Emigrar para o outro lado do mar: brasileiras imaginam a Europa

Emigrate to the other side of the sea: Brazilian women imagine Europe

  • Octávio Sacramento
Instigada pelos media globais, a imaginação de contextos e estilos de vida alternativos é uma prática social cada vez mais (re)corrente. No artigo analiso esta prática entre mulheres brasileiras que se envolvem em relações de intimidade com turistas europeus no bairro balnear de Ponta Negra (Natal, Nordeste brasileiro). Sem esquecer que a imaginação é indissociável de determinados quadros de economia política, procuro compreender de onde procedem e como se manifestam os0 imaginários da Europa produzidos por estas mulheres; em que medida estes imaginários configuram predisposição e agência para a migração transatlântica; e como as representações prévias são calibradas e ressignificadas quando ocorrem mobilidades para o continente europeu. A análise é alicerçada numa experiência de terreno etnográfica, no âmbito da qual a observação participante e as entrevistas semidirigidas constituíram procedimentos centrais de pesquisa empírica.
    Palavras chave:
  • Imaginação
  • Paixões Transnacionais
  • Migração
  • Brasil
  • Europa
Instigated by the global media, the imagination of alternative contexts and lifestyles is an increasingly (re)current social practice. In the article I analyse this practice among Brazilian women who are involved in intimate relationships with European tourists in the seaside neighbourhood of Ponta Negra (Natal, Northeast Brazil). Bearing in mind that the imagination is inseparable from certain political economy frameworks, I try to understand where the imaginary of Europe produced by these women come from and how it manifests itself; to what extent do these imaginary shapes predisposition and agency for transatlantic migration; and how previous representations are calibrated and resignified when mobilities for the European continent occur. The analysis is based on an ethnographic fieldwork experience, in which participant observation and semi-directed interviews constituted the main means of empirical research.
    Keywords:
  • Imagination
  • Transnational Passions
  • Migration
  • Brazil
  • Europe

1 Introdução

A imaginação é muito mais do que abstração. É uma disposição e uma prática universal, socialmente localizada, através da qual os humanos processam informação sobre si próprios e sobre os outros, constroem sentidos sobre o mundo, (re)formulam o presente e anteveem futuros eventuais (Harris & Rapport, 2016). É praticamente indissociável de qualquer forma de agência e constitui em si mesma um facto social de grande relevância para se compreenderem muitas das atuais dinâmicas globais, sobretudo no âmbito das migrações (Appadurai, 1996; Benson, 2012; Marcus, 2009; Salazar, 2011b). Deve, por isso, ser efetivamente considerada quando se tentam mapear as circunstâncias e subjetividades subjacentes às mobilidades migratórias, podendo, assim, conferir-se maior densidade analítica a modelos pautados pela hegemonia explicativa dos fatores económicos. Contudo, nesta fuga ao determinismo económico é fundamental não exorbitar o papel da imaginação e evitar outros tipos de determinismo (Smith, 2006). É que o sonho, por si só, nem sempre comanda a vida. Além de circunstâncias intrínsecas aos exercícios de imaginação, as condições materiais e de poder (entre outras) condicionam substancialmente o que deles decorre.

Considerando a significativa influência das práticas de imaginação na configuração de predisposições migratórias — inscritas em determinados quadros de economia política —, o texto centra-se nos modos como as mulheres brasileiras que constroem relacionamentos afetivo-sexuais com turistas europeus no bairro balnear de Ponta Negra, em Natal-RN (Nordeste brasileiro),1 imaginam a Europa e pensam os seus trajetos de vida, ponderando a possibilidade de migrar para um destino transatlântico que a maioria delas localiza, vagamente, como estando do outro lado do mar junto ao qual passam muitos dos seus dias. Com base nos discursos destas mulheres, procuro entender como são alimentados e operam os seus imaginários do continente europeu, compreender as muitas indeterminações, ambivalências e ilusões aí presentes — suscitando maior ou menor disponibilidade para investir na construção de um projeto migratório — e aferir, sucintamente, o resultado do confronto entre as representações apriorísticas e as experiências de algumas que já estiveram na Europa, bem como a influência da partilha destas mesmas experiências nas decisões de terceiras potenciais migrantes.

A análise é sustentada por elementos empíricos resultantes do trabalho de campo que realizei em 2009/2010 (Sacramento, 2014) sobre configurações transnacionais de intimidade entre brasileiras e homens europeus iniciadas durante as estadias turísticas destes últimos em Ponta Negra e que se inscrevem no quadro das chamadas economias sexuais – “conjunto de intercâmbios econômicos e sexuais” (Piscitelli, 2016) –, destacando-se aqui as relações íntimas de pendor mais comercial, designadas por programas no Brasil (Gaspar, 1985). Na abordagem ao terreno, a etnografia constituiu o procedimento metodológico orientador de um processo de pesquisa empírica no qual se destacaram a observação participante e as entrevistas semidirigidas.

2 Imaginação

Desde as últimas décadas do século XX, a intensificação dos fluxos transnacionais de pessoas, imagens, informações e produtos tem sido, simultaneamente, causa e efeito da progressiva libertação da imaginação do controlo social imposto pelos guiões da tradição (Appadurai, 1996), passando a incorporar elementos simbólicos que remetem mais para uma iconografia global – associada a Hollywood, por exemplo – e não tanto para os símbolos da pátria, da sua história e cultura (Canclini, 1996). Ponderando estas circunstâncias, Arjun Appadurai (1996) utiliza a noção de “imaginação global” para se referir a formas subjetivas de imaginação, instigadas pelos fluxos do sistema-mundo, que deixam de ser atributos reservados a visionários e tornam-se práticas do quotidiano da generalidade das pessoas, permitindo a qualquer um olhar reflexivamente para si, projetar desejos no tempo futuro e ambicionar mudanças. Estas práticas correntes de imaginação são indissociáveis da crescente centralidade da experiência mediática na composição do “mundo fenoménico” de cada um (Giddens, 2002). Os discursos produzidos pelo emaranhado rizomático dos atuais sistemas mediáticos globais geram representações que se repercutem difusamente no modo como vemos, pensamos e sentimos a realidade, as nossas relações com os outros e o nosso próprio lugar no mundo (Almeida, 2006; Orgad, 2012). A mediação da subjetividade pelo mercado global de imagens e comunicações contribui para o deslocamento e a dispersão dos exercícios de imaginação e de construção identitária por múltiplos sistemas culturais.

No âmbito das mobilidades migratórias, o acesso físico a um determinado lugar é quase sempre precedido pela incorporação de imagens e conceções que sobre ele vão sendo difundidas nos múltiplos circuitos do espaço digital. No entender de Joshua Meyrowitz (2005, p. 24, tradução própria), “estas imagens ajudam a moldar o imaginário de outros sítios a partir do qual é concebido o lugar de cada pessoa”, pelo que, como ele próprio refere, as tecnologias mediáticas funcionam como “sistemas globais de posicionamento mental”. Desempenham um papel de intermediação das perceções, expectativas, conhecimentos e idealizações (Lemos, 2009), proporcionando recursos simbólicos para processos cognitivos, como a imaginação, com base nos quais são formuladas figurações qualificativas de diferentes lugares do mundo, construídas identidades e alteridades, e ideados possíveis contextos alternativos para se viver (Mapril, 2008a; Salazar, 2011b).

Nestes “imaginários geográficos” (Said, 1978/2004),2 as representações de outros destinos e comunidades expressam muitos dos valores, fantasmas e desejos dos seus próprios autores (Gregory, cit. em Aldhuy, 2004, p. 116). Entre as mulheres de Ponta Negra que se envolvem em relações transnacionais de intimidade com os turistas europeus,3 a imaginação da Europa faz-se por via da sua participação num “espaço cognitivo transnacional” (Mahler & Pessar, 2001), no quadro do qual acedem a informações provenientes de múltiplas fontes: imagens mediáticas, testemunhos de amigos e familiares mais viajados, representações coletivas, contactos com os turistas e internet. Esta última é, aliás, um dos meios mais privilegiados para recolher dados sobre destinos europeus, possibilitando, simultaneamente, o acesso a testemunhos na primeira pessoa através da participação em blogues, sites e fóruns de discussão ou da comunicação mantida com compatriotas emigrados e cidadãos europeus via email, sistemas de conversação online e redes sociais digitais. A internet é, com efeito, um espaço incontornável para, de forma rápida e prática, aceder a informação, manter contactos à distância, conhecer novas pessoas e apreender elementos dos seus contextos (Sacramento, 2019), como nos mostra a passagem seguinte da entrevista da Alessandra4 (42 anos, ex-corretora de empréstimos, dois filhos; entrevista pessoal, fevereiro de 2010):

Teve um período que passei mais de um ano teclando com um português e ficámos muito amigos. Eu sabia da vida dele e ele sabia da minha. Eu teclava com outros, mas esse a gente tinha uma amizade. […] Todos os dias teclávamos, mas não chegámos a nos conhecer pessoalmente. Eu falava da minha vida toda; ele da vida dele, dos problemas dele. Falava de tudo… Tudo!

Com base em diferentes circuitos que lhes proporcionam imagens e discursos, a imaginação que as mulheres em Ponta Negra fazem da Europa ou de alguns países e lugares em concreto, viajando em pensamento – “imaginative travel” (Salazar, 2011a, p. 6) –, tem repercussões significativas na maneira como orientam os seus projetos de vida. O grau de recetividade a eventuais deslocações para junto de homens europeus com quem mantêm relações de intimidade, e o formato, evolução e sustentabilidade das mobilidades que concretizam refletem, justamente, as ideias e (in)certezas sobre a vida do lado de lá do Atlântico (ver figura 1). As representações produzidas por via da imaginação têm, frequentemente, impactos concretos e profundos na vida das pessoas. Como destacam Yvonne Riaño e Nadia Baghdadi (2007, p. 45, tradução própria), “os imaginários geográficos não são meras ficções; são fabricações, construções culturais que têm consequências reais, materiais”.

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Figura 1

Jovens mulheres na praia de Ponta Negra, junto ao mar que as separa de um possível destino migratório

O trabalho, a família, o consumo, o lazer, o papel do Estado, as relações de género, o acolhimento dos estrangeiros e o clima (na dupla vertente de manifestação física e metáfora) são alguns dos aspetos sobre os quais recaem as conceções que, em Ponta Negra, configuram o imaginário feminino do quotidiano europeu. De um modo geral, são conceções vagas, permeadas por distorções, dúvidas e indefinições, a começar pela localização, delimitação e caracterização territorial. A maioria das mulheres vê a Europa, abstratamente, como um destino do outro lado do mar, não tanto enquanto entidade continental com determinada proporção e configuração e constituída por vários Estados. Por vezes, é considerada um país e comparada a países que dela fazem parte. As menções que lhe dirigem tendem a sobrepor-se a referências a nações em específico. Ou seja, generalizam e reportam-se ao todo e não tanto às partes, mesmo quando se trata de aspetos relativos a unidades de menor escala (países, regiões ou cidades), com relativa exceção dos principais países de origem dos turistas de Ponta Negra, sobretudo quando a nacionalidade é usada como categoria mobilizadora de diferentes noções sobre os gringos.

3 Ambivalências

A par da ambiguidade geográfica, a Europa é associada nos comuns discursos femininos a imagens fragmentadas e estereotipadas que, em regra, comportam uma valoração positiva ou negativa, tendo no Brasil o termo de comparação mais imediato. O resultado é um imaginário tendencialmente estruturado em dois grandes polos. Um é constituído por visões firmemente auspiciosas que suscitam desejos e incentivam formas de agência no sentido de se concretizar a mobilidade transatlântica: “Gostava por demais ir na Europa! Lá é tudo de bom!” (Laís, 21 anos, um filho, desempregada; entrevista pessoal, fevereiro de 2010). Outro polo é constituído por visões menos favoráveis ou menos perentórias, que geram apreensões, receios e uma grande indefinição entre a possibilidade de emigrar e a permanência no Brasil: “Adorava conhecer a Europa. Dizem que lá é bom, mas também tenho medo de deixar o meu cantinho. Teve aí uns gringos que disseram para eu ir com eles. Eles pagavam tudo para eu, mas não sei” (Nicole, 27 anos, um filho, faz programas, entrevista pessoal, fevereiro de 2010). Designo estes dois polos, respetivamente, por paradigma da terra prometida e paradigma da terra fria e incerta. Eles podem coexistir num só discurso, sob a conceção da Europa como “lugar de coisas boas, de coisas ruins e de muitas coisas desconhecidas” (Brenda, 19 anos, faz programas, entrevista pessoal, março de 2010).

No primeiro paradigma, aquele com maior expressão social, situam-se imaginações genéricas do continente europeu como a geografia da vida boa, onde se afigura possível melhorar a condição socioeconómica, aceder a bens e símbolos valorizados, ter uma boa qualidade de vida e concretizar certas aspirações sentimentais, românticas e familiares (Sacramento, 2015a). Além de estimuladas pela indústria cultural global, estas idealizações positivas de âmbito material e relacional-afetivo são reforçadas pelo contacto com os turistas em Ponta Negra, levando as mulheres que com eles se relacionam a assumir que a conduta, os discursos e o estilo de vida dos seus companheiros em férias representam de facto aquilo com que podem contar no quotidiano europeu. No plano material, a Europa terá para oferecer, supostamente, oportunidades de trabalho, remunerações satisfatórias, ensejo de novos consumos5 e segurança em termos de proteção social do Estado. Na esfera da intimidade é esperado que proporcione vivências românticas, maior equidade de género e uma cultura de respeito e comunhão no seio do casal que não existirá no Brasil, proporcionando, assim, a possibilidade de “achar um príncipe encantado” e de viver o tão cobiçado “conto de fadas” (Rosa, 2000) para concretizar um “ideal de amor” (Lima & Togni, 2012). Tal como a prosperidade económica, o romantismo é uma noção quase imediata que muitas mulheres projetam sobre a Europa: “Quando eu via alguma coisa assim, um filme mostrando a Europa, eu dizia: Ai meu Deus, imagina como seria fazer amor assim com a neve, tomando um vinho… Nossa, que cena mais romântica! Eu sou muito romântica” (Melissa, 34 anos, ex-garçonete, dois filhos; entrevista pessoal, abril de 2010).

A ideia e a prática do amor romântico refletem uma longa e densa vinculação com o Ocidente, como destaca Linda-Anne Rebhun (1999, p. 5, tradução própria) especificamente para o Nordeste brasileiro: “A prática do romance reflete um envolvimento prestigiante com o ‘Ocidente’, com a sua hegemonia económica, gloriosa herança cultural e modernidade, nomeadamente em relação ao romance expresso no casamento por amor”. A associação identitária da Europa ao romantismo e à modernidade relacional é construída, quase sempre, por oposição à noção estereotipada de um Brasil (nomeadamente a região nordestina) de cariz machista, onde os homens são grossos (rudes), raparigueiros (infiéis) e pouco orientados para a construção de um projeto familiar. As ideologias e práticas de masculinidade dos homens brasileiros são alegadas pelas mulheres de Ponta Negra como as razões primordiais dos consecutivos reveses nos respetivos trajetos de namoro e conjugalidade. Responsabilizam os (ex-)companheiros nacionais por procedimentos como a infidelidade, a ausência de romantismo, o incumprimento de obrigações parentais e a escassa contribuição para as despesas quotidianas, que comprometem aspirações (v.g., paixão, confiança, partilha, equidade, estabilidade e realização pessoal) fundamentais dos seus projetos de aliança e família.

No segundo paradigma de que falava atrás inscrevem-se ideias de uma Europa com as suas adversidades, suscitando incertezas e apreensões que a crise económico-financeira acabou por intensificar. O continente é imaginado, genericamente, como um ambiente social fechado, repressivo (logo a começar pelo controlo das fronteiras), pouco acolhedor para os imigrantes, marcado pela exagerada primazia do trabalho em detrimento do lazer e onde as pessoas revelam alguma incapacidade para expressar sentimentos. Esta suposta frieza social é apresentada como uma espécie de reflexo de condições climáticas simbolicamente equivalentes. Ao mesmo tempo que é associado a categorias térmicas (frio) e cromáticas (cinzento) remetendo para um regime sensorial pouco aprazível, o clima é apropriado como metáfora para falar de eventuais características da sociedade europeia consideradas negativas. A articulação e a síntese simbólica entre o clima físico e o clima-metáfora está bem patente no excerto que se segue:

Eu vejo uma Europa muito cinza, muito escura. Pessoas com agasalhos, pessoas muito formais, muito limitadas, que não se relacionam muito umas com as outras. Ou seja, pessoas que não se abrem como nós, brasileiros... nós que falamos tudo, que gritamos, que rimos. Eu penso que [os europeus] são mais pobres, mais formais. Será? Estou certa? Penso que vocês quando chegam aqui se modificam. Quando vocês vêm para cá, quando sentem esse clima nosso, ficam mais à-vontade. Quando sentem esse clima de liberdade, esse clima de sol, esse clima de... de expressar o que sente, sem ter medos, sem ter repressão, entendeu? Eu penso que não se beijam em público, que não se abraçam em público, que não gritam na rua. Eu penso que são diferentes nos seus países. Acho que tenho um pouco de medo de morar onde as pessoas são tão formais. Não sei [...] Considero, principalmente nos países onde é de gelo, frio, que as pessoas são muito fechadas, muito formais e que as pessoas são muito solitárias. É isso? [...] Sempre, quando eu penso na Europa, eu penso assim: casacos, ou botas, ou lareira, um pouco de neve, um povo mais reservado, mais formal, muito rígidos, com horários, com a lei (Alessandra, entrevista pessoal, fevereiro de 2010).

Envolta em maior ou menor (des)encanto, a imaginação feminina da Europa está apoiada em perspetivas tendencialmente desfocadas, permeadas por inúmeros enviesamentos, inconsistências e desconhecimentos6, como reconhecem, aliás, muitas das concidadãs que estão ou já estiveram emigradas: “A gente aí tem uma ideia de que chega lá [Europa] e tudo é maravilhoso. A gente fala: Aí, traz um presente para mim. Aí, eu penso: Onde é que ela pensa que eu tenho dinheiro? Pensa que vamos lá na árvore pegar dinheiro. Não é fácil! Eu trabalho muito para ter o meu dinheiro” (Rosângela, 40 anos, imigrante na Suécia, empregada doméstica, três filhos; entrevista pessoal, janeiro de 2010). Todavia, mesmo quando as imagens produzidas são as mais agradáveis não inibem alguns receios, que a comum expressão “bom demais p’ra ser verdade!” sinaliza sinteticamente. Alguns dos mais frequentes estão enraizados na imaginação do continente europeu como potencial destino do tráfico de mulheres sul-americanas para a prostituição, suposição para a qual muito tem contribuído a crescente disseminação no tecido social dos discursos anti-tráfico hegemónicos instituídos pelo chamado Protocolo de Palermo (Piscitelli, 2016). Na sua primeira viagem para Lelystad (Holanda), a Nilda (37 anos, desempregada) teve de conviver com estes receios do tráfico de pessoas muito por culpa do pânico social que a sua mobilidade, associada a um relacionamento transnacional, suscitou entre amigos e familiares: “Meus amigos diziam: Você não conhece ele [Idesbald, o companheiro holandês] direito! Minha mãe: Você, cuidado! Minha mãe não gostou nada da ideia: Esses gringos, assim… chega lá é para se prostituir. Eu só disse para ela: Mãe, ele não tem cara de cafetão [proxeneta], não” (entrevista pessoal, setembro de 2010). Um outro relevante foco de apreensão decorre do temor que é suscitado pelo funcionamento repressivo e indolente das fronteiras europeias que dão forma ao Espaço Schengen (Sacramento, 2015b), como se pode constatar no seguinte testemunho sobre os receios que antecederam a primeira viajam à Europa:

Eu passei em Portugal [uma das principais portas de entrada no espaço europeu a partir do Brasil]. Fui morrendo de medo, porque o povo fala de Portugal… Diz que a fronteira… Para lá é a fronteira de tudo, em Portugal. A fronteira de você entrar em todos os países. Então, se você não conseguir entrar em Portugal com segurança, então não vai ser bom. Então, para mim é assim: eu entrei em Portugal, passei na polícia de lá e fui muito bem atendida, graças a Deus. Fui rezando muito, com tanto medo, por ser a primeira vez. Fui rezando, ai meu Deus! […] Fui com muito medo porque o povo dizia assim: Óh, se prepara, porque você tem de levar mais ou menos R$4.000 a R$5.000. Se você não levar em dinheiro, você tem de levar um cartão internacional. E tem de levar também uma carta de convite. E eu: Puta que pariu, como é que vou passar numa fronteira dessas?!. Só levei a carta de convite. Quando cheguei no aeroporto lá de Portugal, na alfândega… e eu, porra, faltando 40 minutos para mim embarcar, para pegar o voo para Estocolmo [destino onde o namorado a aguardava], e a fila enorme! Maior do que daqui a Ponta Negra. E eu, viche, a olhar, como é que eu vou chegar ali. E ainda com medo de ser barrada, . E eu, porra, não tou levando dinheiro. Só tava levando as duas cartas [convite], a de português e a da linguagem dele [namorado], a da língua dele… (Gabriela, 34 anos, massagista, dois filhos; entrevista pessoal, dezembro de 2009).

As representações da Europa como um espaço ao qual não é fácil aceder e as preocupações perante as fronteiras têm, forçosamente, de ser entendidas à luz da economia política das mobilidades globais e de uma vincada assimetria de cariz economicista entre quem pode e quem não pode movimentar-se livremente no mundo. E por muito poderosa que seja a imaginação a estimular a capacidade de agência, ela nem sempre permite ultrapassar condicionalismos económicos e estatutários e assegurar a mobilidade. Desejar e querer não se traduz, automaticamente, em poder. Como destaca Andrew Smith (2006, p. 58, tradução própria), “existe uma história e um contexto para aquilo que é imaginável e, igualmente, uma história e um contexto que afetam qualquer esforço para realizar o que imaginamos”. O contexto de vida em que enraíza o paradigma de imaginação da Europa mais expressivo — a Europa como terra prometida — e no qual cresce o desejo de uma experiência migratória transatlântica é o mesmo contexto que impõe sérios constrangimentos, desde logo materiais, à concretização daquilo que se imagina e ambiciona. É, justamente, na tentativa de ultrapassar estes constrangimentos que muitas mulheres em Ponta Negra, no quadro das suas relações passionais transnacionais, seguem determinados procedimentos micropolíticos de intimidade (Sacramento, 2017) que lhes permitem, com alguma frequência, assegurar condições para a realização de algumas das suas expectativas. Embora não haja, necessariamente, uma instrumentalização estrita da intimidade, os turistas europeus com quem se relacionam são fundamentais na construção dos seus projetos migratórios, assumindo um papel determinante na organização e no financiamento da deslocação para a Europa (Sacramento, 2016): ajudam em procedimentos burocráticos, compram o bilhete de avião, por vezes adiantam dinheiro para a aquisição de bens para a viagem (v.g., roupas, malas), tratam da instalação à chegada e asseguram o pagamento de despesas.

4 (Des)ilusões

As desigualdades de poder globais e a posição geopolítica relativamente subalterna do Brasil no cenário mundial — ainda mais evidente no passado do que na atualidade — traduziram-se desde a época colonial na sua adesão aos referenciais simbólicos difundidos pelo Ocidente. Como destaca Kevin Robins (1991, p. 25), “o capitalismo global é, na verdade, um processo de ocidentalização — a exportação das mercadorias, dos valores, das prioridades, das formas de vida ocidentais. Em um processo de desencontro cultural desigual, as populações ‘estrangeiras’ têm sido compelidas a ser os sujeitos e os subalternos do império ocidental”7. À luz desta situação poderão compreender-se melhor os desejos e as ilusões que o modo de vida europeu desperta na maioria das mulheres de Ponta Negra. A forma como perspetivam a Europa, formulando sobre ela idealizações gloriosas de estilos de vida e de modelos de género e conjugalidade, remete para representações culturais historicamente produzidas num quadro relacional de forças assimétricas em que o Ocidente tem assumido uma posição hegemónica. Enquanto tal tem imposto sub-repticiamente ao resto do mundo uma imagem atrativa de si mesmo, apresentando-se como um contexto desejável para se viver, que suscita enorme cobiça, e ao qual cada vez mais pessoas procuram aceder. Como justamente observa Stuart Hall (2007, p. 81), “o movimento para fora (de mercadorias, de imagens, de estilos ocidentais e de identidades consumistas) tem correspondência num enorme movimento de pessoas das periferias para o centro”.

As projeções simbólicas ocidentais, em grande medida ancoradas nas imagens mediáticas e nas muitas manifestações hiperreais da contemporaneidade (Eco, 1994), tendem a fomentar formas de imaginação povoadas por ilusões profundamente apelativas. Destas ilusões nascem, frequentemente, projetos migratórios que culminam em desilusões decorrentes de divergências mais ou menos acentuadas entre o que, à partida, se imaginou como vida alternativa e aquilo que, de facto, se vive à chegada, no contexto de acolhimento. Trata-se do duro contraste entre as ilusões do emigrante e os sofrimentos do imigrante (Sayad, 1999). A maioria das mulheres de Ponta Negra que já concretizou pelo menos uma mobilidade transatlântica deixa perceber que a experiência lhe mostrou uma Europa substancialmente diferente da que imaginava. Se num ou noutro caso as vivências estiveram em relativa sintonia com expectativas prévias, em muitos outros casos o resultado foi uma significativa desilusão entre o esperado e as experiências da vida quotidiana europeia8. Situações semelhantes são apresentadas nos trabalhos de Yvonne Riaño e Nadia Baghdadi (2007), Denise Brennan (2004) e Adriana Piscitelli (2007) relativamente às migrações de mulheres sul americanas na Suíça, Alemanha e Itália.

De um modo geral, são dois os principais focos da desilusão migratória feminina que testemunhei em Ponta Negra. Em primeiro lugar, a Europa em geral e o gringo que conheceram em particular não lhes propiciaram os níveis elevados de prosperidade e bem-estar que as suas fantásticas expectativas iniciais davam como certos. Foi o que aconteceu com a Rossana (24 anos, faz programas). Depois de uma temporada extravagante no Brasil com o então companheiro norueguês, em que gastaram cerca de R$30.000 (v.g., em hotéis de luxo em Fortaleza e em Natal, passagens aéreas para Natal e para o Rio de Janeiro, restaurantes e hotéis chiques no Rio, shoppings e lojas caras), foi com ele para Trondheim, “pensando que iria viver do mesmo modo, nesse luxo de vida”. A sua antevisão não podia ter sido mais enganadora. Já na Noruega, as dívidas do companheiro eram de tal forma que ela própria teve de pedir ajuda e prostituir-se para subsistir e regressar ao Brasil:

No Brasil, tudo o que eu pedia para ele, ele dava! Depois, chegou lá [Noruega] e acabou. Ele não deu mais dinheiro. Como gastou muito no Brasil, ele ficou numa situação difícil, sem dinheiro. Ele nem roupa me comprava e eu com muito frio. Quem mandou roupa para mim foi um holandês que conheci pela internet e lhe pedi que enviasse casacos para o frio. As compras que a gente fazia no shopping para comer era carne de porco e batata. Teve um dia que nem deixou eu comprar batata. Ele me disse que estava muito cara. Ele nem tinha dinheiro para comprar batata nesse dia. […] Estive três meses com ele na Noruega mais um mês de casados no papel. Nem um vestido de casamento ele comprou. Tive de usar uma roupa que eu tinha (Rossana, entrevista pessoal, dezembro de 2009).

Uma segunda razão forte para o desapontamento face à Europa decorre da constatação de que, ao contrário do que supunham ainda nos trópicos, os europeus não são assim tão condescendentes e progressistas em questões de género – sobretudo quando estão em causa mulheres racializadas e sexualizadas, como as brasileiras –, nem o respetivo companheiro, em concreto, tão cavalheiro, atencioso, romântico e moderno como aparentava durante a estadia turística em Ponta Negra. Esta desilusão deriva, inevitavelmente, do grande antagonismo estrutural das expectativas de intimidade recíprocas que presidem à constituição destas relações transnacionais: elas querem romper com um tradicionalismo de género desejado por muitos homens europeus e ambicionam uma modernidade relacional indesejada por esses mesmos homens (Sacramento, 2016). O relato que se segue mostra claramente as tensões resultantes da cobiça de diferentes modelos de intimidade e a acentuada mudança comportamental associada à deslocação do Brasil para a Europa:

Eu estive casada quatro anos com um italiano. No começo, ele dizia que gostava. Mas aí, depois, a convivência no dia-a-dia… Aí a gente viu que não era bem assim. Porque quando você gosta de alguém, em primeiro lugar você tem que ter respeito pela pessoa, ? Ele era muito agressivo. No Brasil se comportava de uma maneira e na Itália se comportava de outra maneira. Nos primeiros tempos, um amor de pessoa, um doce, uma pessoa amiga, uma pessoa companheira, parceira, romântico… Depois não! Começou a mudar muito. Foi ficando agressivo. […] Ciúme também. Começou com uma loucura, negócio de ciúme. Dizia que… Como eu tinha 20 anos mais moça que ele, aí ele criava coisa assim na cabeça. Eu sempre fui uma pessoa muito comunicativa, muito comunicativa. Eu gosto de conversar, eu gosto de fazer novas amizades. Só que isso incomodava ele. E eu gosto, porque não gosto de ser uma pessoa fechada. Fazia confusão. Dizia já que eu queria ficar com italiano. Aí eu também respondi a muita besteira ao pé da letra, ?! […] Sou uma pessoa que adoro viver, adoro viajar, adoro novas amizades e só não gosto de ninguém me sufocando. Ter um relacionamento com uma pessoa que te sufoque, não é legal, não é legal não, porque ninguém está na prisão, certo? A gente tem que ter liberdade, ? […] Aí, quando decidi mesmo… Tive uma conversa com ele em casa. Disse para ele que estava decidida. Já tinha conversado com minha mãe, com o meu pai a dizer que o ia deixar e todos me apoiaram, primeiro porque foram contra. Aí fui e conversei com ele. Foi a vez que ele me bateu. Fui conversar normal para terminar o relacionamento. Disse que estava muito sufocada, aí o que aconteceu? Foi quando ele me bateu. Aí pronto. Me arrependi mesmo ter-me casado com ele. Eu não costumo me arrepender de nada que eu faço nessa vida, mas desse casamento eu me arrependo amargamente! (Marineide, 27 anos, auxiliar de ação médica; entrevista pessoal, janeiro de 2010).

Às desilusões com a Europa e com a suposta prosperidade, estilo de vida e modernidade de género dos companheiros acrescem, amiúde, as dificuldades de adaptação ao contexto de acolhimento e a escassez de apoios de familiares e amigos. Segundo o testemunho de uma psicóloga brasileira que prestou aconselhamento na Suíça a imigrantes seus concidadãos, sobretudo a mulheres que lhe eram encaminhadas pela ONG Wisdonna Migrantinnen (Berna), estas dificuldades à chegada à Europa não estão, necessariamente, relacionadas com os cônjuges europeus e a vida familiar. Com bastante frequência também decorrem do inevitável choque cultural inerente à mobilidade transatlântica. Por vezes, os problemas de adaptação manifestam-se de forma quase simbólica, através de uma expressão exacerbada da ausência, por exemplo, de produtos tão emblemáticos da gastronomia popular brasileira como o feijão:

Eu tive uma cliente e o grande problema dela, naquela época, era não encontrar o feijão brasileiro. Aí, eu perguntei: Mas o que é o feijão para você? Ela respondeu, de imediato: O feijão é tudo para mim; toda a minha vida eu comi feijão! Ela queria voltar para o Brasil com a filha e abandonar o marido suíço só porque não tinha feijão. Parece anedota, mas não é. Eu até perguntei: Mas o seu marido trata mal você? Ele lhe bate, não lhe dá dinheiro? Ela respondeu que não. O marido a tratava bem. O problema era de adaptação e a falta do feijão era apenas uma questão de referência (Camila, 65 anos, psicóloga, imigrante na Suíça; entrevista pessoal, outubro de 2010).

O desencanto gerado pela experiência na Europa faz com que muitas destas mulheres regressem ao Brasil,9 para um quotidiano que lhes é familiar e, no caso das que voltam a Ponta negra, para um contexto onde se movimentam habilmente e onde poderão, por via das relações com os gringos, ensaiar a construção de um novo projeto migratório. A experiência gorada funciona para as próprias como uma importante referência na ponderação e preparação de novas mobilidades. No limite, pode ditar a firme decisão de não voltar a emigrar e de permanecer em Ponta Negra, mesmo quando estão em causa relações mais consistentes com europeus: “Já estive em Itália com o meu noivo. Óh lugar frio e escuro! Não quero sair daqui, não!” (Larissa, 24 anos, faz programas; entrevista pessoal, dezembro de 2009). Para potenciais interessadas na deslocação transatlântica, a desilusão e o consequente retorno de concidadãs funcionam como fatores de demonstração negativos que rivalizam com experiências de sucesso de que também têm conhecimento e que alimentam as suas melhores expectativas. É gerada, assim, alguma incerteza na quimera romântica de encontrar o gringo certo, ir para a Europa e viver feliz para sempre, o que tende a suscitar a adoção de atitudes mais seletivas e prudentes quanto à possibilidade de emigrar: “Já recebi muitas propostas para ir na Europa, mas só saio daqui se confiar muito na pessoa e for feito tudo certinho. Mesmo assim iria ser muito difícil para mim ir!” (Mariana, 25 anos, faz programas, um filho; entrevista pessoal, março de 2010). Neste e em muitos outros casos, a existência de filhos pode contribuir para um cuidado acrescido em construir-se um projeto migratório sólido, que dê garantias de sustentabilidade a longo prazo.

5 Conclusão

Em Ponta Negra, as mulheres locais estão expostas a um ambiente turístico fervilhante e cosmopolita e nele participam de diferentes formas. Por via desta participação, sobretudo quando envolve laços de intimidade com turistas europeus, e do crescente acesso aos “mediascapes” globais (Appadurai, 1996), elas são induzidas a imaginar a Europa, construindo “sistemas representacionais” (Salazar 2011a) que lhes proporcionam coordenadas de gestão dos seus trajetos biográficos, em especial no que diz respeito à possibilidade de emigrar. Apesar de pouco precisos, ambivalentes ou até mesmo ilusórios, os exercícios de imaginação e representação conduzem-nas a identificar prós e contras entre o Brasil e a Europa de que resultam contabilidades pessoais multifatoriais entre o efetivo (aqui, condições presentes) e o expectável (, prováveis condições futuras) que informam o processo de avaliação e escolha da geografia dos seus projetos de vida. Permanecer no Brasil, ensaiar algumas estadias no continente europeu em jeito de experimentação, emigrar ou viver sazonalmente nos dois contextos são as grandes opções que têm pela frente. As opções de mobilidade estão associadas, geralmente, à constituição de vínculos íntimos mais consistentes com os turistas europeus.

A imaginação feminina da Europa em Ponta Negra não é monolítica. Evidencia grandes ambiguidades, desde logo em termos de localização e representação geográfica. Por outro lado, congrega múltiplas imagens e expectativas (v.g., materiais, sentimentais, de género, de relação com o Estado) valoradas diversamente, que agrupei em dois paradigmas centrais do imaginário do continente europeu: o paradigma da terra prometida e o paradigma da terra fria e incerta. No primeiro, o mais recorrente, a Europa surge como destino amplamente propício à concretização de desígnios económicos, românticos, conjugais, de cidadania e de estilo de vida. Bastante menos expressivo, o segundo tende a remeter para uma Europa com as suas adversidades, pouco recetiva, sobretudo para os imigrantes, muito exigente em termos laborais e duplamente fria: a nível de clima e a nível de sociabilidades e afetos. As qualificações mais ou menos positivas subjacentes às diversas representações estão coligadas a múltiplas subjetividades e a diferentes disposições de agência para a realização da migração transatlântica.

Quando a mobilidade acontece, a imaginação prévia do continente europeu, permeada por ilusões mais ou menos pronunciadas, é confrontada com experiências de vida que suscitam reflexividade e, frequentemente, a calibragem e a ressignificação das representações que impulsionaram a decisão de emigrar. Deste processo reflexivo e retroativo pode, inclusive, resultar a interrupção do projeto migratório e o regresso ao Brasil; o que não deixa de fomentar apreensão entre as potenciais migrantes da rede de relações sociais daquelas que voltam ao contexto de origem e mesmo algumas indefinições nas idealizações mais auspiciosas da Europa. Tal como, em sentido contrário, os casos de sucesso migratório reforçam as representações positivas e estimulam ainda mais o desejo de emigrar, podendo mesmo aportar ideias mais sedutoras e esperançosas a quem não sente especial fascínio pela outra margem do Atlântico.

É inquestionável que as decisões de emigrar ou não, porquê, como e para onde estão muito dependentes da imaginação, da volição e da agência dos atores sociais (Riaño & Baghdadi, 2007; Smith, 2006). Porém, é forçoso não esquecer que a generalidade das migrações, bem como a própria imaginação que as impulsiona, são significativamente condicionadas por estruturas económicas e de poder situadas em diferentes escalas do sistema-mundo, configurando vincadas assimetrias de recursos e de possibilidades. Ainda que esta vertente mais estrutural não tenha sido uma dimensão de análise prioritária no presente texto, não posso deixar de assinalar que há sempre uma economia política da imaginação e dos fluxos migratórios que dela poderão resultar. Afinal, nem todas as mulheres têm as mesmas condições de capital económico, social e cultural para, numa espécie de agência em potência, idealizar e desejar um destino para emigrar e, menos ainda, para concretizar os desígnios que povoam a sua imaginação.

6 Agradecimentos

À Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, Portugal), pela bolsa de doutoramento SFRH/BD/60862/2009 para o trabalho de campo no Brasil e na Europa.

Ao Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD-UTAD), entidade financiada por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/04011/2020.

Ao Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA-IUL), instituição financiada pela FCT no quadro do projeto UIDB/04038/2020.

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