Byung-Chul Han (2017) Agonia do Eros. Vozes. ISBN: 8532655181
Tradução de Enio Paulo Giachini
A obra põe à disposição do leitor importantes reflexões sobre o sentido que a sociedade do desempenho atribui às dimensões humanas, em termos de negação do bem viver e da ausência de sensibilização do eros com respeito a alteridade. A obra está composta por sete capítulos que se articulam e se complementam nos seguintes títulos: Melancolia, Não-poder-poder, O mero viver, Pornografia, Fantasia, Política do eros, O fim da teoria. Desde o capítulo um - Melancolia, Byung-Chul Han defende que vivemos em uma cultura da comparação, do sempre igual, cuja positividade de consumo elimina a alteridade, a negatividade e as diferenças, visto que perdemos a capacidade de realizar experiências da atopia do outro. “A negatividade do outro atópico se retrai frente ao consumismo. Assim, a tendência da sociedade de consumo é eliminar a alteridade atópica em prol de diferenças consumíveis, heterotópicas. A diferença é uma positividade em contraposição à alteridade” (Han, 2017, p. 9).
Nesse contexto, justifica que estamos desconectados com o tempo do amor (que pode machucar) em nossas possibilidades ilimitadas de escolha, opções e da coerção de otimização. A racionalização das emoções e neutralização do amor pela ampliação das tecnologias de escolha sufoca o amor e “contribui para a crise do amor [narcísico por desempenho, sucesso], a erosão do Outro, que por ora ocorre em todos os âmbitos da vida e caminha cada vez mais de mãos dadas com a narcisificação do si-mesmo” (Han, 2017, p. 7-8). O autor diz que nos tornamos cada vez mais narcisistas (afogados em si) e nisso reside a dialética do desastre, da melancolia, da depressão, da Síndrome de Burnout como impossibilidade do amor. Desse modo, “a libido é investida primordialmente na própria subjetividade [...]. O sujeito do amor próprio estabelece uma delimitação negativa frente ao outro em benefício de si mesmo” (Han, 2017, p. 9-10). Para o autor, o eros vence a depressão no momento em que permite uma experiência com o outro em sua alteridade (do completamente outro), pois a “atopia do outro mostra ser a utopia do eros” (Han, 2017, p. 13).
O capítulo dois aborda a temática do Não-poder-poder do desempenho e da produtividade, em contraposição à sociedade disciplinar, cujas proibições sociais agora são conjugadas pelo dever e determinados limites. O Homo economicus empreendedor de si desconhece a violência estruturada e as (auto)coerções massivas do capital (como projeto inculpador de submissão e responsabilização pelo fracasso), para que paradoxalmente seja livre de uma relação com o outro (de esgotamento mental e físico do desempenho), visto que a absolutização do poder aniquila o outro. É nisso que está “tanto a desculpa quanto a gratificação [que] pressupõem a instância do outro. A falta de ligação com o outro é a condição transcendental de possibilidade para a crise de gratificação e a crise de culpa” (Han, 2017, p. 24). Hoje em dia, junto com os meios digitais de totalização do presente, já não temos mais o sentido da relação com o outro, ao contrário, temos a total eliminação da sua força de ação e narração pela coisificação econômica do outro. “A sociedade enquanto máquina de busca e de consumo elimina aquela cupidez que vale para o ausente, que não pode ser encontrada e consumida” (Han, 2017, p. 33-34).
No capítulo três, intitulado O mero viver, Han (2017, p. 39) descreve por meio de Platão e de Vicino, que “o amor é a pior das epidemias. Ele é uma transformação. Ele desapropria as pessoas de sua própria natureza e as transfere para uma natureza estranha”, porque perfaz sua negatividade de risco e ousadia, para além do consumo domesticado, ameno, rápido, confortável ou romantizado. Contrariando o diagnóstico do amor relacionado ao feminilizado, revela-se agora a falta de “toda e qualquer transcendência e transgressão”, tornando a própria vida sinônimo de escravidão pelo trabalho (Han, 2017, p. 40). Assim, “a defesa do mero viver, hoje, se intensifica e vai se transformando numa absolutização e fetichização da saúde. O escravo moderno a prefere frente à soberania e à liberdade”, uma vez que estaríamos condenados a autoexploração e distantes do bem viver (Han, 2017, p. 42).
O movimento da dialética pensa as relações entre a abertura, a conclusão, o reabrir e o voltar a concluir. A essência do amor consiste precisamente nisso, “renunciar à consciência de si mesmo, esquecer-se num outro si-mesmo”, de sentido vivificador (Han, 2017, p. 47). “O retorno reconciliador a partir do outro pode ser qualquer coisa menos uma apropriação violenta do outro. É antes o dom do outro, que precede a entrega, a tarefa de si mesmo” (Han, 2017, p. 47-48). O poder de eros implica uma impotência para com o outro ao invés de uma autoafirmação, pois através do outro, reconquistamos a nós mesmos e assim nos ressignificamos e ressurgimos no outro. “A vida cotidiana consiste de descontinuidades. A experiência erótica abre o acesso à continuidade do ser que só poderia ser edificado definitivamente pela morte dos seres descontínuos” (Han, 2017, p. 49-50). Na sociedade atual vigora uma economia do sobreviver em meio a impulsos descontínuos de desempenho desenfreado, cuja ordem social fez o eros desaparecer porque retirou a vivacidade da vida que constitui um fenômeno complexo, a saber, sua negatividade e contradição.
No capítulo quatro - Pornografia, Han (2017, p. 55) explicita que “a pornografia serve ao mero viver exposto. É o exato contraposto de eros. Ela aniquila a sexualidade. Nesse sentido, é muito mais efetiva que a moral”. Tal exposição destrói justamente a possibilidade de uma comunicação erótica porque é desprovida de mistério e expressão, exibindo tudo como mercadoria. “A desritualização do amor se realiza na pornografia” (Han, 2017, p. 62).
O quinto capítulo do livro examina a Fantasia que estaria carregada de informações e levaria a supervalorizar alguém ou a idealizá-lo. A imaginação autodeterminada de hoje dispõem de muitas informações o que leva a uma racionalização das emoções, sem condições de idealizar, em relação aos anseios amorosos e desejos, impulsionando novos mecanismos para sonhar acordado. “O si-mesmo moderno perceberia seus desejos (Wünsche) e sentimentos em grande medida de maneira imaginativa através de mercadorias e imagens midiáticas pelo mercado de bens e consumo e pela cultura midiática” (Han, 2017, p. 65). Nesse cenário, a construção do outro não está condicionada a informação visual, mas interdepende da negatividade, da retração do outro que o gera em sua alteridade atópica. “A grande quantidade de informações, sobretudo a visual, acaba sufocando a fantasia. A hipervisibilidade não pode ser acrescida e não se coaduna com a força da imaginação” (Han, 2017, p. 69). A hipervisibilidade da sociedade da transparência nivela o misterioso e o enigmático do outro atópico, na medida em que “desaparece também as fantasias sobre o outro. A crise atual da arte e também da literatura pode ser reduzida à crise da fantasia, ao desaparecimento do outro, ou seja, à agonia do eros” (Han, 2017, p. 73-74).
No capítulo seis pensa a Política do eros como um gérmen do universal nos processos culturais. É importante frisar que não há uma política do amor (ela permanece antagonista), mas “as ações políticas possuem um nível que se bifurca distante e se comunicam com eros” (Han, 2017, p. 78). A perspectiva do amor é um palco do diverso, do encontro com a experiência diferenciada, que cria o mundo a partir do ponto de vista do outro e no agir solidário de posições performativas. “Interrompe o igual em vantagem do outro. A essência do evento é a negatividade da ruptura que permite o surgimento de algo totalmente diferente. O caráter próprio do evento liga o amor à política ou à arte”, porque provoca rupturas e abertura ao novo, des-habitualizante e des-narcisizante (Han, 2017, p. 78-79).
No último capítulo (7), é problematizado O fim da teoria para lançar novas inquietações de eros e aporias transpostas na linguagem, que acendem a uma cupidez erótica no pensar misterioso, superando a atrofia de mero trabalho, que reproduz o sempre igual. Enquanto o pensar necessita de silêncio, “a massa de informações eleva massivamente a entropia do mundo”, a proliferação de narrativas com imagens e a estagnação espiritual, colocando em crise a teoria, a literatura, a comunicação e a arte (Han, 2017, p. 88). O perigo do barulho social e da ausência de narrativas de formação mostra que “falta-lhe o eros, que transforma” (Han, 2017, p. 90).
Para Han, Eros seduz o pensamento pelo intransitado, pelo outro atópico que lhe mostra o caminho (Han, 2017). “Em sentido enfático, o pensamento só se eleva mesmo a partir de eros [do outro]. Para poder pensar, é preciso antes ter sido um amigo, um amante. Sem eros, o pensamento perde toda e qualquer vitalidade, toda inquietação e se torna repetitivo, reativo” (Han, 2017, p. 92-93).
Na perspectiva de Adorno (1985), o amor evidencia um sentido relativo à arte de educar ligada ao processo de criação humana e implica um aprender como expressar-se com a educação voltada à emancipação. Importa que se plante o amor para manter-se aberto, com todos os sentidos e sentimentos, para o discurso alheio, livre, a favor da pluralidade, das diferenças, do reconhecimento do outro e da valorização da reflexão sobre suas identidades e contextos sócio-históricos. O amor é um fenômeno do sentir humano e numa época de encantamento tecnológico, de hegemonização e colonização das culturas por padrões de desempenho, a complexidade desta obra serve para resgatar a necessidade de descentralização e humanização das relações cotidianas para o reconhecimento do outro. “Para haver formação cultural se requer amor; e o defeito certamente se refere à (in)capacidade de amar”, porque é um ato de respeito à vida (Adorno, 1985, p. 64). O amor expõe o mundo tal qual ele é e revela verdades subjacentes à vida em sociedade, normalmente ocultas à autocrítica e a intercomunicação entre as gentes e os mundos. Enfim, “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (Freire, 1999, p. 52). A Agonia de Eros reaviva, de certa forma, a necessidade de pensar a educação como prática de liberdade, no sentido de resistir à reprodução da desumanização coletiva.
Adorno, T. W. (1995). Educação e Emancipação (3. ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (1999). Educação como prática da liberdade (23. ed). Rio de Janeiro: Paz e Terra.