, e por isso, mais do que um processo individual-singular, ele se conforma em uma ferramenta coletivo-singular no encontro:

Eis que um agenciamento fez a escrita destravar, uma provocação de assumirmos uma escrita a partir de uma perspectiva diferente. Perspectiva de nossos atravessamentos. Como assim? Em um momento ocorreu a pergunta: Por quê, mesmo com tantas dificuldades e coisas duras que vivemos juntos com os ocupantes, queremos tanto voltar a estar com eles? Que sentimento é esse? Que necessidade é essa? Que papel assumimos quando estamos lá? Prá que lugar vamos quando estamos nos encontros na ocupação? E bumm!! Essa provocação de pensar sobre as afecções em nós disparadas dos encontros na ocupação teve sentido. E cada um ao refletir sobre essas afecções conseguiu destravar a escrita que assumiram formas muito distintas de narrar o vivido (fragmento de diário de campo de um pesquisador). (Reginaldo Moreira, fragmento de diário de campo cartográfico, agosto de 2016)

Não é difícil supor que a experiência acima produziu vários e diferentes escritos. E é aí que entra em cena uma certa conformação aparentemente necessária para um tal DC, pois o registro de tudo isso, em uma investigação que a cada encontro no campo apresenta novas surpresas, pode ou não ser um “caderno” específico, um arquivo no computador ou qualquer outra mídia. A depender de como cada caminhar cartográfico vai sendo desenhado, seguindo-se os respectivos fluxos e temporalidades que se apresentam em uma experiência que ora acontece de um jeito ora de outro, pode ser que a escritura de uma mesma pesquisa seja composta por vários documentos ao mesmo tempo, por exemplo: uma caderneta com anotações sucintas feitas durante encontros em um serviço de saúde + observações sobre entrevistas + observações sobre debates entre pesquisadores e outros participantes sobre experiências recentes no campo + textos escritos pelos mesmos coletivos problematizando temas e questões que apareceram nos componentes anteriores, e assim por diante. Chamamos DC cartográfico ao conjunto desses textos.

Portanto, em nossas pesquisas temos operado um DC múltiplo, desenhado a muitas mãos nos encontros com todos esses sujeitos que dão vida aos cenários de investigação, um somatório de vozes, impressões e afecções que tem consistido, no mais das vezes, em um conjunto de documentos e arquivos digitais, como dissemos acima, contendo um tecido de fragmentos de diferentes estilos de escrita que vai emergindo em camadas ao longo de cada percurso cartográfico (Bertussi et al., 2011), um varal heterogêneo que, invariavelmente, acaba por se constituir em um material empírico multimeios, multilínguas, multivozes, e, especialmente, multitempos. Primeiro “multivozes”, e tentaremos analisar a seguir de que modo as várias falas recolhidas no campo aparecem em nossos DC. Antes disso, é importante marcarmos como pressuposto que o próprio registro do DC ganha força de acontecimento, na medida que traz à cena dimensões do vivido e experienciado no campo. Para tanto há de ser tomar a linguagem não só como um regime de signos linguísticos, repleto de significações, mas apreender no discurso a força implícita de cada enunciado. Dito de outro jeito, para além da estrutura canônica do sistema da língua escrita, interessa ao cartógrafo-escritor tomar a escrita como vetor de agenciamento2 enunciativo, a fim de acessar um grau de afetabilidade discursiva.

3 O diário cartográfico como escritura que tende ao intuitivo e atemporal

Muitas conversas, entrevistas individuais e coletivas foram gravadas, momentos que percebia ser possível a gravação. Mesmo assim, logo após, escrevia as minhas memórias da presença do outro que me marcou, colocava a implicação em análise. Este é, em sua maior parte, o momento do presente, onde registrei o que ficou marcado pelos meus olhos, meus ouvidos e minha pele. Registro a atualização do que passava pelos meus sentidos, o que acontecia, falas, olhares, intensidades presentes. Exercício de atenção dos sentidos. Muitas vezes ao final do período estava ainda afetada pelo coletivo, pelas dores, afetos que circularam, tentando dar passagem às intensidades vividas. Começava, então, a produzir um outro momento do diário, aquele onde o pensamento provocado expressava-se novamente no papel, e aí se misturava passado, presente e futuro, não havia mais cronologia. (fragmento de diário cartográfico de uma pesquisadora). (Baduy, 2010, p. 49)

A escritura cartográfica tem no tempo uma dimensão estratégica, e atentar para isso pode nos ajudar a analisar algumas das peculiaridades que o DC assume nesse tipo de pesquisa. Para refletir sobre este tema, usaremos para esta discussão alguns conceitos da filosofia de Henri Bergson tal como foi sistematizada por Gilles Deleuze (1966/2008). Primeiro pensemos um pouco sobre a concepção de realidade da cartografia, já citada acima e, portanto o que haveria para se apreender a partir dela.

Voltemos ao que dissemos sobre a pesquisa cartográfica em saúde: em um primeiro plano da realidade o que vemos é uma estrutura: edifícios, trabalhadores, equipamentos, insumos, fluxos assistenciais e protocolos, entre outras tantas coisas, e podemos assim registrar a repetição de regularidades, coisas que nos parecem imutáveis porque já estavam ali. Bergson, segundo Deleuze, poderia dizer que ainda estamos na dimensão espacial, adentramos um “espaço” onde essas coisas todas estão como que desde sempre. Por outro lado, em um exercício cartográfico diríamos que o pesquisador mergulha agora em uma dimensão também e principalmente temporal, e a realidade com a qual interage é agora outra: é aquela de tudo o que não está dado: a busca tanto pela “causa” das coisas, como por sua “finalidade”, seriam orientações que a priori nos apresentariam tão somente “falsos problemas” (Deleuze, 1966/2008).

Suponhamos que certas coisas se repetem em um cenário de pesquisa, por exemplo uma rotina ou hábito autojustificado por palavras de ordem do tipo “sempre foi assim”. Pois isto, mapeado cognitivamente, não seria o achado em si de uma pesquisa que se diz cartográfica, mas o é o fato em si de sua repetição, isso sim é relevante; assim como, provavelmente e a depender do contexto, um esforço maior não seria empreendido por um cartógrafo no sentido de se encontrar uma “causa” para o conteúdo de uma tal (in)ação que se repete, mas sim no modo como ela se expressa ali naquele cenário ao longo do tempo, e de perto, de dentro da mesma, enquanto ato em si. Sim, inação também é ato para o cartógrafo, naquilo que ela tem de posicionamento ativo.

Assim, para Bergson, segundo Deleuze, é preciso ir às coisas “em si”, buscar sua “variação contínua” que é em si indeterminação, imprevisibilidade, liberdade, “diferença” enfim. A diferença é que explica as coisas e o mundo como devir, ela é que é as coisas e o mundo porque tudo o que vivenciamos são “virtualidades” que acessamos naquele momento em que nos atemos a uma cena da vida, justamente porque a cada momento de nossa experiência certas virtualidades estão se “atualizando” para nós, e isso acontece o tempo todo e cada vez de um modo diferente (Deleuze, 1966/2008). No entanto, para acessarmos ou percebermos essas “condições concretas da experiência”, ou a “experiência na sua fonte”, utilizando expressões de Deleuze sobre Bergson, ou seja, para apreendermos essas atualizações permanentes das diferenças qualitativas que o tempo todo se nos apresentam como a realidade que conhecemos, revivemos primeiro nossas próprias lembranças, aquelas que mais interessam quando estamos percebendo certas coisas neste momento, porque nosso passado, diria Bergson, não acabou, é contemporâneo ao presente, que por sua vez logo será também passado (Deleuze, 1966/2008).

Se considerarmos o DC como esse tecido que vai sendo composto em vários meios concretos e somando várias vozes, de que falamos acima, pensá-lo a partir do tempo bergsoniano pode nos ajudar a imaginar uma política de escritura para nossa prática cartográfica. Em nossa experiência não raro nos deparamos com momentos em que o pensamento provocado pelos encontros expressa-se no, papel, misturando passado, presente e futuro, sem cronologia, em um mosaico de cenas e falas vividas, escrituras sobrepostas, tudo em diferentes lugares e tempos e com diferentes durações e intensidades. O DC torna-se um espaço-tempo de produção em um esforço para dar vozes e palavras aos devires.

Voltando às lembranças que nos vêm quando estamos registrando um percurso cartográfico em nosso DC, diríamos que não se tratam tão somente de “representações” de várias coisas em nossa subjetividade, que há muito mais envolvido nisso: por exemplo emoções, como fontes de criação. E é justamente por isso que nossa inteligência não conseguiria, sozinha, acessar essa realidade cartografada: Bergson diria que a inteligência precisa, para isso, compor com o que ele chama de “intuição” (Deleuze, 1966/2008). A intuição bergsoniana — que eclode quando a emoção atinge em cheio a inteligência em meio às atualizações de nossas memórias — possibilitaria uma relação muito singular com as coisas, e portanto outros modos de conhecê-las, porque estaríamos indo diretamente a elas em sua sempre atual novidade, em seus sentidos: “A primeira característica da intuição é que, nela e por ela, alguma coisa se apresenta, se dá em pessoa, ao invés de ser inferida de outra coisa e concluída.” (Deleuze, 1966/2008, p. 126). Intuir, tentando pensar junto com o autor, seria agir, criar, inclusive conceitos, mais do que contemplar e registrar passivamente, com objetividade e neutralidade.

Nesse sentido queremos propor que compor a escritura de um DC, como temos operado em nossas cartografias, é também um agir intuitivo e muitas vezes assíncrono, um registro que se dá tanto simultaneamente ao ato de percorrer o campo e se experienciar concretamente os encontros produzidos pela pesquisa, como também antes ou depois desse “campo”, quando lembranças, percepções e emoções seguem dançando pelo corpo do cartógrafo a cada momento em que a intuição é ativada nas lembranças, e a cada novo encontro que processa encontros anteriores, emergindo um rebuliço que, por sua vez, faz emergirem mais outros escritos sobre anotações anteriores, em uma cadeia intertextual. Portanto, ao registrar esses acontecimentos em si e no DC, o cartógrafo o faz como pode a cada momento, e não está em jogo somente encontrar formas específicas de escrita, e sim, mais do que isso, buscar uma língua que seja própria a cada acontecimento, língua essa que faz parte do corpo do cartógrafo que nessa produção busca sempre estar atento, presente, disponível e sensível aos acontecimentos (Liberman & Lima, 2015). Nessa construção o cartógrafo vai se constituindo, na relação entre o sensório e o sensível, e partilha com os outros cartógrafos que estão aí nos mesmos territórios de afetabilidades (Pozzana, 2013). Só assim esses acontecimentos se atualizam, podendo então serem instauradas outras existências singulares, outros modos de viver e de cuidar na saúde.

Assim, se os tempos na cartografia são múltiplos, também inevitavelmente o são quando do registro escrito da experiência investigativa. Como nessa modalidade de pesquisa nem sempre há o momento definido da apreensão, da “coleta de dados” no campo, também não há um só momento para o registro escrito, e o mesmo vale para outras “etapas” da pesquisa, como por exemplo a “análise dos dados”, sendo que a passagem de uma etapa a outra passa a não ter um mais momento definido: já dissemos que esta escritura vai sendo composta em camadas que, ao se sobreporem, vão criando novas escrituras, em uma atemporalidade. A “análise”, talvez seja preciso dizer, não é uma etapa necessariamente avançada, já começou lá no início, e não termina com as primeiras publicações sobre uma mesma pesquisa.

Para simplificar — ou complicar — um pouco mais as coisas, temos nos perguntado e compartilhamos aqui com o (a) leitor (a): e quanto aos estilos de escritura, que relevância isso teria para este debate? O “como” escrever experiências de diferentes tempos teria que tipo de importância para “o que” vamos registrar, no DC e nas publicações subsequentes?

4 Quem fala e de onde fala, em nossos diários de campo cartográficos?

Como dizia Norman Friedman no final dos anos 1960, em um ensaio muito citado por quem se debruça sobre a técnica do romance: “o próprio ato de escrever é um processo de abstração, seleção, omissão e organização” (Friedman, 2002, p. 179). E é com a interlocução deste autor que abrimos esta seção sobre as possibilidades de expressão de que temos lançado mão quando da elaboração do DC em nossas pesquisas cartográficas. Reconhecemos que a teoria literária trata de outros objetos em suas reflexões, especialmente do campo da ficção, enquanto que nós estamos aqui debatendo sobre a abordagem cartográfica dos devires que permeiam a vida no mundo da saúde, na linha de um registro-saber. O que nos faz conversar com este autor aqui é o fato de que em um DC é preciso constar ações e falas do outro, além das daquele (a) que escreve, e que, se a cartografia não nos autoriza uma postura imparcial e interpretativa, é preciso nos debruçarmos sobre como temos lidado com as múltiplas vozes em nós, nossas e do outro-encontro-cartográfico em nós.

Norman Friedman localiza seu pensamento no seguinte problema: como o escritor pode transmitir sua história ao leitor do melhor modo possível? Ele então desdobra esta questão em outras quatro: 1) quem fala ao leitor?, 2) de que posição (ângulo) em relação à história ele a conta?, 3) que canais de informação (pensamentos, sentimentos, ações etc.) o narrador usa?, e 4) a que distância da história o narrador coloca o leitor? (Friedman, 2002). A resposta a tais questões possibilitou àquele autor estabelecer uma teoria dos pontos de vista ou “focos narrativos”, tema do qual “roubaremos” — no sentido que Deleuze dava a este verbo — alguns conceitos que nos interessam aqui, a título de construirmos ferramentas para melhor conhecermos nossos DC.

Uma primeira escolha de modo de escrita seria escrever um relato corrido de eventos que acontecem em certo período de tempo e em certos lugares, geralmente narrando na terceira pessoa, como se tudo já tivesse acontecido e, comumente, faz-se isso explicando, analisando, discutindo, ou seja, há uma “intromissão” do autor da narrativa. Uma segunda escolha, segundo Norman Friedman, seria descrever ações, palavras, gestos, acontecimentos naturais ou o cenário, como se as “cenas” estivessem acontecendo no momento em que se escreve ou lê, sem interferências visíveis do autor do relato. Percebe-se que para este autor, que pensa a obra literária, não esqueçamos, tanto o grau de “entrada” do narrador como o tempo no qual a narrativa está posicionada mudam radicalmente o funcionamento da mesma. Poderíamos agora nos perguntar se esta polaridade não trataria justamente, embora a partir de outra perspectiva, do tema da maior ou menor imparcialidade/objetividade que o modelo científico exige do pesquisador-escritor em geral.

Ocorre que a escolha entre esses dois modos de relato depende, entre outras coisas, do ponto de vista adotado naquela situação específica que está sendo narrada. Em uma narratividade mais propriamente vinculada ao projeto moderno da ciência, um DC é um registro de fatos, situações e falas que aconteceram naquele tempo “x” em que as coisas aconteciam, e agora no tempo atual “y”, quando é acessado como fonte para análise e publicação, há um esforço para manter a distância entre os dois tempos: a reflexão agora (y) sobre o que foi visto/ouvido antes (x). Fragmentos citados trarão o relato em primeira pessoa das cenas, como também se poderá “falar sobre” os registros em x a partir de agora (y), porém sem nunca “misturar” os tempos. Em uma escritura cartográfica, por outro lado, o tempo x não acabou, é uma virtualidade que está sendo atualizada agora em y quando olhamos para os acontecimentos lá em x. Não existe uma temporalidade bidimensional na pesquisa cartográfica, ou pelo menos esta não predomina na escritura.

Vimos que o cartógrafo está imerso no campo de pesquisa (Gomes & Merhy, 2014) tanto quando está propriamente “dentro” dele como também antes ou depois dele. Sempre “nele” enfim, pois ao elaborar o DC o campo segue em seu corpo para o ato da escritura, que também já dissemos é um processo de atualização da virtualidade vivida no campo. Por isso espera-se que ao escrever tanto seu DC como os produtos acadêmicos advindos dele não o faça “de fora” ou “de cima”, mas que escreva sempre “de dentro” dos encontros que acontecem no campo, mesmo que esses encontros concretizem o fora/entre da experiência, trazendo com e em sua voz as vozes dos sujeitos com quem compõe seus encontros. É por isso que, como narratividade, na elaboração do DC cartográfico também podemos ter ambos os modos narrativos acima, por exemplo contando como foi implantado um serviço, ou descrevendo a cena de uma reunião colegiada, ou, como talvez tem sido mais comum, a combinação de ambos os formatos entremeados no mesmo texto do DC porque relacionados à mesma situação experimentada. Portanto até aqui poderia parecer que não haveria diferença entre nossos DC com relação a uma narratividade que almeje a objetividade imparcial, mas ela existe e é crucial, pois a “análise” não sendo interpretativa torna-se um “experimentar de novo” as mesmas cenas, agora quando se escreve sobre elas e sempre que o texto é lido mais uma vez. Portanto a intertextualidade do DC cartográfico diríamos que é “intensiva” porque, ao esforçar-se por manter as intensidades vividas sempre vivas, não opera na dimensão “do passado para o presente”, mas, retomando o tempo bergsoniano, da “presentificação permanente do passado”.

Tal processo tende a privilegiar alguns focos narrativos de Norman Friedman (2002) em detrimento de outros, já que alguns deles não têm facilitado uma expressão mais “cartográfica”, em nossa experiência. Por exemplo, as narrativas em primeira pessoa nas quais o narrador é protagonista, testemunha, expõe que seu monólogo interior ou até mesmo seu fluxo de consciência, podem ser usadas em fragmentos aqui ou ali na escritura cartográfica, mas não costumam sê-lo porque colocam um problema para este tipo de escritura de pesquisa: posicionam o “eu” do pesquisador como fonte cognitiva — ainda que por vezes também afetiva — dos conteúdos do DC e, se por um lado favorecem a autoanálise, que aliás sempre é bem vinda quando da apreensão dos processos micropolíticos da realidade, por outro tendem a distanciar a experiência como um todo, assim como as outras vozes que a partir dela também falam. Ainda assim, tais modos têm sua função ao longo de um DC. Outros exemplos de focos narrativos que não predominam na elaboração do DC cartográfico, mas que aqui ou ali podem ajudar, embora muito comuns em certos gêneros literários e na linguagem científica, são aqueles que prescindem totalmente do narrador e buscam a maior objetividade possível.

Na cartografia a presença do narrador no texto não é viés, ao contrário, é condição. Em termos de foco narrativo, o (a) cartógrafo (a) escritor (a) tende a operar diferentes modos de entrada ou de coautoria narrativa quando textualiza as experiências e os saberes de sua pesquisa, e como autor (principal?) do texto busca contemplar diferentes “vistas dos pontos de vista” (Merhy, 2015b) que tendem ao ilimitado, sempre intervindo entre o leitor e a experiência que está sendo textualizada. Mas este “filtro” não comprometeria o produto da cartografia? Não enfraqueceria as vozes e acontecimentos entremeados com a voz do narrador? Responderíamos com dois “não necessariamente”, pois o “campo” da cartografia é o próprio encontro, que já é intercessão em si, e sem os efeitos do campo no corpo do cartógrafo não há campo. Dissemos no início, e repetimos aqui: a escritura cartográfica é multivozes, mas quem está registrando algumas dessas vozes é quem assumiu o lugar daquele que cartografa, e que não abre mão deste lugar. Mas e como conversam as múltiplas falas deste tipo de texto?

5 Como temos citado o outro em nossos diários de campo?

Por tudo o que dissemos até aqui é fácil perceber que citar fragmentos dos discursos de outros sujeitos é um procedimento bastante comum e muitas vezes indispensável na elaboração do DC cartográfico. Para o linguista russo Mikhail M. Bakhtin (1929/2006), um discurso citado é um discurso no/sobre o discurso, ou uma enunciação na/sobre a enunciação, procedimento muito diferente do diálogo entre pessoas que falam uma à outra no cotidiano, e que, pensando no (a) escritor (a) cartógrafo (a), torna diferentes tanto os comentários e réplicas que se faz ao mesmo tempo em que se cita, como também implica no modo como os discursos citados são compreendidos, na sua apreciação enfim por quem lê o DC e dele se utiliza para análises e elaboração dos respectivos produtos acadêmicos.

Segundo Mikhail M. Bakhtin (1929/2006), são possíveis diferentes estratégias narrativas para se obter este efeito de citação, a depender da finalidade almejada. Uma primeira possibilidade seria a preocupação com a autenticidade e a integridade do discurso citado, que deve ser transmitido com seu sentido o mais purificado possível, e que demanda um estilo linear separando-se nitidamente o discurso citado daquele que o cita. Outra possibilidade, e que tem sido bastante explorada em nossas pesquisas, é nublarmos as fronteiras entre ambos os discursos: o do autor, para nós do DC, e aqueles dos sujeitos cujos discursos são nele citados: possibilitar enfim que entre eles aconteça uma “interferência de discurso” (Bakhtin, 1929/2006). Acreditamos que no DC do cartógrafo ambas as possibilidades podem ser úteis, a depender do material empírico de que se dispõe, sendo que a interferência de discurso é a única que atende a algumas necessidades específicas da apreensão cartográfica da realidade, como é o caso das afecções vividas pelo próprio cartógrafo em cenas de pesquisa, visto que o DC do cartógrafo não é só dele nem só dos outros nele, e em nossas pesquisas tem sido sempre aberto para ainda mais vozes a se introduzirem a partir de seus próprios pontos de vista sobre os acontecidos e o narrado: a produção do DC não como um ato de um, mas como expressão de encontros, interferências e narratividades.

Para Bakhtin haveriam três modos discursivos principais para se citar o outro, e na escritura cartográfica utiliza-se qualquer variação de qualquer deles: o discurso direto, o indireto e o indireto livre (Bakhtin, 1929/2006). No discurso direto, quem escreve reproduz exatamente o que foi dito por alguém, nas palavras e entoações do falante, destacando este fragmento dentro do texto com aspas ou outras demarcações (Bakhtin, 1929/2006). Um exemplo hipotético de discurso direto seria anotarmos no DC: “naquele momento da reunião a agente comunitária de saúde disse: ‘o que nós dizemos nunca é valorizado!’”. O discurso indireto, ao contrário, é uma inversão disso, pois poderíamos preferir escrever assim, a partir da terceira pessoa: “a agente comunitária de saúde disse que o que elas [agentes comunitárias] dizem nunca é valorizado”. Em ambos os casos estaríamos descrevendo uma cena, mas no segundo caso — e esta é uma peculiaridade do discurso indireto muito explorada no DC da cartografia — já adicionamos uma contribuição reflexiva nossa, enquanto autores do texto: segundo Bakhtin o discurso indireto é essencialmente analítico (Bakhtin, 1929/2006), no sentido de que quem escreve não apenas cita, mas cita analisando.

Porém, indo um pouco mais longe, o modo discursivo que tem se mostrado ainda mais expressivo na escritura cartográfica é o chamado discurso indireto livre (DIL), uma ferramenta comum a muitos de nossos DC, pois exibe grande potência expressiva em narrativas nas quais o narrador, mesmo quando se remete a outros narradores, não abre mão de expressar-se ao mesmo tempo. Nesse modo de citar o discurso do outro o cartógrafo narrador tende a eliminar verbos introdutórios e flexionar as construções para o imperfeito (Bakhtin, 1929/2006), fazendo com que a ação, tida como passada, se atualize ainda no presente de quem escreve e, também, de quem lê, dando ênfase aos processos de subjetivação. No exemplo que demos acima, arriscaríamos uma versão em DIL: “naquele momento da reunião a agente comunitária de saúde se manifestou. Um sentimento de que tudo o que dizem nunca é valorizado. Isto foi expresso por ela em ela um tom de ressentimento, e isso me marcou”. Lembremos: estamos propondo que os tempos na cartografia estão entrelaçados porque em atualização, que há uma contemporaneidade passado (campo/escrita) x presente (escrita/campo).

No DIL também as fronteiras entre os discursos do narrador e do “personagem” (para nós os participantes de nossas pesquisas) são dissolvidas no texto, atingindo-se portanto uma máxima interferência de discurso, e à leitura de um texto assim a sensibilidade, a intuição e a imaginação emergem para o primeiro plano da experiência, agora no modo textual. Escreveu Bakhtin, citando um colega: “Lorck define o discurso indireto livre como ‘discurso vivido’, em contraste com o discurso direto ou ‘discurso repetido’, e com o indireto ou ‘discurso relatado’.” (Bakhtin, 1929/2006, pp. 185-186), sendo que tal discurso vivido facilita o registro de diferentes dimensões da realidade que interessam ao cartógrafo, como o cenário, as entoações, as tonalidades emocionais, que o autor russo denominava “meio espiritual” e que aqui tomaríamos por plano de imanência, relações e afecções em ato. E, em decorrência do que dissemos até aqui sobre o DIL, a percepção do discurso do outro também será diferente, no caso por quem ler o DC ou que dele pretender fazer uso intertextual para escrever outros textos.

6 Considerações finais

O DC cartográfico, ou somente diário cartográfico, tal como temos inventado em algumas de nossas pesquisas de orientação cartográfica na área da saúde, caracteriza-se por um registro de afetabilidades de caráter intuitivo. Trata-se de um processo de atualização da virtualidade vivida no campo, uma presentificação permanente deste “passado”, já que os tempos na cartografia estão entrelaçados porque em atualização, em uma contemporaneidade passado (campo/escrita) x presente (escrita/campo).

As vistas de cada ponto de vista adotados tendem ao ilimitado, e quem escreve se faz muito presente entre o leitor e a experiência que está sendo textualizada com as vozes de outros, multivozes que emergem por dentro do diário cartográfico de vários modos, incluindo o discurso indireto livre, em uma mútua interferência de discurso.

Como uma cadeia de textos e meios diferentes que é composta em camadas de escritura, e não em um único meio, o diário cartográfico possibilita uma intertextualidade intensiva que desemboca na comunicação textual final, não havendo passagens nítidas entre as etapas de uma tal escritura de pesquisa. A análise do material empírico, que não é objeto desta discussão, tende ao modo não interpretativo e é processual, não acontecendo somente ao final da produção de dados, podendo interferir na escritura desde seu início.

Para concluir, no caso de pesquisas que têm nos encontros intercessores seu próprio “método”, que pesquisam no “entre”, onde/quando há mútua produção, no trabalho vivo em ato da saúde, e lá buscam surpreender os instituídos e produzir interferências, outras formas de registro se fazem necessárias, entre elas o diário cartográfico. Novos estudos são recomendáveis no sentido de um aprofundamento deste tema do diário cartográfico como ferramenta de pesquisa em saúde.

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