“Nós não somos homens menos capacitados”: estratégias e demandas das jogadoras de futebol da Espanha

“We are not men less capables”: negotiations and claims in spanish womens football

  • Mariana Zuaneti Martins
  • Heloisa Helena Baldy dos Reis
O objetivo deste artigo é reconstituir a narrativa produzida pela Associação Espanhola de Jogadoras de Futebol (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol - AEJF), analisando como a associação mobiliza e articula demandas sobre igualdade e diferença no futebol de mulheres na Espanha. Para tanto, utilizamos os materiais disponíveis na página virtual da associação e uma entrevista semi-estruturada realizada com a secretária geral da associação. A análise da narrativa foi empreendida pela organização temática, em referência às demandas por igualdade e à visibilidade e respeito às diferenças, articulando-as à discussão de Nancy Fraser sobre reconhecimento e redistribuição. Demonstramos que tal narrativa enfatiza dois aspectos: a necessidade de uma transformação nos discursos veiculados culturamente sobre a prática, que devem contemplar a especificidade do futebol de mulheres, e afirma a urgência de redistribuição de recursos, passos esses essenciais à justiça social relacionada ao futebol profissional naquele país.
    Palavras chave:
  • Futebol
  • Mulheres
  • Reconhecimento
  • Sociologia do esporte
This article aimed to reconstitute the narrative of Women’s football Union of Spain (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, AEJF), analizing the way that the union mobilizes and articulates claims of equality and difference in Spanish women’s football. In order to do that, we selected articles retrieved from union’s webpage and a semi-structured interview was conducted with the General Secretariat of the Union. The narrative was analyzed in thematic categories: claims for equality, visibility and respect to differences, further interpreted based on Nancy Fraser’s frame of recognition and redistribution. We showed that this narrative emphasized two issues: the necessity of changing the current discourses on women’s football, aiming to respect its particular features, and the urgency of recourses redistribution, a pathway to social justice on Professional football in Spain.
    Keywords:
  • Football
  • Women
  • Recognnition
  • Sociology of Sports

1 Introdução

A prática esportiva por mulheres enfrentou ao longo do século XX e XXI diversas interdições, interstícios e invisibilidades. A hegemonia ocidental é constituída por uma predominância de homens nas práticas esportivas (Hargreaves, 1993). Discursos biológicos sobre a inadequação dos corpos das mulheres às práticas esportivas foram a tônica que justificou esses interditos. Além de naturalizarem as construções sociais a partir de uma determinação biológica do sexo, estes discursos serviam ao controle do corpo, da sexualidade, do comportamento e das práticas das mulheres, considerando que estas deveriam participar de atividades físicas apenas para faciliarem a maternidade (Altmann, 2009; Pujades i Martí et al., 2013). A partir da década de 1960, os estudos de gênero evidenciaram que as diferenças entre homens e mulheres não eram fruto de um marco biológico, mas cultural e social (Scott, 1990).

As interdições e barreiras de gênero, no entanto, se fizeram e se fazem presentes nos esportes, como é o caso do futebol. Segundo Eric Dunning (1986/1992), o futebol foi a última área de sociabilidade reservada aos homens e, por isso, servia como espaço único e ubíquo para manifestação e afirmação de uma masculinidade agressiva. No caso Espanhol, essas resistências e barreiras à presença de mulheres no futebol foram enfatizadas no momento da ditadura franquista (1939-1975). No entanto, a invisibilidade não significou inexistência, uma vez que as mulheres continuaram a praticar o futebol e ressignificaram a cultura com o apoio em seus familiares e amigos, na busca por um espaço legítimo para esta prática (Goellner, 2005; Martí et al., 2013).

Na Espanha, as mulheres adentraram o terreno das práticas esportivas a partir do final do século XIX, de forma tímida, como parte de seu processo de integração das mulheres aos espaços públicos. Tal processo, todavia, se acelerou nas primeiras três décadas do século XX, durante a Segunda República, num cenário de efervescência social e política, que gerou novas condições para as mulheres reivindicarem algumas liberdades e direitos (Pujadas, 2013). De acordo com Xavier Torrebadella-Flix (2016), as reivindicações dos movimentos feministas, a partir da segunda década do século XX, permearam também o campo esportivo, de modo que começaram a se criar as primeiras equipes de esportes coletivos femininas, abarcando as modalidades de hockey, handebol e a basquete. O futebol, no entanto, continuava como “área reservada masculina” (Dunning & Elias, 1986/1992), levantando a um só tempo o interesse das mulheres feministas e a resistência de sua institucionalização, uma vez que era considerado um esporte viril e fisiologicamente inadequado ao corpo das mulheres (Torrebadella-Flix, 2016). Mesmo com resistências, em 1914, se organizaram as primeiras equipes de futebol de mulheres no país. Tal iniciativa foi ainda impulsionada pelo crescimento da modalidade na Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial, momento em que as mulheres protagonizaram os espetáculos esportivos no país (Newsham, 2014).

Este processo de crescimento do esporte de mulheres, no entanto, foi freado durante a ditadura franquista, quando algumas modalidades, como o futebol, o rugby, o atletismo de competição e os esportes de combate, foram contraindicadas para elas. O motivo desta proibição foi que tais modalidades foram consideradas, pelo discurso médico, como algo prejudicial à biologia feminina (Arribas, 2008). Tal discurso declinou apenas no final da década de 1960, durante a distensão do período ditatorial e abertura da liberdade de imprensa. Acompanhando um movimento mundial de retomada do futebol de mulheres1, em 1971, se realizou o primeiro campeonato da Espanha feminino, com quatro equipes, a Copa Fuengirola Costa Del Sol. A partir de 1980, o futebol de mulheres foi incluído na Federação Espanhola de Futebol (Ribalta Alcade, 2011).

O futebol de mulheres na Espanha, em tempos atuais, está ainda bastante distante daquele praticado por homens no país. Este último está localizado centralmente no circuito mundial do futebol, apresentando uma das ligas mais milionárias, tendo dois entre os principais clubes mundiais. Além disso, a seleção nacional da Espanha foi campeã pela primeira vez da Copa do Mundo da FIFA, em 2010, marcando um momento especial de desenvolvimento de jogadores habilidosos in loco. O mercado da modalidade se organizou dentro do país em quatro divisões de futebol: Primeira divisão; Segunda Divisão; Segunda Divisão B e Terceira Divisão. Nas duas primeiras apenas são formalmente profissionais, cujas competições são organizadas pela Liga de Futebol Profissional (LFP). Embora existam as quatro divisões, apenas as duas primeiras são consideradas profissionais, sendo as outras duas semiprofissionais. Isso ocorre devido a combinação de duas legislações espanholas distintas: a primeira, o Real Decreto 1006/1985, que estabelece são profissionais aqueles atletas que se dedicam voluntariamente ao esporte e que tem seus custos financiados por um clube ou uma entidade fomentadora da prática; e o Real Decreto 1835/1991, que fixa a existência de apenas uma liga profissional por modalidade esportiva. Razão pela qual as competições não fomentadas pela LPF não são consideradas completamente profissionais.

No caso do futebol de mulheres, ainda que existisse há pelo menos cinco décadas oficialmente no país, este teve apenas recentemente um movimento coletivo pelo reconhecimento profissional desta prática. O surgimento de um campeonato nacional de futebol feminino data de 1988, com a chamada “división de honor”. Enquanto denominação de Superliga, que foi a sua forma mais duradoura e reconhecida, como é chamada até hoje, começou em 2001. As mudanças, contudo, não cessaram. Em 2008 ampliou-se de 14 a 16 equipes e, em 2009, de 16 a 24 equipes, visando incorporar os clubes que até então tinham apenas equipes masculinas. Em 2011, voltou-se ao formato de 16 equipes, com o nome de “Primera Division” (Ribalta Alcade, 2011). Há ainda uma segunda divisão, criada em 2001, constituída de cerca de 100 equipes, divididas em grupos regionais, contendo 6 ou 7 grupos, cada com entre 14 a 16 equipes.

Segundo Fernanda Robles (2009), de 2002 a 2006, o número de mulheres federadas no futebol mais que duplicou. De aproximadamente 11 mil licenças de mulheres, passou-se a 24 mil, o que representa cerca de 4% das licenças totais relacionadas à Federação Espanhola de Futebol. A autora apontou, ademais, como as principais barreiras para o fomento da modalidade a menor cobertura midiática das práticas de mulheres, a menor presença das mesmas nos cargos de gestão esportiva, o menor tempo de lazer às mulheres, os estereótipos de gênero no esporte; menores expectativas profissionais para as mulheres no esporte, desigualdade entre as competições femininas e masculinas, falta de modelos femininos no esporte para inspirarem jovens atletas, menor oferta de equipamentos esportivos específicos para mulheres, dentre outros (Robles, 2009). Segundo ela, no caso do futebol, essas barreiras são amplificadas pelo grande êxito do futebol masculino. Nesse sentido, os desafios a serem enfrentados são maiores e os estereótipos de gênero criam arestas conservadoras mais resistentes.

Os problemas enfrentados pelo futebol espanhol não são diferentes daqueles que mulheres enfrentam na prática esportiva cotidiana. Jennifer Hargreaves (1993) enumerou diversos destes problemas como parte do projeto hegemônico de nossa sociedade, em que mulheres são destinadas aos espaços privados, como cuidar do lar e das crianças, enquanto homens são presentes nos espaços públicos, como o trabalho fora de casa, a participação nas associações e na prática esportiva.

Para praticar o futebol, as mulheres desenvolvem estratégias e negociam com essas dificuldades. Anna Vilanova e Susanna Soler (2008) argumentam que a presença de mulheres em espaços públicos praticando esportes na Espanha, a um só tempo, faz com que elas negociem com a sua restrição ao espaço doméstico, ao passo que dependem em geral de um apoio familiar para se desenvolver, e rompam com esta lógica, uma vez que servem para desconstruir o estereótipo de serem áreas reservadas para homens. Este processo de negociação cultural se assemelha às estratégias de resiliência desenvolvidas por aspirantes a atletas de futebol no Brasil, uma vez que ao mesmo tempo em que as meninas que participam de projetos sociais de futebol, negociam com a família para conseguir ir treinar, superar preconceitos e manter a femininilidade, elas quebram com uma cadeia cultural de resignação ao ambiente familiar, desejando ter uma preparação melhor para o trabalho e uma família com menos filhos (Borges, Lopes, Alves, & Alves, 2007). São estratégias e comportamentos que se manifestam individualmente, de forma fragmentada e heterogênea, mas que nos permitem avistar o esporte cumprindo um papel, denominado por Núria Puig (1998), de “individualização de gênero”, que permite romper com o binarismo e com os estereótipos relacionados a cada modalidade específica.

O panorama espanhol reflete uma realidade presente em diversas partes do mundo, concretizando um cenário de dificuldades para a consolidação das mulheres como praticantes, torcedoras, atletas profissionais e gestoras do esporte. Entretanto, as mulheres, a partir de suas empreitadas individuais e fragmentadas, têm aumentado seu espaço na prática esportiva. A presença nas gestões esportivas, algo que poderia contribuir para a mudança institucional das condições de prática, ainda é precária. Apesar de o Comitê Olímpico Espanhol tem indicado a necessidade de políticas de ação afirmativa para reforçar a presença das gestoras e de investimento na modalidade, isso ainda não garantiu igualdade. Ainda é mínima a presença das mulheres na Federação de Futebol da Espanha, que não alcança 2% dos cargos (Robles & Escobar Ventura, 2009). A organização coletiva dessas mulheres, por outro lado, indicaria um de outros possíveis caminhos para tentar de forma menos pulverizada reverter esse quadro. Por isso, a existência de uma organização coletiva de jogadoras espanholas põe à luz potencialidades da luta das mulheres na arena esportiva por reconhecimento e justiça social, construindo redes organizadas de solidariedade e coletivas de enfrentamento, de resistência, de negociação e de transformação. Este é o caso da Associação de Jogadoras de Futebol da Espanha.

Considerando estas desigualdades e dificuldades culturais e simbólicas ao futebol de mulheres e às resistências e transgressões a estes dispositivos do poder, o objetivo deste artigo é reconstituir a narrativa produzida pela Associação Espanhola de Jogadoras de Futebol (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, AEJF) sobre as estratégias e negociações empreendidas pela associação acerca do futebol profissional praticado por mulheres na Espanha2. Ao focarmos na narrativa produzida pela própria associação, cujo intuito declarado é defesa dos direitos das futebolistas, analisamos como ela contribui para que o futebol praticado por mulheres obtenha reconhecimento, redistribuição e justiça social– noções estas de Nancy Fraser (2002), que nos ajudam a pensar a dinâmica das desigualdades a partir de uma vertente não apenas cultural, mas também institucionalizada. Neste sentido, o ponto de partida para a justiça é o reconhecimento da diferença e da desigualdade, como forma de criar políticas que permitam o acesso de grupos, antes excluídos, a recursos como o direito à profissão e à visibilidade da modalidade esportiva praticada por mulheres.

1.1 Percurso Metodológico

Para reconstituir esta narrativa da AEJF, utilizamos os materiais disponíveis na página virtual da associação (http://mujeryfutbol.com/) e uma entrevista semi-estruturada com a secretária geral da associação, que foi realizada no dia 22 de dezembro de 2013, na cidade de Madrid. Tal secretária, que aqui denominamos de forma fictícia de Maria, está à frente da entidade desde a sua fundação em 2012 sendo uma das fundadoras3. Conforme detalharemos nos resultados, tem uma trajetória profissional ligada à defesa dos direitos trabalhistas das atletas de futebol, representando várias delas em processos judiciais para o reconhecimento do vínculo profissional e respeito aos direitos advindos do mesmo. Buscamos, com base nessas duas fontes, reconstituir as ideias principais que embasam a atuação da associação4.

As reportagens foram organizadas por seu conteúdo temático, definidos como: demandas e ideias que originaram a associação; interpretações sobre a desigualdade no futebol de mulheres espanhol; e estratégias de embate às desigualdades e de demandas por igualdade e visibilidade, que são os tópicos que organizam este artigo. A análise e interpretação das narrativas da associação foram realizadas articulando-as à discussão de Nancy Fraser (Fraser, 1998, 2002) sobre reconhecimento e redistribuição, que apresentaremos a seguir.

1.2 Redistribuição, reconhecimento, status e justiça social no pensamento de Nancy Fraser

Segundo Nancy Fraser (2002, 2001/2006, 2001/2007), existe uma distinção normativa entre reconhecimento e redistribuição, que é condição atual do capitalismo contemporâneo. Reconhecimento seria quando uma pessoa tem o status igualitário de “par” negado, o que por sua vez impediria a participação na vida social. Esse status é negado a partir da patologização e da discriminação com base em padrões sociais institucionalizados, tais quais pela legislação, pelos direitos sociais, pelos discursos médicos sanitários, pela cultura popular, dentre outras formas de institucionalização. Neste caso, mais do que um estado psicológico a relação de reconhecimento é uma relação social institucionalizada, que pode ou não se converter numa relação de má distribuição de recursos e desigualdades materiais. Isso porque, segundo a autora, no capitalismo contemporâneo, há uma relativa separação entre as duas formas de desigualdade, de modo que o status/ prestígio, alvo de reconhecimento, pode divergir da situação de desigualdade material (Fraser, 1998). Em outras palavras, uma pessoa pode não sofrer de desigualdade econômica na sua vida, mas não ter reconhecimento pleno de seu status social. A questão de gênero poderia estar relacionada a este cenário, no entanto, caberia interpretar a realidade social para perceber se e em que medida a disjunção ocorre.

A autora argumenta que, a partir do final do século XX, a luta por reconhecimento da identidade de determinado grupo, como de gênero ou étnico, tem constituído o conflito político central do momento (Fraser, 2002). De acordo com a autora, isso acontece porque a “dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política” (Fraser, 2001/2006, p. 231). Assim, além a autora afirma que nos dias atuais emerge a consciência de uma injustiça quanto ao reconhecimento é marcada por ser cultural ou simbólica, que

Se radica nos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação. Seus exemplos incluem a dominação cultural (ser submetido a padrões de interpretação e comunicação associados a outra cultura alheios (ou hostis à sua própria); o ocultamento (tornar-se invisível por efeito das práticas comunicativas, interpretativas e representacionais autorizadas da própria cultura); e o desrespeito (ser difamado ou desqualificado rotineiramente nas representações culturais públicas estereotipadas e/ou nas interações da vida cotidiana. (Fraser, 2001/2006, p. 232)

No entanto, isso não significou que as desigualdades materiais deixaram de existir. Ao contrário, para ela, nem a posição de identidade cultural, nem a visão classista do modo unilateral que estão colocadas são abrangentes o suficiente. A autora defende o desenvolvimento de uma teoria crítica do reconhecimento que “identifique e assuma a defesa somente daquelas versões da política cultural da diferença que possam ser combinadas coerentemente com a política social da igualdade” (Fraser, 2001/2006, p. 231). Tal teoria implicaria considerar como justiça tanto a redistribuição quanto reconhecimento, tendo em vista que na sociedade atualmente há tanto uma desigualdade econômica como um desrespeito cultural que se relacionam. Isso porque o não reconhecimento não significa apenas a “depreciação e deformação da identidade do grupo. Ao contrário, ele significa subordinação social no sentido de ser privado de participar como os outros membros como igual na vida social” (Fraser, 2001/2007, pp. 107-108).

Portanto, o não reconhecimento acarreta uma exclusão no status social. Quando os padrões permitem que os atores sociais participem igualmente na vida social, ocorre um reconhecimento recíproco, uma igualdade de status. Já quando os valores culturais excluem determinado grupo (mulheres, homossexuais, negros) do espaço de interação social, considerando-o como inferior, invisível, ocorre um não reconhecimento e uma subordinação de status. Dessa forma, a política de reconhecimento implica em “desinstitucionalizar padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substituí-los por padrões que a promovem” (Fraser, 2001/2007, p. 109).

Ao submeter o reconhecimento aos horizontes de valores culturais, tal perspectiva alinha o reconhecimento, à moral e à justiça, permitindo que haja a combinação do reconhecimento com redistribuição. A autora desenvolve uma concepção ampla de justiça para estabelecer tal relação, que o é central nesse pensamento é a paridade de participação, a qual permita que os membros da sociedade interagissem uns com os outros parceiros (Fraser, 2001/2007). Para tanto duas condições devem ser satisfeitas: em primeiro lugar, deve haver redistribuição dos recursos que diminuam a desigualdade material e dependência econômica, as quais impedem a participação e oportunidades que membros interagem uns com os outros num espaço social. Em segundo lugar, de caráter intersubjetivo, é necessário que os padrões de valores culturais respeitem igualmente todos os autores sociais e assegurem a estes oportunidades para terem estima social, status, que levem ao reconhecimento. Ou seja, a concepção ampla de justiça de Fraser reúne tanto reconhecimento quanto redistribuição, sem reduzir um ao outro.

2 Relações de poder e reconhecimento: demandas que fizeram emergir a AEJF

A formação da AEJF se deu, segundo a entrevistada, a partir de uma iniciativa da Fifpro – Fédération internationale des Associations de Footballeurs Professionnels (em português, Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol) – de constituir um grupo de trabalho sobre o tema, cujo objetivo era fazer um estudo de como estava o profissionalismo no futebol de mulheres ao redor do mundo. A entrevistada foi chamada para este grupo de trabalho, em função de sua experiência com o trabalho advocatício sobre os direitos das jogadoras na Espanha. Com base em sua experiência, ela entrou em contato com a Fe Robles, ex jogadora de futebol e membro da Comissão Mulher e Esporte, do Comitê Olímpico Espanhol, e com a Pilar Neira, presidente da associação de Mulheres Deportistas Galegas (Mudegá). As três mulheres decidiram trabalhar conjuntamente para construir uma proposta pelo futebol de mulheres na Espanha e, em 2012, criaram a AEJF5.

Segundo ela, em 2013, havia cerca de 50 jogadoras associadas, que cotizam 15 euros ao ano, demarcando ainda um começo da associação. Tal situação fazia da AEJF uma associação ainda dependente de outras, como da AFE, que, a partir de um acordo, ajuda a financiá-la. Mas a associação estava crescendo, porque

As jogadoras estão se associando. A ideia é que através desse sindicato reivindiquemos nossos direitos, quando tenham lesões, o tema do dinheiro que vai ao futebol feminino, o acordo com a AFE (Asociación de Futbolistas Españoles) que possam beneficiar aos dois, como compra de materiais esportivos, uma clínica a qual possam ir a um preço mais barato. Estamos tentando criar um sentimento de unidade entre todas as jogadoras, a favor da unidade que precisam ter para lutar a favor de sua carreira esportiva. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

Segundo esta fala, entre os principais objetivos da associação estava a prestação de assistência jurídica para garantir um mínimo de cidadania no trabalho do futebol (a assistência médica e respeito ao afastamento por lesões. Assim, ela ratificava a necessidade de constituir uma unidade em torno da defesa da carreira esportiva. Esta questão é delicada no caso do futebol, uma vez que, a constante competição entre equipes cria um cenário de animosidade entre os atletas que acaba dificultando a ação coletiva (Reis & Martins, 2014). Além disso, a concepção meritocrática de que o sucesso será advindo de um esforço individual faz com que a noção de direitos coletivos se esvaziasse (Reis & Martins, 2014). No caso das mulheres, este cenário ainda é agravado pelo fato de suas carreiras não serem profissionalizadas oficialmente, o que possibilita que os clubes não tenham que garantir direitos estabelecidos em lei ou que existam convênios coletivos6.

A diretoria da associação era composta por Fe Robles, presidenta; Isabel Guerrero, vice-presidenta, ex jogadora de futebol e técnica de futebol; Maria Jose López, advogada especialista em direito esportivo; Pilar Neira, ex jogadora e treinadora de futebol; e Laura Del Rio, jogadora em atividade. Segundo os relatos no sítio da associação, estas mulheres se uniram para criar a associação, em função da desigualdade a qual o futebol de mulheres está submetido. Segundo Fe Robles,

Pertenço a AEJF, porque nunca antes havia sido tão necessário juntar esforços para consolidar o que se tem conseguido até agora como mulheres, como esportistas e como jogadoras. Porque ainda nos resta muito caminho a percorrer para conseguir a igualdade efetiva neste e em muitos âmbitos. Porque joguei em campos de terra com materiais emprestados pelas equipes masculinas... porque sempre tínhamos os piores horários para treinar e jogar as partidas. Porque, nós, as meninas, tínhamos que pagar para jogar. Porque nós, as mulheres, temos direito a ser futebolistas profissionais. (Fê Robles, em Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2015a)

Nota-se na fala de Fe Robles uma permanente referência às suas experiências de desigualdade enquanto era jogadora. A partir das dificuldades encontradas e pelo desenvolvimento de um senso crítico, elas decidiram criar uma identidade coletiva política. Ou seja, era a sua dura experiência na carreira que a fez atuar na associação para melhorar o cenário, fazer com que não continue se repetindo a situação a qual elas foram submetidas.

Referência semelhante encontra-se no relato de Isabel Guerrero. A então técnica de futebol adiciona ainda a necessidade de as mulheres ocuparem outros espaços para além do papel de atleta, enfatizando a importância desses espaços para a melhora da formação e da situação de trabalho das mulheres no esporte.

É imprescindível que nos façamos visíveis em todos os níveis, instituições, federações, associações.... E o mais importante, em nossa sociedade. Para esta importante tarefa, a AEJF nos oferece a oportunidade de ser a melhor plataforma para conseguir objetivos e metas no nosso crescimento como jogadoras dentro do mundo do futebol. Temos a obrigação de trabalhar para o avanço do esporte. Minhas contribuições para a associação se baseiam na experiência da minha carreira esportiva, vinculada a diferentes âmbitos do futebol, desde diferentes esferas. Devemos estar unidas, trabalhar por e para a ideologia da AEJF, que não é outra senão a melhora de nossa sociedade, da situação laboral, esportiva e em formação das nossas jogadoras. (Isabel Guerrero, em Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2015a)

O interessante deste relato é a peculiaridade da organização sindical neste âmbito. Diferentemente de uma visão mais classista de sindicato, cuja disputa pelo controle das relações de trabalho se daria por meio da organização coletiva e da ação contenciosa, como greves e manifestações, na pluralidade de visões empreendidas na AEJF, a desigualdade se enfrenta a partir de “juntar esforços”, “ocupando espaços”. Tal visão busca, primordialmente, o protagonismo feminino no meio do futebol, e, portanto, para um vértice de defesa de uma integração e harmonia social, o que, por conseguinte, dirime por vezes o conflito existente (Hyman, 2001). A assimetria de poder está presente, mas não está dada enquanto um conflito entre jogadoras e clubes. É presente como fruto de uma discriminação de gênero, cuja solução seria a integração das mulheres ao mercado de trabalho do futebol. Uma visão sobre este processo está presente no relato de Pilar, para quem a assimetria nas relações de poder no meio do futebol seria enfrentada pela organização das mulheres como uma forma de buscar alguma justiça social:

Vivemos em uma sociedade machista. Seja como profissionais ou como amadoras, nós mulheres temos que demonstrar mais que nossos companheiros homens para sermos respeitadas e tratadas como igual. Do ponto de vista da AEJF (associação criada para representar os interesses das jogadoras de nosso país), cremos que podemos dar, em vez de passos, saltos adiante. É justiça que mulheres e homens recebam o mesmo trato, e para isto, temos que lutar todos, homens e mulheres, para alcançar uma sociedade e um esporte mais justo e igualitário. (Pilar Neira, em Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2015a)

O sítio eletrônico da associação informa que há a necessidade de regular a prática de futebol, para que meninas e meninos, mulheres e homens “possam praticá-lo em igualdade de condições”. Por isso, a AEJF foi criada, com o objetivo de “percorrer o caminho necessário para que as mulheres possam fazer do futebol sua profissão, com todos os direitos e deveres que este carrega” (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2015b). A base de atuação desta associação tem sido divulgar estratégias utilizadas para o reconhecimento da profissão, a fim de convencer as mulheres de aderirem às mesmas.

Nesse sentido, a discussão empreendida por Nancy Fraser (1998) contribui para compreendermos o arcabouço de reivindicações da associação. A desigualdade proveniente do futebol de mulheres seria apenas uma questão de ausência de reconhecimento, de tratamento igual às mulheres futebolistas, de acesso aos cargos de gestão, ou existiria também uma esfera material que seria efeito dessa desigualdade? A desigualdade no futebol seria algo que existiria também para além da questão de gênero? O discurso da AEJF parece responder afirmativamente a primeira das questões, colocando a desigualdade no futebol como mera consequência da ausência de reconhecimento, em vez de uma articulação consubstanciada destas duas questões (Kergoat, 2016).

A consubstancialidade das duas questões seria evidenciada uma vez que homens não necessariamente possuem um tratamento respeitoso no futebol, o que significa que a desigualdade de classe estaria presente em ambas as categorias. Em 2011, a AFE declarou uma greve dado o tamanho das dívidas salariais de clubes com os jogadores, que afetavam todas as divisões da Liga e dos Campeonatos Nacionais (Martins, 2016). Evidentemente, a situação é pior no caso feminino, já que nem salário muitas vezes possuem as mulheres. No entanto, na medida em que universaliza a experiência do futebol de homens como o de ponta, a associação dirime a questão de classe do conflito laboral no futebol como um todo, inclusive no de mulheres. Nesse sentido, os discursos da AEJF dirimem a questão da interseccionalidade entre os marcadores de classe e gênero na situação de trabalho das atletas de futebol.

O modelo de reconhecimento de status de Nancy Fraser (1998), por conseguinte, nos ajuda a compreender o discurso das integrantes da associação, uma vez que em suas falas, não se trata apenas de uma questão cultural, de visibilidade, mas uma relação instituicionalizada de submissão/subordinação. A ideia de que as relações de (não) reconhecimento, materializadas por meio de padrões institucionalizados que regulam a interação de acordo com normas culturais de impedimento da paridade, tem como efeito uma desigualdade econômica entre homens e mulheres é o framework que sustenta as ideias da associação. As falas retratam a importância da AJEF tanto para que o futebol de mulheres seja reconhecido na sociedade como legítimo, quanto que este seja acompanhado de direitos que tratem economicamente essas jogadoras como iguais, que sejam profissionais, que tenham equipamentos para se dedicar ao futebol, um calendário digno, que possam participar das federações. Mas a medida da questão da desigualdade material presente no futebol profissional fica reduzida no discurso das dirigentes. De certa forma, a associação clama por uma integração no mercado de trabalho do futebol, como se apenas este status de igual fosse suficiente, como se este mercado fosse justo. Nessa interpretação, a injustiça estaria apenas em negar a integração, por uma questão de reconhecimento e de status, às mulheres atletas.

3 Igualdade, diferenças e ambiguidades na demanda por reconhecimento da AEJF

A narrativa construída pela AEJF sobre a desigualdade de gênero no esporte é marcada pela ideia do patriarcado enquanto regulador das relações sociais e das diferenças de poder na sociedade. Segundo o sítio da associação, “no caso das mulheres, nos vemos submetidas aos padrões estabelecidos, porque vivemos em uma sociedade regida por um modelo patriarcal, em que o objetivo é fabricar ‘mulheres tradicionais’, que se encaixem em seus papeis: mulheres submissas vinculadas a dependência do homem” (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2014). Tal visão sobre a origem da desigualdade de status social e de reconhecimento tem sido criticada contemporaneamente pelo seu uso totalizador, que encobertaria as diferenças históricas e culturais, bem como as suas contradições (Machado, 1998). Segundo Lia Machado, “as transformações sociais contemporâneas dos lugares das mulheres e dos homens e dos sentidos das diferenças de gênero, fogem ao aprisionamento do termo ‘patriarcado’” (Machado, 1998, p. 3). Nesse sentido, ainda que tal afirmação contribua para desnaturalizar as relações sociais que engendram a desigualdade de gênero no futebol, a própria associação deixa subsumido o papel cumprido pelas futebolistas que constroem os caminhos de mudança, que divergem, que negociam com estes padrões sociais de desigualdade e de não reconhecimento.

Segundo a associação, essa desigualdade acompanhou o desenvolvimento do esporte e a participação das mulheres nele, ainda que tenha ajudado a lograr mudanças, não conseguiu alcançar um patamar de igualdade de direitos entre homens e mulheres. A igualdade de direitos almejada, no entanto, não significa igualar a forma de jogar futebol de homens e mulheres na visão da associação. Segundo ela, “homens e mulheres devem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades e o mesmo trato, porque nós não somos homens menos capacitados. O esporte feminino não é igual ao masculino, mas em nenhum caso deve ser considerado inferior” (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2014).

Tal afirmação enfatiza a diferença existente entre as duas práticas. Diferença esta que não deve ser traduzida em desigualdade. Afirmar a diferença do esporte praticado por mulheres é importante para a dimensão do reconhecimento, pensando que o direito à diferença que “especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade” (Dagnino, 2004, p. 104). Tal reflexão vai ao encontro das discussões atuais de identidade. Em vez de considerar a igualdade como um patamar que todos devem alcançar, afirma-se, ao contrário, as diferenças, a alteridade, a não normatividade das práticas, sem que isso signifique o não reconhecimento e a marginalização social (Butler, 1990/2003). Nesse sentido, notamos uma dialética entre a tentativa de estabelecer a um só tempo uma unidade do futebol – do ponto de vista dos direitos – e uma diferença: o futebol não é jogado de uma forma só. Corrobora com esta afirmação a noção de temos não somente um futebol, mas diversos futebóis, matrizes de práticas que se entrecruzam, mas que são plurais e reafirmam lugares e identidades distintas relacionadas ao futebol (Damo, 2007; Kessler, 2016)

Tal reflexão ainda vai ao encontro da ideia de em vez de tratarmos tal prática por futebol feminino, o denominemos como futebol de mulheres. Segundo Cláudia Kessler (2012), a expressão “futebol de mulheres” visa contrapor-se a uma ideia de feminino que seria desejada no campo esportivo, porque

A utilização da expressão “feminino” carrega referências ligadas à sexualidade e à feminilidade normativamente impostas. Quando se fala em “futebol feminino” a expressão “feminino” me parece de uma certa forma invisibilizar as constantes imposições da performance “masculina” como norma na preparação e concepção do futebol praticado pelas mulheres. A diversidade de expressões, as diversas feminilidades existentes parecem ser reduzidas, uniformizadas e invisibilizadas (Kessler, 2012, p. 241).

Por mais que a categoria “mulheres” também possa incorrer ao risco da reificação da pessoa que pratica esta modalidade, encobrindo as distintas formas de se identificar das jogadoras (Butler, 1990/2003), ao se afastar da ideia do feminino totalizante anterior e colocar-se no plural, consideramos que ela se estabelece como um lócus da diferença no futebol. Essa dialética faz parte da ambiguidade que pode constituir a identidade coletiva dos movimentos sociais: para enfrentar os interditos e as fronteiras é necessário afirmar uma identidade – como “o” futebol de mulheres – o que significa ir além e questionar a própria arbitrariedade das construções das fronteiras que impedem as mulheres de jogar (Machado, 2014). Na esteira da reflexão de Wagner Camargo (2016), na medida em que as mulheres indagam essa arbitrariedade, que a criticam, abrem a possibilidade de criticar uma corponormatividade do futebol, dada em sua manifestação hegemônica masculina, valorizando estéticas e estilos não normativos de jogar. Isso porque, a “a busca pela igualdade não a busca de uma identidade única, é a busca da igualdade política de direitos e do respeito à diversidade” (Machado, 2014, p. 21).

No entanto, essa valorização é ambígua, uma vez que junto a essa dissidência do estabelecido futebol profissional de homens, acompanha-se a vontade de integrar-se ao mesmo. Deste modo, a relação entre a crítica ao futebol profissional por ser predominantemente masculino e a reivindicação por intergrar-se a ele tem constituído a dialética que é motor do discurso da associação. De acordo com a entrevistada, a questão do reconhecimento é patente: os empecilhos com os quais as mulheres têm que lidar para se dedicar ao futebol constituem uma desigualdade fundamental, alimentada desde as origens de distintas condições de dedicação à modalidade ao longo da vida de meninos e meninas. O fato de apenas 4% das licenças de jogadores junto a Federação Espanhola de Futebol ser de mulheres demonstra, na visão dela, a falta de profissionalismo que existe.

A profissionalização precária é vista nas equipes que disputam a Superliga. Segundo ela, das 18 equipes que existiam na primeira divisão, nem todas apresentam jogadoras profissionais. Destas, Real Sociedad, Barcelona, Atlético de Bilbao e Atlético de Madrid apresentam contrato profissional, entretanto, esse direito não é aplicado a todas as jogadoras. Esta fala enuncia dois aspectos da profissionalização: tanto a inexistência legal dela, quanto à invisibilidade do futebol praticado por mulheres no país, constituindo uma condição cultural e legal desta desigualdade.

A institucionalização dessa ausência de reconhecimento do futebol de mulheres na Espanha é dada por uma condição legal. Às mulheres, no país, era negado o direito de ser profissional de futebol pelo artigo 24 do Real Decreto sobre as federações esportivas no país, datado de 19917, que não permitia a existência de mais de uma liga profissional para cada modalidade esportiva. Nesse cenário, como já existia a Liga Profissional, que organiza a primeira e segunda divisão do futebol praticado por homens, até então a dedicação das mulheres à modalidade não era reconhecida como profissional, por não estarem inseridas nesta Liga, mesmo que exercessem as mesmas funções de participação em jogos e treinos.

Mas, segundo a entrevistada, a inexistência do mecanismo legal de reconhecimento da profissão não significa que elas não sejam profissionais. Pelo contrário, na medida em que se dedicam aos treinos, aos jogos, à equipe, elas são profissionais. Essa tem sido uma das brigas que a associação tem comprado: mesmo não existindo uma liga profissional, as mulheres que se dedicam ao futebol são profissionais e devem ter contratos profissionais e seus direitos trabalhistas e previdenciários pagos.

A consequência desse cenário, para ela, é alarmante, uma vez que, em função da quase impossibilidade de se tornar profissional, muitas jogadoras abandonam a dedicação ao futebol quando são adolescentes.

Estas jogadoras necessitariam de contrato profissional, porque isso lhes daria tranquilidade. Aos 14, 15 anos, se é boa, ela pode se dedicar porque terá segurança que terá um contrato profissional. Com a mulher, se ela é muito boa, nós a frustramos, porque não haverá carreira profissional para ela. E por isso quando perguntam, por que tem poucas mulheres jogando, é porque se aos 14, 15 anos já se visualiza não continuar porque não há carreira profissional, e já se desiste. Não praticam esporte, porque não visualizam a carreira profissional, preferem correr, ir à academia, mas não o esporte. E por isso não se dedicam. Se não permitem que as mulheres sejam profissionais, não vai haver uma diminuição da diferença entre mulheres e homens. A sociedade se abriu para que as mulheres pratiquem, mas não se abriu para que elas sejam profissionais. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

A ausência do reconhecimento do profissionalismo entre as mulheres não é o único indício de discriminação nessa visão. A inexistência de convênios coletivos para as jogadoras em que se negociem os direitos das mesmas; a impossibilidade da criação de “comissões mistas” (entre clubes, federação e atletas), que, no contexto espanhol, cumprem o papel de negociar as questões de atrasos salariais e não cumprimento de contratos; e a não criação de uma liga profissional consolidada, que significa, na opinião da entrevistada, a não existência de uma patronal definida para qual direcionar as demandas das jogadoras e a negociação das mesmas.

A não existência de mecanismos de negociação de contrato faz com que, mesmo aquelas jogadoras que logram o profissional, não têm margem de manobra para negociar seus salários. Segundo a entrevistada, as mulheres, quando recebem salário, ganham em média, de 400 a 600 euros por mês. As melhores jogadoras chegam a receber um salário de 2 ou 3 mil euros, mas segundo ela, não chegavam a dez jogadoras dentro do país que tinham tal pagamento, em 2013, das mais de 300 profissionais que existiam registradas. Comparado ao que se paga aos homens, esse valor é ínfimo, já que mesmo nas divisões inferiores, um jogador, em função dos convênios coletivos, chega a receber 2 ou 3 mil euros. A entrevistada argumenta ainda que a questão salarial ainda é secundária, uma vez que o mais importante é que elas sejam profissionais, fato que não foi plenamente interiorizado pela categoria. Deste modo, ela ratifica a demanda por reconhecimento e afirma a questão econômica da redistribuição como efeito da primeira (Fraser, 1998).

Quando elas estão fechando com o clube, elas chamam-nos, pedem um modelo de contrato. Isso é importante, porque as jogadoras que devem interiorizar de que são profissionais. Mas isso nem sempre ocorre, porque como gostam de jogar, pensam que é um privilegio poder jogar e nem sempre interiorizam esse tema. Nós estamos demonstrando com alguns casos, como o Rayo Vallecano, que tem que reclamar e que tem que brigar, porque elas também têm que tomar a frente, e nós a ajudaremos. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

O exemplo do Rayo Vallecano é citado como um momento em que as jogadoras e a associação se engajaram numa negociação com o clube:

E isso não é simplesmente econômica, é de direito. Quando o Rayo Vallecano faliu, conversamos com os novos dirigentes e eles disseram que queriam apoiar, mas não tinham condição de pagar 3 mil euros ao mês. Eu conversei com as jogadoras, para mim o mais importante é que tenham contrato, e que tenham assistência médica, e que paguem a previdência. Se não se reconhece essa situação, o que faz? Estas são muitas questões que temos que reivindicar. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

Segundo ela, a ausência de reconhecimento é o principal problema. Este argumento minimiza a questão econômica, uma vez que até rebaixamento salarial as atletas aceitariam. Evidentemente, isso se dá porque sem o reconhecimento do profissionalismo, a atleta até pode ter um salário mais alto, mas, quando qualquer problema de pagamento ou lesão ocorrer, ela não tem como reivindicar que seu direito seja atendido, o que seria uma questão muito mais grave na visão da entrevistada. Tal visão corrobora com as reflexões de Fraser (Fraser, 1998) sobre a complexidade da relação entre reconhecimento e redistribuição nas demandas contemporâneas, de modo que a primeira esfera pode ser mais importante e até desvinculada da segunda. A entrevistada acrescenta que problema semelhante ocorre na seleção espanhola, em que apesar de se anunciar mais de 100 mil euros investidos por ano, não há pagamento para as jogadoras. Em 2011, a FIFA indicou que as federações deveriam destinar, pelo menos, 10% dos USD 2,5 milhões que a entidade repassa a elas (FIFA, 2014) para desenvolver o futebol de mulheres. Entretanto, a ausência de reconhecimento fazia com que esse investimento sequer fosse cobrado ou fiscalizado pelas atletas, uma vez que elas não são “pares” que têm acesso a esses recursos de poder.

4 Negociações e estratégias de enfrentamento pelo reconhecimento do futebol de mulheres na Espanha

Dentre as estratégias para obter reconhecimento, a AEJF reivindica a existência de uma liga profissional. Para tanto, é necessário alterar o Real Decreto espanhol, que regula o esporte no país e remodelar o campeonato atual. No contexto dessas reivindicações também está a demanda por um convênio coletivo para a categoria, porque, segundo a entrevistada, é discriminatório que exista um convênio para os jogadores e o mesmo não aconteça entre as mulheres. Ela afirma que essas alterações são o mínimo para que se apliquem as leis nacionais que garantem e favorecem a igualdade entre gêneros, bem como aquelas que proíbem a discriminação por razão de sexo.

Tornar o futebol de mulheres profissional, de forma a reconhecer essa condição legalmente, ainda é um primeiro passo, da desinstitucionalização da desigualdade de condições e da busca por reconhecimento (Fraser, 1998). Garantir o mesmo status e a mesma agência para essas jogadoras ainda passa por demandas de visibilidade e apoio financeiro. Uma das estratégias propostas pela associação para tornar o futebol de mulheres visível e atrativo é o projeto de lei que tramita no congresso dos deputados, que fixa a inserção dos jogos de futebol de mulheres na loteria esportiva espanhola, as quinielas. Segundo a entrevistada, isso seria importante para que as pessoas vissem que há mulheres que jogam futebol. Além disso, a proposta prevê que uma parte da arrecadação vá para o futebol de mulheres, dividindo essa parcela entre a associação e os clubes. A defesa dela a este projeto está calcada na ideia de igualdade, contudo, os setores conservadores dificultam a aprovação do mesmo

Por que estão os meninos e não estão as meninas? Afinal, o que importa [para os apostadores] é o prêmio. O que há é falta de vontade. Porque quando não há partidas masculinas se completa com de outros países. Por que não o completamos com o esporte feminino? É muito importante que as pessoas o visualizem. E isso é um dinheiro que não viria dos cofres públicos. Isto é abrir um pouco as portas para que entrem as mulheres, e as posições mais conservadoras não permitem. Isso se dá, porque as estruturas resistem a essa entrada do futebol feminino. Há que fazer mudanças na própria estrutura da federação, e isso não querem. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

Além disso, ela também se contrapõe a ideia de que o futebol de mulheres seria desinteressante, por isso, não se investiria nele. Afirma ela que,

Em Bilbao, fui a uma partida de futebol feminino que tinha 8 mil pessoas. Há gente que gosta de futebol feminino, mas, além disso, tem que garantir que as mulheres tenham direito de jogar. Há partidas de mulheres que são melhores que as de homens, que podem ser bem chatas também. Elas cobram menos, mas tem que ter direito a ter contratos. Há equipes que têm patrocínio, têm que torná-lo atrativo, há ferramentas para trabalhá-los. Mas o primeiro é fazer com que as mulheres tenham o direito jurídico a se dedicar. (entrevistada Maria, entrevista pessoal, dez. 2013)

Como estratégia de dar visibilidade a essa desigualdade, reforçando a demanda das jogadoras por uma redistribuição dos recursos de acesso à prática profissional do futebol, a AEJF e uma central sindical espanhola (Comissiones Obreras) produziram o vídeo “Te juegas mucho” (Confederación Sindical Comissiones Obreras, 2014), denunciando a desigualdade e a precariedade dentro das quais está inserido o futebol praticado por mulheres no país. A chamada do documentário é realizada por um homem e uma mulher. O primeiro diz: “eu se me esforçar posso ser profissional”, enquanto a mulher afirma: “eu, ainda que me esforce, não posso ser profissional”. A narrativa do documentário apresenta as jogadoras dizendo suas dificuldades materiais e sociais para seguir na modalidade. Além disso, o documentário se contrapõe a ideia de que o futebol de mulheres não é profissional, porque não há rentabilidade. O argumento é que falta um dos direitos fundamentais, o direito ao trabalho.

Outra estratégia para obtenção de visibilidade do futebol de mulheres utilizada pela associação foi a reivindicação pela realização de uma edição feminina do troféu Teresa Herrera, em La Coruña. Esta era uma competição de verão que existia há 67 anos, até então apenas em versão masculina. Em 2013, depois de uma petição da associação e da Mudegá, as mulheres conquistaram uma versão feminina do campeonato:

A visibilidade do futebol feminino é uma das maiores barreiras com as quais se deparam as mulheres que querem praticar o esporte, o que não vê, não existe, e por isso, os clubes se encontram com dificuldades para encontrar financiamento alternativo, já que o que não se vê, não se patrocina e, por suposto, não há reconhecimento social. A criação do Teresa Herrera feminino pretende servir de plataforma que permita encontrar esse eco social que já tem o Teresa Herrera Masculino, e por em evidência a necessidade de se aplicar o princípio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em todos os âmbitos. (Asociación Española de Jugadoras de Fútbol, 2013).

Nota-se que na medida em que as demandas fundamentais são de reconhecimento, as reivindicações e as estratégias de enfrentamento a esta questão estão circunscritas à integração das mulheres ao circuito profissional de futebol. Esta, por sua vez, seria a forma de “desinstitucionalizar” os padrões que conferem não reconhecimento ao futebol de mulheres. Por essa via, as questões de discriminação e de marginalização das mulheres que praticam o futebol seriam resolvidas caso fossem oferecidas a elas as mesmas condições que aos homens.

5 Considerações finais

Tal como o modelo de Nancy Fraser (1998, 2002, 2001/2006, 2001/2007), na visão da AEFJ, as desigualdades provenientes de gênero não são apenas um discurso flutuante na cultura, já que apresentam marcas de institucionalização que reafirmam cotidianamente essas desigualdades. A marginalização e o não reconhecimento das mulheres se dão por diversas vias, como pela mídia sexista que inviabiliza a prática, os dirigentes que não a valorizam, a cultura popular que discrimina mulheres praticantes e considera o futebol de mulheres inferior ao dos homens. Mas, sobretudo a condição amadora sob a qual elas estão inseridas, a ausência de uma liga profissional, a falta de patrocínio e a ausência de políticas públicas que promovam a igualdade conferem perenidade à desigualdade entre gêneros no futebol.

O discurso da associação tenta se desgarrar do futebol praticado por homens, uma vez que a comparação tem servido apenas para inferiorizar as mulheres. Afirmar a diferença, neste caso, tem um potencial crítico e não normativo, uma vez que se desgarra da necessidade de alcançar um patamar que é, na verdade, alcançado por pouquíssimos clubes e é, sobretudo, um dos futebóis possíveis (Kessler, 2016). Quando articulado à defesa da igualdade, ele atinge uma esfera de ambiguidade. Por um lado, reivindica o reconhecimento e não marginalização do futebol não normativo das mulheres; por outro, reivindica a integração ao mercado de trabalho predominantemente masculino do futebol, como solução aos problemas de reconhecimento.

Essa demanda por igualdade nas condições de trabalho profissional no futebol isenta este circuito de críticas. A única crítica ao futebol profissional é realizada pelo fato de ele ser hegemonicamente masculino e não dar espaço às mulheres. Por fim, conforme anunciamos na introdução, a AEJF passou a integrar formalmente a AFE em 2016. Esta integração abre questões para outras pesquisas, a fim de verificar em que medida ela se deu, se propiciará uma crítica mais contundente ao futebol profissional; se terá como efeito a obliteração das questões de gênero do discurso político desta reivindicação. Enfim, questões para uma agenda aberta de pesquisas sobre a desigualdade de poder e a questão de gênero no futebol profissional.

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