Callejones sin salida en la adolescencia: narrativas contemporáneas de abandono y adicción

Impasses no adolescer: narrativas contemporâneas sobre desamparo e drogadição

Impasses in adolescence: contemporary narratives about helplessness and drug addiction

  • Amanda Pacheco Machado
  • Mônica Medeiros Kother Macedo
Nesta investigação abordamos a recorrente tessitura da adolescência com a drogadição observada no contexto contemporâneo. A partir do método de Análise de Conteúdo, estabelecemos quatro categorias a priori para trabalhar o material oriundo de entrevistas realizadas com três adolescentes que estavam em tratamento em serviços de saúde pública devido ao abuso de drogas. Tal trabalho ocorreu com base nos aportes da Psicanálise, conferindo ênfase à passagem adolescente, à noção de desamparo e à relação entre a compulsão e a pulsão de morte. Foi possível acessar e explorar as condições presentes na história de vida destes adolescentes que levam a afirmar a relevância de priorizar a escuta e a compreensão de elementos que aludem ao singular processo de busca e de investimento exclusivo no objeto-droga na experiência de adolescer. A Psicanálise, ao outorgar voz ao sujeito, possibilita construir vias para ampliar as possibilidades de intervenção diante das manifestações de dor psíquica.
    Palavras chave:
  • Adolescência
  • Drogadição
  • Psicanálise
  • Saúde Pública
In this investigation, we addresses the recurrent connection between adolescence and drug addiction as it is observed in the contemporary context. From the Content Analysis Technique, we establish four categories a priori to work the material from interviews with three adolescent who were in treatment in public health services for drug abuse. This work was based on the contributions of Psychoanalysis, emphasizing the adolescent transition, the notion of helplessness and the relation between compulsion and death drive. It was possible to access and explore the conditions present in the life history of these teens that lead to affirm the importance of giving priority to listening and understanding the elements that lead to seeking and using drugs for the adolescent. Psychoanalysis, by providing the subject an insight into the uniqueness of their history and experience, enables to expand the possibilities for intervening before the manifestations of psychic pain.
    Keywords:
  • Adolescence
  • Drug addiction
  • Psychoanalysis
  • Public Health

1 Introdução

A adolescência pode ser compreendida como a travessia de uma condição infantil para uma condição adulta. Trata-se, segundo Veridiana Alves de Sousa Ferreira Costa e Maria de Fátima Vilar de Melo (2017), de uma operação psíquica que ultrapassa as delimitações cronológicas e as transformações da puberdade. As mudanças corporais, a exigência de ressignificações e as demandas socioculturais podem repercutir em efeitos estruturantes ou desestruturantes na construção da subjetividade. Destacamos, portanto, a inegável existência e intensidade de elos que entrelaçam o corpo, o psíquico e o social na travessia da adolescência.

Partindo do protagonismo assumido pelo corporal, a adolescência conforme Costa e Melo (2017), irá situar o sujeito adolescente perante um impasse de perdas e renúncias, tanto do plano narcísico, como objetal, as quais irão lhe impor um trabalho de simbolização que lhe possibilite novos posicionamentos em suas relações interpessoais e com as autoridades, bem como novas modalidades de resposta às proposições do imaginário social. Tais condições antecedem e perpassam a transição adolescente do núcleo familiar para o cenário social mais amplo. Essa transição pode constituir-se como um processo árduo, o qual pode suscitar o aparecimento de processos próprios da adolescência, como a exposição a riscos, por exemplo. Esses riscos podem fazer com que o adolescente trate de buscar novas formas de dominar o novo e o enigmático corpo, satisfazendo-lhe a necessidade de sentir-se autônomo. Neste sentido, de acordo com Elaine Rosner Silveira (2013), ainda que o movimento em direção a novas atividades seja positivo, também pode conduzir a caminhos nocivos, dentre os quais se sobressai, na atualidade, a adição às drogas.

O uso de drogas, conforme Oscar Segú (2013), tende a ter início na passagem para a adolescência e permite que se identifique as seguintes causas para tal ocorrência: a transição do núcleo familiar para o grupo de pares, o estabelecimento de um projeto de vida e as questões relacionadas à sexualidade. A busca por drogas neste momento da vida pode estar associada às demandas que exigem que o sujeito se depare com sua subjetividade e interesses. Considera, ainda, o autor que a retomada das questões sexuais na adolescência traz à tona o que foi vivenciado durante a sexualidade infantil, exigindo que o adolescente possa eleger, agora, um objeto erótico exogâmico. Tais enfrentamentos da adolescência podem incrementar fragilidades psíquicas e levar ao incremento de uma condição de desamparo e de mal-estar.

A drogadição na adolescência pode, neste cenário, apresentar-se como tentativa de dar fim a essas fontes de mal-estar, sendo uma experiência que se destaca como forma pela qual muitos de jovens têm enfrentado seus conflitos atualmente. Ressaltamos, conforme Segú (2013) que as possibilidades ou as impossibilidades de resposta do sujeito frente a um mal-estar do qual padece, relacionam-se com os recursos que foram

construídos ao longo de sua história e na interação com o campo social. Assim, o uso de drogas constitui, freqüentemente, uma modalidade de o adolescente tentar silenciar e anular as interrogações subjetivas acerca de si mesmo.

Sabe-se que o uso de drogas não é uma questão contemporânea, uma vez que podemos constatar sua ocorrência ao longo de diferentes épocas históricas. O objetivo de seu uso, porém, passou por importantes transformações. Segundo Joel Birman (2014), nas décadas de 1950, 1960 e 1970 as drogas eram usadas atreladas a um projeto existencial, o qual almejava transformações no mundo, apresentando um caráter ético e político. A partir dos anos 1980 e 1990, de acordo com o autor, observa-se uma profunda transformação na gramática do uso de drogas, a qual repercutiu na desarticulação de sua dimensão existencial. Nesse cenário, a busca pela droga, por um lado, passou a constituir-se como forma de suportar os desgostos do cotidiano e, por outro lado, como modalidade de conferir incremento a performance do sujeito frente às demandas da atualidade. É possível compreendermos, conforme Birman (2014), que estas transformações relativas ao uso de drogas aludem à passagem de uma posição de encantamento do sujeito com o mundo para uma posição de desencantamento. Para o autor, o que se encontra subjacente à utilização de drogas no contexto contemporâneo é justamente o imperativo da performance.

A exigência de performance, para Guy Debord (1997), pode ser considerada como uma das principais marcas de nossas relações na atualidade. Frente aos aspectos individualistas predominantes na atualidade, o autor destaca que é a partir dessas características que os atores se inserem na sociedade, na condição de personagens que necessitam utilizar máscaras para que possam sentir-se incluídos no cenário social. Torna-se relevante, então, considerarmos esta exigência performática, não só pelo impacto gerado, mas, também, como uma forma de atribuir valor a si próprio. Ou seja, trata-se de uma situação na qual o sujeito parece carecer de outras formas de atribuição de valor a si mesmo sem a sistemática e imperativa busca por validação social. Em segundo plano, mas não menos importante, percebe-se a fragilidade presente tanto nos vínculos estabelecidos, como nas questões sociais e culturais relativas à constituição da subjetividade. Dessa maneira, podemos inferir que a labilidade dos vínculos e dos referenciais sociais pode originar um vazio relativo à identidade e ao pertencimento social, em consequência de um incremento à condição de desamparo. Ao considerar o enlace entre essas condições e demandas contemporâneas às conflitivas próprias ao adolescer, as quais atualizam o desamparo, é possível vislumbrar a intensidade do mal-estar que pode irromper no sujeito adolescente.

Na tentativa de preenchimento deste vazio identitário surge, muitas vezes, o uso de drogas como forma de enfrentamento ou anestesiamento da intensa dor de existir. No intuito de compreender a função da drogadição na vida de um sujeito, é fundamental considerarmos as tessituras de seu histórico-vivencial às especificidades das demandas advindas do cenário social. Nessa linha de pensamento, destacamos a diversidade presente no uso de drogas, a qual indica que cada sujeito estabelecerá com o objeto-droga uma relação singular, conforme o lugar ocupado por esse em seus investimentos psíquicos e sociais. Cabe estabelecer a diferença existente entre o consumidor de drogas regular ou irregular, e aqueles que são identificados como toxicômanos.

A toxicomania, segundo Birman (2012), envolve a dependência física e psíquica à droga, na qual se sobressai a impossibilidade do sujeito de poder viver sem ela. Logo, compreendemos que, tal como a toxicomania, a definição de adição ou de drogadição também se encontra perpassada pela noção de compulsão, explicitando uma modalidade de uso que vai, gradativamente, restringindo os investimentos do sujeito para além da droga. Os termos toxicomania, adição e drogadição, portanto, foram utilizados como sinônimos por compreender-se que os três contemplam o caráter aprisionante e compulsivo. Dessa maneira, buscamos explorar e problematizar, por meio de uma pesquisa qualitativa sobre a drogadição na adolescência, as condições e os elementos presentes na história de vida de adolescentes a fim de descortinar elementos deste relevante e heterogêneo campo de investigação.

2 Participantes1

Foram participantes deste estudo dois adolescentes do sexo masculino e uma adolescente do sexo feminino. Os três jovens tinham 19 anos e estavam em tratamento devido ao abuso de drogas em uma instituição do serviço público de saúde destinado a usuários de substâncias psicoativas. Os adolescentes foram localizados por conveniência e foram submetidos a uma avaliação a partir do Screening Cognitivo do WAIS-III (Wechsler, 1997), o qual atestou a ausência de qualquer prejuízo cognitivo, de transtorno ou sintomas psicóticos, de retardo mental ou de qualquer outra alteração de lógica e de raciocínio. Elegemos a delimitação cronológica estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1986), que circunscreve a adolescência dos 10 aos 19 anos de idade.

3 Procedimentos

Seguindo os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, a partir da autorização das instituições para realização da pesquisa, apresentamos o objetivo do estudo e os procedimentos da investigação aos possíveis participantes. Mediante a concordância em participar da pesquisa, eles assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e participaram individualmente de quatro entrevistas compostas pelos seguintes tópicos: (1) história de vida do participante; (2) o uso de substâncias psicoativas; (3) significado do tratamento buscado; (4) devolução ao (à) entrevistado (a) do que fora compreendido a respeito das questões abordadas até então. As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo a análise deste material realizada a partir de quatro categorias construídas a priori, com base na revisão da literatura, conforme a Análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin (1979).

4 Resultados e discussão

A partir da definição de quatro categorias a prioriVivências significativas na história de vida dos adolescentes; A busca do objeto-droga como recurso do Eu diante da dor psíquica; Motivações e Significados na busca pelo tratamento e Possibilidades de projetos futuro? Desafios ao Eu diante da drogadição –, passamos à discussão dos achados. As categorias foram problematizadas por meio do recurso à teoria psicanalítica e do trabalho interpretativo com as falas dos participantes.

4.1 Categoria 1: Vivências significativas na história de vida dos adolescentes

Diante de acontecimentos importantes e em momentos críticos da história de vida de um sujeito, torna-se imprescindível compreender a relação entre os fatos e sua capacidade interpretativa. Para tal, é relevante dar voz ao sujeito para que ele possa narrar a história desde a sua perspectiva. No intuito de investigar a complexidade do uso de drogas, buscamos construir vias de reflexão sobre experiências relativas à constituição psíquica e à produção de subjetividade dos adolescentes.

A constatação de que o alívio de tensões internas requer uma ação advinda do exterior possibilitou a Sigmund Freud (1895/1996; 1905/1996) ressaltar a importância do outro no processo de constituição psíquica e, também, apresentar seu conceito de pulsão. A partir da inerente condição de desamparo que marca o nascimento do bebê humano devido a sua imaturidade biológica, torna-se fundamental a presença de um outro provido de condições para oferta-lhe o mínimo de cuidado e deixa-lo livre do desprazer causado pelos estímulos. Quando o outro exerce essa ação específica sobre o bebê, satisfazendo-lhe as necessidades autoconservativas, segundo Freud (1895/1996), inauguram-se, também, outras demandas que darão início a “estímulos” distintos da autoconservação e que provêm do interior de seu próprio corpo.

Estas intensidades internas, nomeadas por Freud (1905/1996) de pulsões, indicam a existência de estímulos internos, de força constante e dos quais não se pode fugir. As demandas pulsionais constituem-se como exigência de trabalho ao psiquismo. Nessa perspectiva, o encontro primordial conta da inscrição da qualidade do experenciado no campo intersubjetivo. A necessária presença do outro, para Luis Hornstein (1989), encontra-se tanto na base da inscrição da pulsão, marcando o encontro entre uma ordem biológica e uma ordem intersubjetiva, como, também, na instauração da sexualidade incipiente. Assim, “a mãe cumpre para o bebê uma função de prótese indispensável, já que, permanentemente, testemunha que ele não é simples resultado de um acidente biológico, mas que é alguém ansiado libidinalmente por ela” (Hornstein, 1989, p. 144).

Diante da relevância da qualidade das experiências iniciais, apresentamos as histórias de vida de Alexandre*, de Cássia* e de Renato*2 que permitem explorar singulares nuances no campo intersubjetivo. Afirma-se, assim, a importância atribuída pela Psicanálise ao papel desempenhado pelo contexto social no processo de constituição psíquica de um sujeito e na constituição de condições de processar o experenciado.

O caso extraconjugal dos pais de Alexandre levou o genitor a romper o primeiro casamento, abandonando as filhas fruto desta relação. Já casado com a mãe de Alexandre, segundo conta sua tia, o pai teve mais uma filha, a quem, também, abandonou. Por ser o primeiro filho homem do pai, Alexandre conta ser o seu “xodó”. Sobre sua infância, ele diz que o pai “nunca deixou faltar nada, sempre deu do bom e do melhor”, referindo-se as “roupas e tênis caros”. A versão a respeito do privilegiado lugar de investimento junto ao pai é confrontada pelo relato de sua tia e parece desvelar a negação de percepção do abandono ao alterar o parco investimento paterno em relação a ele.

Cássia refere ter sido a “caçula do pai”. Na ocasião da gravidez de Cássia, seus pais desejavam ter um filho homem. Mesmo frustrada essa expectativa, Cássia considera ter tido uma “forte ligação” com o pai, contrastada a um importante afastamento da mãe. Esses matizes da relação de Cássia com seus pais, aparentemente, dificultam-lhe narrar os episódios de sua infância marcados pela violência paterna em relação a ela, à mãe e às irmãs. Quando conta destas situações, Cássia busca maneiras de reparar o que havia dito. Essa questão é ilustrada por meio de episódios de sua infância nos quais observava o pai sob o efeito da maconha. Mesmo sem entender o que estava se passando, Cássia não se sentia autorizada a perguntar por medo “de deixar de ser sua caçula”. Interpreta as situações paternas da seguinte forma: “era como se pedisse desculpa, como se dissesse: isso é errado, nunca faz isso minha filha”. Cássia altera a percepção da violência e do vício paternos na forçada atribuição de cuidado para com ela.

Segundo a mãe adotiva de Renato, irmã de seu pai biológico, o jovem é fruto de uma gravidez indesejada. Os três primeiros meses de sua vida foram marcados por frequentes internações hospitalares em função de problemas de pele sem causa identificada. No terceiro mês de vida, sua mãe biológica anunciou que o abandonaria, levando a tia paterna a adotá-lo. Renato sabe quem são seus pais biológicos e convive com eles desde pequeno, mantendo um vínculo de amizade com o pai, contraposto a uma relação difícil com a mãe. Nas entrevistas com o jovem, a adoção intrafamiliar não é mencionada, silenciando possíveis questionamentos a respeito de tios que se tornaram pais e pais que passaram a serem tios.

As histórias de Alexandre, de Cássia e de Renato são perpassadas por importantes alterações, reparações e omissões de acontecimentos que envolvem pessoas significativas de suas vidas. Nesse sentido, o ponto comum das situações vivenciadas por eles alude a vivências marcadas pela ausência ou pela precariedade no encontro com o outro primordial, levando ao prejuízo na instauração de recursos psíquicos para enfrentar e metabolizar as intensidades presentes nas diferentes faces de abandono, violência, negligência e ausência de palavras.

Renato conta sobre os efeitos em si mesmo de experiências relativas à precária disponibilidade afetiva no cenário familiar: “Eu sentia um desprezo, como se eu quisesse conversar com alguém e aquela pessoa não tivesse tempo para ti”. A indisponibilidade do outro é confirmada pela mãe adotiva, que com tristeza, reconhece a própria dificuldade de ouvi-lo:

Eu não consigo ouvir ele. Tem momentos que ele quer me contar e eu minto que não tenho tempo... Tem momentos que ele quer me contar e eu digo: pelo amor de Deus, não me fala, não me conta. Não sei se isso faz bem ou mal pra ele. Eu não estou preparada para isso. (mãe adotiva de Renato, entrevista pessoal, maio de 2011).

O que ela teme ouvir? A adoção intrafamiliar parece ter imposto silêncios. A convivência diária com pais/tios e tios/pais possivelmente suscite questões em Renato. O impedimento à circulação da palavra por parte do adulto explicita fraturas no cuidado ofertado, descortinando outros elementos relativos ao desamparo. Como visto, o desamparo constitui-se como dimensão fundante da condição humana, demarcando, conforme Cristina Cavalcanti e Maria Cristina Poli (2015) a insuficiência própria ao início da vida para dar conta do excesso de excitação pulsional característico desse tempo. Segundo as autoras, cabe ao sujeito a partir do encontro com o outro construir circuitos pulsionais que o auxiliem na dominação das intensidades que o afetam, criando representações simbólicas para refrear os excessos. O atendimento das necessidades biológicas abre vias para o surgimento de um novo tipo de necessidade, não mais biológica, mas psíquica. Diante da demanda por amor e afeto, o desamparo primordial torna-se desamparo psíquico, acompanhando o sujeito no decorrer de sua vida e no estabelecimento dos laços sociais. Nessa perspectiva, a partir das exigências pulsionais próprias à passagem adolescente, podemos situar a possibilidade de um incremento à condição de desamparo, o qual revela a precariedade de recursos que, nesse momento da vida do sujeito poderiam estar disponíveis.

A mãe adotiva implora a Renato que não fale, impedindo-lhe o recurso da palavra. Esta dificuldade faz com que o jovem se “apresente” apenas por meio de sua história com as drogas e justifique não deixar as drogas pelo fato de ser “influenciável” pelos amigos. Frente à impossibilidade de enfrentar as demandas do adolescer, Amanda Machado e Mônica Macedo (2016) consideram que se instaura um excesso ao desamparo que atribui ao outro a satisfação imediata e o preenchimento do vazio próprio à dor da vida cotidiana. Nuances da passividade diante da demanda do outro se apresentam, também, na relação de Alexandre com sua mãe: “Eu era criança de pátio, não saía pra nada, só saía quando a minha mãe saía na frente com nós [ele e os irmãos], também na hora que ela quisesse entrar, nós tínhamos que entrar. A mãe sempre foi rígida”. Aos 14 anos, sua família mudou-se de cidade em função da traição paterna e Alexandre passou a ser considerado “grande” pela mãe, que passou a lhe permitir circular sozinho na rua. Segundo ele, “foi aonde que eu desvirtuei a cabeça”. Não mais sob o controle da mãe e diante das bruscas mudanças vividas descortina-se a internalização de formas precárias de cuidado ao si mesmo.

As experiências referidas por Renato, Cássia e Alexandre desvelam-se análogas ao que Eurema Gallo de Moraes e Macedo (2011) definem como uma vivência de indiferença. A indiferença é conceituada pelas autoras como “uma qualidade de violência imposta à criança por parte do adulto em um tempo primordial de estruturação do psíquico” (p. 42). Na vivência de indiferença imprime-se o não reconhecimento do que constitui a singularidade do outro: seu existir. O adulto nessa vivência, não conta com recursos necessários à capacidade de ligar-se afetivamente à criança. Na impossibilidade deste investimento não há o trabalho de ligação e interpretação das intensidades internas que acometem a criança, predominando o desamparo e a vigência das intensidades (Moraes & Macedo, 2011). Cássia conta sobre a relação parental:

Tudo o que eu fazia, o meu pai brigava com a minha mãe, era culpa dela. Lembro que ela falou: ‘Quando o teu pai morrer, eu vou te largar de mão. Tu some da minha frente’. Quando eu tinha 7, 8 anos, via o meu pai batendo nela por causa de uma coisa que eu aprontava. (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

Nas narrativas de Alexandre, de Cássia e de Renato há importantes fraturas no campo intersubjetivo, nos processos de identificação e de construção de um ideal. No cenário da indiferença há o aprisionamento, conforme Moraes e Macedo (2011), a uma desapropriação do si mesmo. O precário investimento libidinal em si mesmo e no campo da alteridade expõe a fragilidade de um psiquismo que, construído sob a desautorização de sua condição de existir, só pode atacar ou ignorar. Alexandre narra os efeitos da precariedade do olhar sobre o si mesmo; Cássia conta do encontro com o outro tecido a partir da violência física e psíquica; para Renato, o tema de suas origens mostra-se uma questão em aberto. São distintas histórias de vida que conduzem a compulsiva busca por um objeto-droga na adolescência.

As demandas próprias ao adolescer, segundo Luciana Gageiro Coutinho (2015), principalmente, no que se referem ao elaborar os ideais parentais, situam o sujeito em um momento de intensa fragilidade psíquica, o qual poderá atualizar o desamparo. Decorrente dessas dificuldades, com frequência, ocorre à exposição a riscos, denunciando a precariedade do cuidado ao si mesmo. A autodestrutividade pode surgir no disfarce de “acidentes”, como conta Renato: “Às vezes, que eu sou bem desatento pra andar na rua, nas ruas. Os carros tiram fininho, às vezes e eu fico: ‘como é que eu não vi os carros?”. Ao nomear-se “desatento”, ele traz à tona o paradoxo que perpassa a vigência do ato: por um lado, propicia o alívio, por outro lado, conduz o sujeito a exposição a riscos. Seus pais demoraram a se dar conta de seu uso de drogas, pois o que se iniciou como falta de frequência à escola e diminuição de cigarros na carteira do pai, ao ser percebido já configurava um uso abusivo de drogas.

A busca pela droga e seu uso abusivo, de acordo com Silveira (2013), podem propiciar ao adolescente uma via de reviver as fantasias de onipotência, produzindo um alívio perante a angústia própria das conflitivas da adolescência. Podemos, assim, compreender que o processo de adolescer, por si só, independente da maneira como é vivenciado, desencadeia angústias e produz um mal-estar interno. Contudo, ainda que os adolescentes se deparem com a exigência de intenso trabalho psíquico, não são todos que buscam em um objeto-droga uma maneira de enfrentar sua angústia.

4.2 Categoria 2: A busca do objeto-droga como recurso do Eu diante da dor psíquica

Na constatação de que a vida configura-se, também, como fonte de dificuldades, de decepções e de sofrimento, Freud (1930/1996) discorre sobre a condição interna de mal-estar que acomete o sujeito e lhe impõe buscar maneiras para enfrentá-la. Uma das principais fontes da qual advém o mal-estar, segundo Freud (1930/1996), é a inserção do sujeito na cultura, em virtude de que esse ingresso requer a renúncia humana, pelo menos parcial, à agressividade. Perante pressões externas e internas, o mal-estar instaura-se como forma de resposta, que somente encontrará alívio por meio de medidas paliativas, dentre as quais está à recorrência às substâncias tóxicas. Circunscreve-se, nessa condição, o principal perigo dos tóxicos e sua capacidade de causar danos, pois no intuito de ser usado para “aliviar” a dor, tende a se tornar depositário de grande quota de investimentos do sujeito. As narrativas dos participantes da pesquisa revelam o lugar cada vez mais central do tóxico em suas vidas:

Eu já não estudava mais, só vivia na droga, de segunda a segunda. Não tinha um horário certo, já nem tomava café e ia usar cocaína direto. Tinha vezes que nem via minha mãe, ficava uma semana, três, quatro dias sumido (Alexandre, entrevista pessoal, junho de 2011).

Tinha uma vez que fiquei uma semana só bebendo, manhã, tarde e noite. O que eu comia? Nada! Só bebia, fiquei um palito (Renato, entrevista pessoal, maio de 2011).

Esse rapaz que eu morei junto começou a traficar para a mãe dele e na primeira vez que a gente conversou, ela me convidou pra cheirar com ela. E eu fui. Era sexta, sábado e domingo e eu estava na casa dela cheirando. A cocaína me adormecia [a garganta], me deixava acordada. Eu não conseguia dormir e também não sentia fome, não conseguia nem tomar água, porque adormecia a garganta e eu simplesmente não comia nada. (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

Ao denunciarem o aumento progressivo do investimento no objeto-droga, os adolescentes nos possibilitam indicar a precariedade e o crescente desinvestimento em recursos do Eu. Assim, decorrente da exclusividade progressiva do investimento no objeto-droga, outros aspectos da vida dos participantes, como declara Cássia, passam a ser marcados por um “adormecimento” quase permanente. Entende-se que o objeto-droga passa a ocupar o lugar tanto do que deveria garantir a sobrevivência física, como, também, a obstruir vias de acesso à palavra. Diante da escassez de recursos, a experiência de Cássia, ao procurar um adulto para conversar e ser convidada por ele a cheirar cocaína, reitera a violência na experiência alteritária.

O uso dessas medidas paliativas ofertadas pela droga ocorre na tentativa de o sujeito moderar e escoar suas intensidades psíquicas, buscando silenciá-las para que seja possível lidar com as demandas cotidianas. Dessa maneira, a partir da complexidade destacada por Freud (1930/1996) sobre o ingresso na ordem cultural, a fala dos participantes indica que a singularidade da constituição psíquica de cada sujeito também exercerá papel fundamental nesse processo de renúncias e no modo de enfrentamento do Eu com o mal-estar.

Os destinos dados aos investimentos a partir de dramáticas condições dessas trajetórias adolescentes possibilitam evidenciar, conforme destaca Birman (2012), a precariedade e a fragilidade do Eu no que tange aos interditos reais e simbólicos que deveriam atuar como organizadores do psiquismo. Cássia evoca com sua fala tal insuficiência: “Eles me deram limite pra nada. Tudo o que eu fazia de errado, meu pai passava a mão por cima. Quando ele me batia, no outro dia, me enchia de presente”.

Desvela-se, aqui, a impossibilidade de que os interditos se façam presentes sem as marcas da violência física e psíquica. Diante desses excessos, Cássia fica entregue a uma experiência de solidão. Torna-se possível, assim, levantar hipóteses a respeito do predomínio dessas intensidades nos sintomas apresentados por Cássia como, por exemplo, a insônia. Nessa direção, ao descrever o início do período de uso do crack, a participante refere um estado de hipervigilância devido ao medo de que alguém a estivesse “perseguindo”, o que, às vezes, a impossibilitava, inclusive, de se movimentar. O objeto-droga parece acabar por atualizar, de forma mais intensa, o desamparo e a violência.

Desde experiências familiares de um contexto marcado pela violência, Cássia fica entregue a uma condição de passividade, na qual predomina a vigência do ato como forma de descarregar o que não pode ser metabolizado. Dessa maneira, considerando-se vivências já mencionadas pela participante, é possível perceber a reprodução dessa modalidade violência/passividade nas situações extrafamiliares que vão se apresentando e sendo buscadas por ela em sua vida. Torna-se viável, portanto, considerar a condição de aprisionamento do Eu no descuido a si mesmo. Na tentativa de obter segurança e proteção, não encontradas nas relações do sujeito, como afirma Birman (2012), a dificuldade de enfrentar seu mal-estar ocorre, muitas vezes, no estabelecimento de relações de servidão e submissão.

O caráter servil pode vir a constituir-se como qualidade essencial da relação estabelecida entre um sujeito e um objeto-droga quando se configura um uso adictivo. O predomínio dessa modalidade de consumo, de acordo com Gurfinkel (2011), pressupõe uma relação que escraviza, na qual o sujeito adicto perde sua liberdade de escolha, não sendo mais capaz de optar por fazer uso ou não do objeto. Percebe-se a eminência de um processo no qual, devido ao aprisionamento e a escravização a um objeto-droga, por exemplo, o Eu parece ficar destituído de valor. Exemplificando a perda de valor próprio, Cássia diz que, em determinado momento de sua vida, passou a prostituir-se para poder adquirir e consumir a droga, não se importando se os programas eram pagos com dinheiro ou com drogas.

A condição tanática da servidão psíquica própria da drogadição, para Carolina Dockhorn e Mônica Macedo (2014), origina-se em uma singular modalidade de encontro primordial. Nessa modalidade de relação, segundo as autoras, encontram-se presentes “pactos mortíferos aniquiladores da condição de ser e estar no mundo, ou seja, aniquila-se a condição de existir como um sujeito psíquico, reconhecido e investido como tal no campo da alteridade” (p. 10). A destruição e o mortífero mostram seus matizes no ‘relacionamento’ de Cássia com um rapaz catorze anos mais velho que ela:

Ele começou a traficar e ele usava. Depois foram as brigas, a gente brigou muito. A gente não tinha mais como se sustentar. Ele começou a me bater por causa da droga e eu já discutia junto, já não aceitava, queria bater nele (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

Quando ocorrem falhas no encontro com as figuras primordiais e o Eu fracassa diante das exigências pulsionais, deixando importantes fraturas narcísicas, Rafael Marucco (2013) considera que a drogadição pode apresentar-se como um sintoma. A busca do Eu por um objeto-droga, na tentativa de evitar deparar-se com as experiências de dor, é ilustrada nas falas de Cássia e de Renato a respeito do início do uso, respectivamente, de cocaína e tabaco/maconha. Para ambos os participantes, o elemento decisivo para o início do uso de drogas refere-se a não terem suportado a “mentira” de outros. Para Cássia, as mentiras surgiram quando começou a suspeitar que seu companheiro estivesse usando crack, fato por ele negado. No momento em que confirmou com terceiros suas suspeitas, ela se sentiu no “direito” de, também, usar um objeto-droga, cheirando cocaína pela primeira vez. Renato, por sua vez, estava apaixonado por uma menina para quem escrevia poesias e com quem nunca chegara a ter uma relação. Diz que, em determinado momento, descobriu “pelos outros quem ela era”. Diante da “facada no peito” advinda dessa experiência, Renato justificou ter consumido tabaco pela primeira vez, passando em seguida para a maconha. Salienta-se nessas experiências o efeito da decepção com o outro em relação à percepção do si mesmo, o que se reflete em um prejuízo na capacidade de pensar, avaliar e dispor de condições para enfrentar as situações. Ou seja, a hostilidade se volta contra o si mesmo.

O discurso proferido pelo outro pode assumir, diante da fragilidade do Eu, grande importância. Nas experiências de fraturas no campo da alteridade, de acordo com Moraes e Macedo (2011), é possível considerar que um importante prejuízo instala-se no registro da confiança. Nessas situações, a desconfiança irrompe como um precário recurso aparente de cuidado ao si mesmo. Entretanto, o que se desvela “é a desconfiança do sujeito por não saber o que o outro pode fazer com ele, mas também por não saber o que fazer com o que é do outro” (Moraes & Macedo, 2011, p. 72). Renato aprisiona-se na decepção com quem não conhece. Cássia fica aprisionada na reprodução do que nomeia de traição do outro a ela. A busca de Cássia pela cocaína, e de Renato pelo tabaco/maconha, dão à droga a incumbência de disfarçar ou anestesiar a intensidade de dor advinda daquilo que desconhecem sobre si mesmos.

A procura do sujeito pela droga, de acordo com Marucco (2013), relaciona-se mais a uma tentativa de tratar a dor do que buscar a satisfação. Assim, ressalta o autor, se, inicialmente, o objeto produz prazer, o desfecho do uso é sempre marcado pelo retorno de um mal-estar (quase) insuportável. As buscas de Alexandre, Cássia e Renato por um objeto-droga vão ao encontro dessas considerações de Marucco (2013), revelando uma tentativa de tamponar experiências de dor. Nesse sentido, os três participantes declaram que, no momento em que cessa o efeito da droga, emerge uma “fissura” e uma inquietação que duram até o reinício do consumo. Esse espaço de tempo é, de acordo com as experiências dos participantes, marcado por uma submissão do pensamento e das ações à busca de novas maneiras de conseguir a droga, sobressaindo-se, assim, a instalação de um circuito repetitivo.

O ritmo repetitivo, conforme Marucco (2013) se estabelece como efeito do predomínio da pulsão de morte no psiquismo, mostrando sua força ao reduzir o campo libidinal do sujeito e elevar o objeto-droga a uma condição de exclusividade nos investimentos. O sujeito evita, assim, o encontro com outros objetos que possam fazer com que se depare, novamente, com a dor psíquica. A pulsão de morte, portanto, segundo o autor, aos poucos vai desencadeando a morte do desejo do sujeito de buscar outros objetos a fim de evitar o encontro com as dores de sua história de vida.

A noção de pulsão de morte desenvolveu-se a partir das observações de Freud sobre aos acontecimentos da Primeira Grande Guerra, desdobrados em singulares demandas clínicas. Ao perceber que o sistema “princípio de prazer-desprazer” adotado até então não oferecia sustentação para a compreensão do impacto de outros fenômenos no psiquismo, Freud publica em 1920 o texto “Além do princípio do prazer”, oferecendo subsídios para a compreensão de situações que tendem a ocorrer e se repetir sem levar o sujeito a obter nenhum tipo de satisfação e, tampouco, a elaboração. Nesse sentido, o autor proporciona subsídios teóricos para a compreensão de situações de um déficit que conduz o sujeito ao que nomeou de compulsão à repetição. Freud (1920/2006) passa a considerar que existe, no aparelho psíquico, uma espécie de escudo que o defende dos excessos advindos do exterior e do interior. A ação desse escudo é evitar a ameaça do traumático. No entanto, quando o escudo protetor não consegue impedir o estímulo, e este irrompe no psiquismo, instala-se um efeito traumático que desencadeia perturbação em todo o funcionamento do aparelho psíquico. Frente a tal perturbação, a tarefa principal passa a ser a de tentar dominar o estímulo a fim de atribuir sentido às intensidades. Considerando-se que as intensidades sem representação podem levar o sujeito ao processo de repetição compulsivo e mortífero, introduz-se o novo dualismo pulsional freudiano: se, por um lado, existem pulsões (de vida ou Eros) que visam a autopreservação, por outro, também existem aquelas (de morte ou Tanatos) que conduzem à agressividade e à destrutividade.

O conceito de pulsão de morte tem extrema relevância na compreensão da complexidade presente em padecimentos psíquicos como a drogadição. André Green (2010) propõe problematizar a ação da pulsão de vida e da pulsão de morte por meio de suas respectivas funções objetalizante e desobjetalizante. Para o autor, as pulsões de vida são responsáveis por estabelecer uma relação com o objeto, interno e externo. A pulsão de vida via função objetalizante pode, portanto, tornar o próprio Eu objeto a ser investido pela libido, promovendo a estruturação de um narcisismo de vida. Já, o objetivo da pulsão de morte, segundo o autor, refere-se a empreender, tanto quanto for possível, uma função desobjetalizante por meio do desligamento. Compreende-se que não se trata de um ataque restrito à relação com o objeto, mas também a todos os seus substitutos. Nesse sentido, Green (2010) considera que as matizes de destrutividade próprias da pulsão de morte indicam o desinvestimento. Nesta direção, a pulsão de morte mostra sua força quando o Eu percebe-se desvitalizado para buscar outras formas de lidar com os excessos e com os conflitos internos e externos. Trata-se de uma condição, portanto, na qual o sujeito encontra-se em sofrimento, o qual emerge diante de situações de perda, de rejeição e de decepção impostas por um objeto investido pelo Eu. Essa temática é ilustrada na fala de Alexandre ao contar sobre o rompimento de seu namoro:

Eu tava começando, comecei a namorar, eu larguei tudo por dois anos [parou de usar drogas]. Quando eu acabei com ela, comecei a usar, eu entrei de novo, daí não parei mais (...). Ela me ajudou a ficar sem usar droga (...). Era a melhor coisa que eu tinha, a única coisa que eu tinha no mundo. Perdi. Foi quando eu desvirtuei (Alexandre, entrevista pessoal, junho de 2011).

Alexandre e sua tia contam diferentes versões a respeito do término do namoro. Segundo ela, o namoro de Alexandre chegou ao fim devido a um pedido da família da menina, que não queria vê-la envolvida com “um marginal”. Na constatação deste confronto entre as duas versões, destaca-se, novamente, uma importante alteração feita pelo adolescente diante de uma experiência dolorosa. O relato de Alexandre ilustra a busca pelo objeto-droga como uma medida já conhecida, de criar uma espécie de distanciamento e impedir qualquer possibilidade de sentir a dor psíquica diante da perda de um objeto amoroso.

O predomínio da dor e do sofrimento, segundo Hornstein (2009), leva o sujeito a deparar-se com um lado negativo do narcisismo, que vem a serviço de anular e reduzir a zero a capacidade do sujeito de investir, não somente em objetos, mas também na produção de uma indiferença do Eu. Assim, a função desobjetalizante passa a imperar nos desinvestimentos mortíferos. A face regressiva da pulsão de morte, segundo o autor, direciona sua ação a procurar constantemente o restabelecimento de um estado anterior, fazendo com que tudo que venha depois sofra com a força de sua destruição. O contraponto desse processo e de sua modalidade de desinvestimento cabe à pulsão de vida que deverá tentar, o quanto for possível, conservar e integrar o passado.

Dessa forma, é o êxito na fusão dos dois grupos de pulsões que permite a historicidade da vida psíquica. Entretanto, quando a pulsão de vida não consegue realizar sua função e há o predomínio da pulsão de morte, a destrutividade evidencia seu efeito e sua força justamente na questão da temporalidade. Nessa condição, passado e futuro, segundo Sílvia Alonso (2012), são reduzidos unicamente ao tempo imediato, acarretando prejuízos à historicidade psíquica. Para a autora, essa é uma das marcas distintivas dos padecimentos psíquicos que predominam na atualidade. Percebe-se, assim, na complexidade desses padecimentos, a importância e a necessidade de contemplar especificidades e desafios na busca e no tratamento da drogadição.

4.3 Categoria 3: Motivações e significados na busca pelo tratamento

O discurso social predominante na atualidade apresenta a abstinência como diretriz principal na clínica da drogadição. Considerar o uso de drogas a partir dessa perspectiva é, segundo Otávio Nunes (2004), privilegiar a droga em detrimento do sujeito. Inverter essa lógica é buscar, escutar o sujeito e a relação que ele estabelece com esse objeto, procurando o lugar e a função ocupada pela droga em sua economia psíquica. Sandra Torossian (2007) sugere que a busca por tratamento ocorre quando algo fracassa no encontro do sujeito com o objeto-droga, não lhe propiciando mais o efeito procurado. A pluralidade que marca a chegada de um sujeito a um tratamento pode ser contemplada nos caminhos percorridos por Alexandre, Cássia e Renato. Cássia e Renato estiveram em tratamento mais de uma vez, com distintas propostas terapêuticas. Já, Alexandre, na realização da entrevista, estava iniciando seu primeiro processo de tratamento em um centro de saúde pública.

Cássia buscou o primeiro tratamento em um serviço de saúde pública após separar-se de seu companheiro e não ter mais meios de adquirir a droga. Na ocasião, a adolescente percebeu-se muito malcuidada, o que a levou a procurar a família para pedir ajuda para se tratar, voltou a morar com os pais e começou a frequentar um serviço público durante o dia, o que possibilitou a interrupção do uso de drogas. Contudo, após um mês de tratamento, Cássia não conseguiu mais controlar a “fissura”, passando a fugir da casa dos pais para consumir drogas. Os pais de Renato decidiram interná-lo em uma clínica após receberem a ligação de um posto de saúde, avisando que Renato estava há três dias na rua usando crack. O jovem ficou internado durante um mês para desintoxicação de drogas. Entretanto, três meses depois, por ter se “irritado com os amigos”, passou a abusar do álcool, estabelecendo uma ‘nova’ adição. Alexandre foi pego por seu chefe cheirando uma substância usada para colar móveis. Anteriormente, havia roubado um celular para trocar por drogas. Essas situações foram cruciais para que sua tia o levasse e o acompanhasse diariamente no atendimento em um serviço de saúde pública destinado a usuários de álcool e drogas.

A família, segundo Torossian (2007), é, freqüentemente, essencial para a chegada do sujeito ao tratamento. Ocorre, com frequência, a demanda por parte de um outro como marca distintiva da busca terapêutica no campo da drogadição. Na singularidade dessas demandas, o olhar do outro parece tentar substituir a impossibilidade de o sujeito cuidar de si. Cássia, após dois dias na rua consumindo cocaína e crack, conta sobre seu segundo tratamento:

Minha irmã me agarrou pelo braço e me jogou no sofá e disse: ‘tu vai te internar’. Eu séria, mas dava risada: ‘capaz que eu vou me internar, vou perder meu tempo me internando e vou perder a droga’. Ela disse: ‘se tu não for pela tua vontade, a gente vai te amarrar e vamos te levar’. Eles sabiam que se eu saísse dali, eu não voltava mais. E aí chegou um momento que eu falei: ‘tá, eu vou, mas tem que ser agora, porque depois eu vou mudar de ideia e não vou mais.’ (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

O pedido de ajuda, segundo Torossian (2007), nunca é concebido de maneira direta, precisando ser decifrado por meio do que o sujeito expressa em seu comportamento. Torna-se fundamental, portanto, que a exposição ao risco e os demais comportamentos destrutivos possam encontrar um olhar externo de cuidado. Renato conta de sua segunda internação: “Até que teve o dia que eu bebi e fiquei ali, deitado no meio da rua. Um ônibus quase passou por cima de mim e daí foi que me internaram mais uma vez.”. Considerando-se que a drogadição também envolve os recursos familiares, podemos apontar que assim como a adolescente, a família pode vir a recorrer a atos extremos que denunciam modalidades precárias na tentativa de ajuda. Cássia narra acontecimentos antecedentes a sua segunda internação:

Eu estava me prostituindo e passou o ônibus que a minha irmã trabalhava. Ela desceu do ônibus, me agarrou pelo braço e me levou pra casa. O meu pai botou uma corrente na cama, um cadeado e me trancou. Pra ele, eu imagino que foi bem difícil. Fez isso chorando. Meu sentimento era de raiva por ele estar fazendo aquilo. Se ele não fizesse aquilo, eu ia morrer, porque eu já estava que não existia nem carne mais. E eu fiquei uma semana assim [acorrentada]. (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

Podemos perceber a única aposta paterna na continência externa como forma de impedir que a filha corresse para as drogas. A narrativa de Cássia, contudo, evidencia a fragilidade dos elos das correntes: trata-se de um ato externo que não alcança elos psíquicos para constituir uma representação interna. Diante da falta de representação, interroga-se: seria o uso das correntes análogo a um tratamento pautado no imperativo da abstinência? Nas duas situações, observa-se um movimento de deslocamento do sujeito de acorrentado às drogas para ser acorrentado à sobrevivência, persistindo a carência de elos psíquicos que projetem outras condições de investimento no devir.

O trabalho terapêutico da toxicomania, na perspectiva psicanalítica, irá centrar-se, conforme Segú (2013), na construção de interrogações por parte do sujeito sobre seu mal-estar. A construção desses questionamentos possibilita ao sujeito reconhecer sua implicação na condição drogadita. À medida que esse processo vai se estabelecendo, segundo o autor, torna-se necessário obter o consentimento do paciente para o desenvolvimento do tratamento. Na linha de raciocínio desenvolvida pelo autor, constata-se que Alexandre abandona a primeira e única busca por tratamento após uma semana; Cássia não consegue permanecer mais de um mês sem usar drogas, deixa de frequentar o serviço de saúde pública e fica diante de riscos à vida que a levam a ser internada em uma comunidade terapêutica religiosa; Renato, após um mês de internação, para de usar drogas, no entanto, três meses depois passa a abusar do álcool. É possível considerar que, nos processos terapêuticos disponibilizados a esses jovens, escapa algo relativo à implicação do sujeito em seu mal-estar.

No processo psicanalítico, Segú (2013) afirma que as entrevistas preliminares são indispensáveis para que se produza uma inversão do posicionamento do paciente a respeito da causalidade de seu padecimento. Quando essa inversão é colocada em prática, o autor considera que o sujeito não mais atribui aos outros e aos acontecimentos seu uso do objeto-droga, reconhecendo-se como produtor de seu mal-estar. Para que isto ocorra, conforme o autor, deve-se seguir na direção de possibilitar a construção de um saber por meio do qual se torne possível para o sujeito, efetivamente, lidar com as causas que produzem seu mal-estar e seu sofrimento. Trata-se de um processo árduo, no qual o fracasso pode fazer-se presente por meio de constantes recaídas, o que exige uma constante reflexão sobre os desafios da escuta deste padecimento.

4.4 Categoria 4: Possibilidades de projetos futuro? Desafios ao Eu diante da drogadição

No adolescer, Costa e Melo (2017), o Eu depara-se com a exigência de um trabalho psíquico de apropriação e ressignificação de sua história. Nesse sentido, conforme as autoras, quando o Eu consegue estabelecer ‘novas ligações’ e ressignificações acerca do vivido e do interpretado, promovendo um trabalho de elaboração, abrem-se vias para o crescimento.

Ocupando-se da complexidade que caracteriza os movimentos do Eu, Piera Aulagnier (1990) destaca o confronto dessa instância psíquica com a experiência de sofrimento. A autora considera que “pensar, investir, sofrer: os dois primeiros verbos designam as duas funções sem as quais o Eu não poderia nem advir, nem preservar seu lugar na cena psíquica; o terceiro, o preço que ele deverá pagar para tanto” (p. 285). Diante do desejo de desinvestir advindo do sofrimento, segundo Piera Aulagnier (1990), o Eu deverá assumir oposição à retirada de investimento, em benefício de algo que supõe essencial a sua existência.

São movimentos antagônicos realizados pelo Eu nas singulares forças de Eros e Tanatos. A pulsão de vida, de acordo com Aulagnier (1990), age na tentativa de estabelecer ligações e fusões. A pulsão de morte, por sua vez, busca o desinvestimento e constitui-se uma “ameaça a todo o objeto, todo encontro, toda experiência, que exigem para ser e ter uma existência psíquica” (Aulagnier, 1990, pp. 287-288). A meta de Tanatos, para a autora, corresponde a resultar em nada. Nesse sentido, a experiência de sofrimento pode provocar Eros a realizar um movimento de retirada de investimento de seus objetos na expectativa de deixá-los disponíveis para outros suportes. Tal movimento, contudo, traz a ameaça de prestar auxílio à Tanatos, consentindo-lhe tirar proveito de um desejo de desinvestir, próprio do oponente, convertido, temporariamente, em aliado. A fala de Cássia próxima a sua saída da clínica permite contemplar a força de Tanatos:

Eu vou pra casa e estou com muito medo mesmo. De como vai ser, de ver pessoas que eu usei drogas. Vai ter pessoas, parentes que eu tenho que tem dependência química, não vou poder parar e conversar. Namorado nem pensar, porque namorado pra mim nesse momento é uma recaída, não quero de jeito nenhum (Cássia, entrevista pessoal, abril de 2011).

Ao considerarmos que são questões levantadas por uma adolescente de dezenove anos, torna-se possível perceber a dimensão dramática do pacto com o desinvestimento. A droga parece obstruir as possibilidades de crescimento, indicando importante prejuízo às funções do Eu de pensar, de investir, mas, sobretudo, de apropriar-se do vivido. No campo da drogadição, observa-se, conforme Teresa Pinheiro (2012), a impossibilidade do Eu de projetar-se no futuro, ao lado da falta de lembranças a respeito de seu passado. As trajetórias dos adolescentes entrevistados parecem entrelaçar-se na droga de tal maneira que se torna quase impossível resgatar momentos anteriores ao consumo. Na narrativa de Cássia, apresenta-se uma parca possibilidade de retomar outras lembranças, pois desde que cheirou cocaína seu futuro passou a ser descartado: “eu não queria saber o depois, como eu ia estar”.

Sobre o predomínio em investimentos destrutivos, Renato conta:

Parece que me transformo num monstro. Não sei se é da bebida ou se isso vem de mim. Parece que cada vez mais crio um ódio de mim mesmo, que vai corroendo e motiva a usar muito álcool. A droga parece que destruiu meu lado bom, eu não sei se eu tenho um lado bom. Não consigo encontrar o meu lado bom, não sei se foi a droga ou se foi o meu ódio que destruiu (Renato, entrevista pessoal, maio de 2011).

O ódio que não pode ser reconhecido, na fusão com o álcool acaba direcionando uma avassaladora destrutividade a si mesmo. O silêncio sobre a adoção intrafamiliar faz com que a questão das origens insista em assombrar Renato. Ao desconhecer algo de si mesmo, Renato fica impossibilitado de realizar o trabalho de historizar-se. Nessa perspectiva, Hornstein (2009) afirma que não pode haver investimento no tempo futuro se ao Eu não foi possível investir as imagens de si próprio.

O que Alexandre, Cássia e Renato podem encontrar em suas histórias em relação ao valor do si mesmo? Alexandre nomeia-se “um sem-vergonha” por usar drogas. Para Cássia as frequentes surras recebidas são enunciados mudos em atos de violência. Renato, por sua vez, encontra o monstro dentro de si. A dificuldade e a impossibilidade de estabelecer e investir projetos, de acordo com Rother Hornstein (2012), conduz o Eu ao tédio e a descuidar-se, facilitando o aparecimento de atuações que podem oferecer risco à vida. Para a autora, “amar, desejar, possuir, seja um vínculo, um trabalho, um objeto, a si mesmo, implica um risco que é a perda, perante a qual cada sujeito encontra diferentes formas de responder ao que perdeu” (Rother Hornstein, 2012, p. 46). Pode-se considerar o objeto-droga como uma dessas respostas, sendo ele que os adolescentes “recorrem” frente aos intensos acontecimentos de suas vidas.

As narrativas de Alexandre, de Cássia e de Renato evidenciam a tirania de Tanatos sobre Eros. Alexandre abandonou seu tratamento após uma semana. Com relação ao futuro, Cássia e Renato enfatizaram a necessidade de “manter a sobriedade”, mas, também, enunciam expectativas mágicas de que esta condição seja ofertada de fora, por exemplo, na rapidez de um tratamento que impeça o desejo que seguem tendo de usar a droga. Reafirma-se a necessária implicação do sujeito em seu padecer como diferencial no modo de a Psicanálise propor a clínica da toxicomania. Proposta essa que não se restringe a esta modalidade de padecimento, mas que nela é reafirmada uma vez que marca importante diferença em relação às técnicas terapêuticas dominantes. Para a Psicanálise é fundamental escutar o sujeito em sua dor e não dar ênfase a sua dependência química. As intervenções ofertadas desde o campo da saúde pública necessitam levar em conta o heterogêneo campo da adição na adolescência, sob risco de que as terapêuticas ofertadas fiquem aquém da necessidade de cuidado e atenção dos jovens.

5 Considerações finais

As narrativas de Alexandre, de Cássia e de Renato, apresentadas e ilustradas por vinhetas nas quatro categorias resultantes de intensa revisão teórica, evidenciaram contextos intrapsíquicos e intersubjetivos marcados por instabilidades afetivas. Nestes cenários, podemos constatar o predomínio de fraturas nos encontros dos participantes com as figuras fundamentais de suas histórias de vida. Os investimentos intersubjetivos se apresentaram com matizes próprias no experenciado por cada um dos adolescentes. Torna-se possível considerarmos que estas falhas inauguraram importantes prejuízos na construção de alternativas de enfrentamento para lidar com os acontecimentos de suas vidas, mais especificamente, com as demandas do adolescer.

Na passagem para adolescência, a exposição a riscos torna-se nítida, desvelando a precariedade da internalização das condições do cuidado ao si mesmo. Podemos perceber no trabalho com o material decorrente das entrevistas que a busca pela droga mostrou-se como uma via extrema de anestesiar a dor psíquica. Em muitos momentos das narrativas dos participantes, mesmo que de forma não tão clara para o adolescente que contava sua vida, surgiam interrogações sobre os motivos da ausência ou da indisponibilidade dos adultos para com eles. É fundamental ressaltar que esta constatação não deve levar à atribuição de culpa ou a procura de vilões, mas, sim, evidencia o quanto também os adultos destas famílias, necessitavam de um espaço de escuta que lhe proporcionasse acolhimento. A história de Renato permite contemplar de forma mais evidente esta questão: de um lado tem-se um adolescente com a necessidade de falar sobre suas intensas experiências, de outro lado tem-se na figura da mãe adotiva um adulto temeroso em relação ao que pode ouvir do adolescente. O medo ergue uma barreira que sufoca a palavra e deixa ambos impossibilitados de nomear os excessos. Destacam-se, assim, os efeitos devastadores de vivências que não encontram representação pela via da palavra.

Na impossibilidade de apropriar-se do que é experenciado, sobressai-se a dificuldade de narrar a própria história de vida. Nas narrativas dos participantes podemos destacar a alteração, a reparação e/ou a omissão diante de importantes acontecimentos nos quais eram confrontados com a experiência de dor. Tornou-se possível, assim, considerar a vigência do traumático em suas experiências.

O objeto-droga, neste contexto, apresenta-se de forma sedutora na vã promessa de remédio para apaziguar o intolerável da dor. No entanto, na medida em que detém os investimentos do sujeito, revela seu caráter ilusório e instala, como um veneno, um circuito compulsivo e mortífero. Se, inicialmente, o sujeito procura a droga como uma tentativa de fuga frente a uma experiência dolorosa, progressivamente, a droga vai aprisionando-o à dor da qual tentava fugir. Observa-se, desta forma, a instalação de um impacto aniquilador em relação à temporalidade na medida em que a droga torna-se o exclusivo ponto de referência do sujeito. A história de vida destes sujeitos parece iniciar-se no primeiro encontro com a droga, suas vivências anteriores tornam-se destituídas de valor e futuro carece de nitidez.

Adolescer requer retomar, abandonar e transformar o que se conhece sobre o si mesmo. As histórias dos participantes do estudo, contam do desconhecimento do si mesmo. Nestas lacunas do ser, a droga encontra espaço e denuncia, mediante tanática proporção que toma no sujeito, um importante esvaziamento do futuro. Nesse sentido, pode-se compreender a dificuldade que perpassou a construção da quarta categoria deste estudo. Pensar a adolescência é, a princípio, pensar no devir, nos projetos e ideais a serem atingidos, pois se trata de um sujeito com uma ‘vida inteira’ pela frente. O atravessamento da condição adicta coloca esta premissa em xeque, instalando um triste cenário habitado por inúmeras incertezas que não se referem às possibilidades de transformação, mas, sim à falta delas. O objeto-droga impõe riscos à vida e a seus investimentos no campo social e psíquico.

A adolescência, fora deste cenário de excessos destrutivos, em função das retomadas que exige do sujeito, pode apresentar importante potencial de transformação (transformar a ação). Nesta perspectiva, compreende-se a relevância de produzir estudos a respeito das tessituras entre adolescência e drogadição para que seja possível interrogar-se e refletir sobre as possibilidades de intervenção clínica quando se trata de uma adolescência na qual as ações não remetem às transformações, ao contrário, denunciam o perigo da repetição e do encarceramento dos investimentos. Trata-se, portanto, da urgência de compreender e intervir naquelas situações nas quais a adolescência não pode ser experenciada como um tempo da vida no qual seja possível inaugurar outros recursos psíquicos.

Neste estudo, buscamos aprofundar as tessituras entre a adolescência e a drogadição a partir das narrativas de três adolescentes. Constatamos a importância de dar voz a estes sujeitos e, também, a seus familiares. A participação de alguns familiares dos adolescentes propiciou ampliar as histórias de vida, desvelando a complexidade que, por vezes, não era nítida na narrativa do adolescente. Escutar um familiar possibilitou acessar acontecimentos que ficaram silenciados pelos adolescentes. Compreendemos, portanto, que uma temática como esta pode ser ampliada e complexizada quando há possibilidade de escutar, também, outras pessoas importantes da história de vida do sujeito. Dessa maneira, destacamos que as tessituras entre adolescência e drogadição promovem inúmeras indagações, constituindo-se uma problemática de estudo inesgotável, cujo recurso à escuta da história de vida de cada sujeito é imprescindível. Assim, reiteramos a necessidade de seguir investigando esta temática a partir de uma visão ampla que considere os aspectos singulares ligados ao histórico-vivencial do sujeito e a suas condições de enfrentamento das demandas psíquicas, sociais e culturais do tempo que lhe toca viver.

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