Public Conversations Project é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1989 e localizada em Watertown, Massachusetts, Estados Unidos. Os profissionais dessa instituição criaram uma abordagem de facilitação de diálogos denominada também de Projeto de Conversações Públicas (PCP). O PCP busca a promoção de diálogos sobre temáticas que são polarizadoras em termos de posicionamentos e opiniões em determinadas comunidades, buscando desenvolver ou promover novas formas de ação que sejam mais democráticas e pacíficas (Herzig & Chasin, 2006). O PCP considera que quando as pessoas com posicionamentos distintos se engajam em um debate acerca de um tema polêmico em nossa cultura, elas frequentemente entram em um jogo conversacional cuja retórica demanda que seus posicionamentos sejam apresentados de modo abstrato e absoluto, uma vez que esta retórica está comprometida tanto com sua auto-legitimação quanto com o desmantelamento da lógica discursiva daqueles então caracterizados como adversários (Chasin et al., 1996).
Deste modo, o PCP propõe uma estrutura de conversa que busca evitar os prejuízos embutidos na retórica do debate. Essa estrutura pode ser descrida de forma resumida em três partes da conversa. Na primeira parte, os participantes compartilham as histórias pessoais a partir das quais seus posicionamentos com relação ao tema em conversa ganham legitimidade. O fundamento teórico desta parte da conversa está na compreensão construcionista social de que os valores que sustentam posicionamentos emergem a partir de interações locais, contextuais e históricas, e operam como referenciais de inteligibilidade e ação a partir de sua utilidade dentro destes mesmos contextos. Contudo, o apagamento do processo relacional e contextual imbricado na construção dos valores pode levar à homogeneização e simplificação extrema dos posicionamentos e à estereotipização do outro (PCP, 2011, Stains Jr., 2014). Aposta-se na relativização dos valores expressos nestes posicionamentos por meio do conhecimento da coerência entre outras histórias e outros posicionamentos, bem como no reconhecimento do sentido e da importância que determinado valor tem dentro do contexto único da trajetória dos participantes.
Na segunda parte, os participantes têm a oportunidade de falar sobre as dúvidas em relação aos próprios posicionamentos dando visibilidade e abertura a racionalidades distintas. Na mesma direção dos princípios teóricos apresentados anteriormente, entende-se que toda a construção de valores é complexa e múltipla, uma vez que uma pessoa participa ao mesmo tempo de diferentes contextos de interação social e que estes nem sempre cooperam com a construção de sentidos congruentes e similares. Contudo, em situações de debate ou disputa, vemo-nos compelidos a apresentar nossas opiniões e argumentos de modo coeso e seguro, comprometidos que estamos em “vencer” a arguição. O apagamento da complexidade de nossos posicionamentos, embora possa ter uma função retórica importante, pode contribuir também tanto com a polarização da conversa (suprimindo os matizes que compõem a complexidade dos jogos sociais) quanto com a simplificação do argumento, limitando possibilidades de exploração para o seu próprio enunciador.
Finalmente, na terceira parte da conversa, os participantes podem fazer perguntas de esclarecimento com o objetivo de conhecer e explorar tanto a história relatada quanto o modo como ela se articula com um determinado posicionamento. Destacam-se as nuances, as diferenças e singularidades que fragmentam a polarização em uma multiplicidade de contextos, histórias, posicionamentos e discursos. Conversas pré-encontro com cada participante são realizadas com o intuito de apresentar os propósitos do encontro e seus acordos, entre eles: falar a partir das próprias experiências e não como representantes de grupos ou instituições, não emitir julgamentos das falhas alheias, evitar tentativas de persuasão e estar aberto para ouvir a diferença no grupo.
A partir dessa descrição da proposta do PCP, entendemos diálogo em seu caráter prescritivo, ou seja, como um modo de conversa específico que abre espaço para o exercício da curiosidade acerca da lógica que sustenta a opinião alheia, que investe no aparecimento de novas compreensões de si e de mundo e que toma a avaliação de qualquer tema social a partir de sua complexidade e multiplicidade de opiniões (McNamee & Shotter, 2004; Moscheta, 2011; Steward & Zediker, 2000). Sendo assim, não é qualquer conversa que pode ser considerada um diálogo.
Diversos projetos de conversações públicas já foram realizados em diferentes partes do mundo. Sua abrangência chega a 15 países, tendo recebido prêmios com relação à sua relevância na promoção de transformações sociais e fomento de uma cultura de paz (Chasin, 2003; Goodman, 1992). Apesar dessa difusão e dos resultados positivos, esta metodologia de conversas ainda não havia sido utilizada no Brasil, tornando a sua implementação algo inédito.
O projeto mais amplo do qual este estudo deriva objetivou justamente analisar o uso do PCP em cenário brasileiro. A questão dos direitos de pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) foi a temática escolhida para as conversas realizadas. Esse tema foi selecionado considerando-se que o Brasil vem sendo palco de embates e redefinições acerca das temáticas LGBT (Trevisan, 2010; Vecho & Schneider, 2005). Movimentos sociais a partir das décadas de 1980 e 1990, com a epidemia da Aids, vem colocando em cheque as tradicionais definições do que é sexualidade e família e sobre quais são os direitos ainda não adquiridos pelas pessoas LGBT. Todavia, a questão da violência à pessoas LGBT (Carrara, Ramos, Simões & Facchini, 2006), os exemplos de homofobia nas escolas (Junqueira, 2009), as disputas decorrentes do pleito pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo entre militantes e religiosos (Pecheny & De la Dehesa, 2010), a aprovação na câmara dos deputados de um estatuto que reserva o uso do termo família apenas às uniões heterossexuais e o engavetamento do projeto de lei que define os crimes de discriminação por orientação sexual, gênero e identidade de gênero (Moscheta, 2011) apontam para alguns dos desafios que tais temáticas ainda impõem.
Portanto, neste estudo, buscamos descrever e analisar o processo de realização de encontros de PCP no Brasil tomando como eixo de discussão o modo como a diferença entre os participantes impactou o processo grupal, fez emergir desafios éticos e demandou respostas que modificaram a metodologia de condução dos encontros. Elegemos como tema dos encontros a criminalização da homofobia, violência à LGBT, casamento entre pessoas do mesmo sexo, atendimento em saúde, educação e em serviços religiosos à LGBT. Ainda que a temática dos direitos LGBT não seja o foco principal do estudo, entendemos ser possível, por meio dela, compreender de que forma o uso do PCP pode favorecer na criação de outros modos de relação, mais profícuos, em conversas sobre tal tema na atualidade e quais são alguns dos desafios éticos que precisam ser considerados.
Conduzimos a pesquisa ao longo de dois anos (2013 e 2014) e em duas cidades, uma no estado do Paraná e uma no estado de Minas Gerais. Todos os encontros aconteceram em salas das Universidades nas quais trabalhamos.
Realizamos, no total, dez encontros de PCP. Os dois primeiros encontros foram realizados na cidade paranaense e tiveram como temas a violência à LGBT e a criminalização da homofobia. O terceiro e quarto encontro aconteceram na cidade mineira e tiveram como tema o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O quinto, sexto e sétimo encontro voltaram a acontecer no Paraná e tiveram como tema o atendimento em saúde à LGBT, a educação e a inclusão de LGBT, e a religião e os LGBT. Os três últimos encontros aconteceram em Minas Gerais e versaram sobre a violência à LGBT.
Em cada encontro, uma dupla de facilitadores conduziu a conversa que contou com a presença de observadores. Os autores deste artigo participaram dos grupos como facilitadores e/ou observadores. A estrutura da conversa seguiu a proposta do PCP, mencionada na introdução deste trabalho. Algumas perguntas que foram utilizadas, em diferentes encontros:
Ao término de cada encontro, os participantes preencheram formulários de feedback sobre sua participação, abordando o que foi mais e menos satisfatório no grupo, o que levava da experiência e sugestões (PCP, 2011). Após cada encontro, facilitadores e observadores se reuniram para conversar sobre suas impressões acerca da intervenção realizada. Todos os encontros e conversas pós-grupo foram áudio-gravados e posteriormente transcritos na íntegra e literalmente. As informações dos formulários preenchidos foram digitadas em arquivo Word e organizadas em categorias correspondentes a cada pergunta. Todo esse material constituiu o corpus de análise desta pesquisa.
A descrição e análise do processo de realização dos encontros teve como eixo a identificação de dois momentos da pesquisa que consideramos como chaves no percurso de investigação. Em cada um deles, a diferença entre os participantes produziu questionamentos éticos que nos levaram a reformular significativamente a proposta conversacional do PCP. Portanto, tais momentos foram selecionados como marcos do processo por condensarem a possibilidade de discussão de como nós, naquele momento, nos relacionávamos com o tema “ética e diferença”, bem como dos ajustes metodológicos que implementamos. No primeiro marco, discutimos a valorização da diferença como compromisso ético e epistemológico para a realização do PCP. No segundo marco, dedicamo-nos a refletir sobre a necessidade de delimitar com qual diferença os coordenadores e participantes podem se comprometer. Assim, questionamos quais efeitos, alcançados e pretendidos, enquadram e dão direção ao nosso compromisso com a diferença. Para a nossa discussão desses marcos, elegemos uma ilustração dos encontros realizados. A discussão desse material sustentou-se na perspectiva construcionista social (Gergen, 1999; Gergen, McNamee & Barret, 2001) e nas teorias de facilitação de diálogos dos autores do PCP (Herzig & Chasin, 2006; Stains Jr., 2014).
No total, 50 pessoas participaram dos encontros, com média de cinco pessoas em cada um deles. Eram LGBT, familiares de LGBT, pastores, padres, militantes LGBT, coordenadores de grupos religiosos, profissionais da saúde, educadores, policiais e políticos. O critério de seleção desses participantes levou em conta se a pessoa considerava que a temática da conversa era relevante e marcava sua trajetória de vida, e que portanto, poderia compartilhar essas histórias no grupo. A diversidade dos participantes é indicada pelo PCP como forma de garantir múltiplos sentidos na conversa. Utilizamos como parâmetro para composição dessa diversidade convidar para o grupo pessoas de diferentes profissões, posições sociais e opiniões com relação ao tema em conversa. Alguns participantes foram contatados a partir da rede profissional dos pesquisadores, outros foram convidados por meio de contato com pessoas chaves da comunidade. Por meio de contato telefônico, a proposta do estudo foi apresentada e buscou-se identificar o interesse e envolvimento do participante com o tema. Conversas individuais de preparação foram realizadas para apresentação de detalhes do encontro e da pesquisa, incluindo as regras da conversa.
Nas descrições dos participantes ao longo deste trabalho, consideramos as características identitárias por meio das quais os próprios participantes se apresentaram no encontro.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Universidade Federal do Triângulo Mineiro e Universidade Estadual de Maringá (Protocolo nº 2064 e Protocolo nº 16775). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e são identificados neste texto por nomes fictícios, de modo a preservar seu anonimato.
Tal marco refere-se ao momento da pesquisa no qual se deu a interação entre Agda, mulher, pastora de uma igreja evangélica, heterossexual, casada e com filhos e Flavia, outra mulher, enfermeira, homossexual, casada e mãe de filhos adotivos, durante a realização do quarto encontro de PCP na cidade de Minas Gerais, que teve como tema o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estavam também presentes no grupo um estudante líder de movimento religiosos de jovens; uma estudante homossexual; uma professora do ensino médio, heterossexual. Essa interação teve início com Flavia contando sobre sua família, sobre os desafios de ter adotado crianças com a companheira, sobre como lidou com as pessoas ao seu redor e sobre como superou o preconceito. Essa fala de Flavia aconteceu em resposta à pergunta realizada pelo facilitador referente a primeira parte do encontro:
O que você poderia nos contar para essas pessoas aqui sobre sua vida, ou suas experiências pessoais que ajudariam a gente a entender qual é a tua relação com este tema da relação entre pessoas do mesmo sexo? (Facilitador, encontro de PCP, 4 de julho de 2012).
Em seguida a resposta de Flavia, Agda afirmou:
Eu vejo as pessoas como livres pra decidir sobre o que elas querem pra si e como todo mundo eu já tive oportunidade de decidir sobre isso (sobre sua orientação sexual), né? Eu acho que todos acabam se deparando com essa... com essa opção... E... é... Percebi que essa não era muito minha praia porque eu sou muito assim: família mesmo, mãezona... Eu até entendo, né? Que você adotou filhos e tudo mas eu sempre tive aquela coisa assim de ver sair das minhas entranhas E... Num... Respeito claro, eu entendo a livre escolha, todos somos livres pra decidir e... Mas, a minha opção é ser esposa de um homem, com filhos (Agda, encontro de PCP, 4 de julho de 2012).
A partir do sentido da homossexualidade como uma “opção”, Agda posicionou Flavia como livre para decidir ter ou não uma união homoafetiva, sendo que essa não era a escolha que ela própria defendia ou valorizava. Assim, Flavia acabou se colocando no encontro sempre no lugar de quem tinha que justificar suas “escolhas”. Ao mesmo tempo, a própria heterossexualidade foi colocada como uma escolha na fala de Agda, uma vez que ela aponta que já “fez sua opção”.
No momento do encontro no qual o facilitador convidou a todos a fazerem perguntas curiosas uns aos outros (terceira parte do grupo), Agda disse que gostaria de fazer uma pergunta à Flavia:
No futuro quando chegar o momento de suas filhas optarem (por uma orientação sexual), se vocês dão essa fala sobre pai, da importância do pai, se valorizam isso? Se valorizam a família tradicional ou se passam sempre a referência de uma família com duas mães? (Agda, encontro de PCP, 4 de julho de 2012).
Como apontado anteriormente, um dos acordos que os facilitadores fazem com os participantes do encontro de PCP é o de abrirem mão de perguntas que de alguma forma contenham um julgamento da forma alheia de viver. Buscando esclarecer de que forma aquela pergunta era uma curiosidade para Agda, o facilitador a abordou:
Você poderia complementar a tua pergunta dizendo porque essa pergunta é importante pra você? (Facilitador, encontro de PCP, 4 de julho de 2012).
Essa pergunta é importante pra mim porque eu defendo muito a família assim, com a figura do pai, da mãe e dos filhos. Eu acho que cada um tem o seu papel. E eu imagino que a criança deve sentir falta da referência masculina! Então assim, por isso, que eu acho que é importante nesse caso que só tem duas mães, vocês sentarem com elas e passarem essa outra visão (Agda, encontro de grupo, 4 de PCP de 2012).
Nesse momento, o uso do discurso que toma a heterossexualidade como norma, levava ao jogo de posicionamentos entre uma mulher que cumpria a norma social e uma mulher que por ser exceção, tinha que ser orientada sobre como agir, além de ter que comprovar, no grupo, sua competência como mãe. Com relação à fala anterior de Agda, Flávia respondeu:
Meus irmãos todos são heterossexuais, todos com filhos. Então a convivência lá é muito grande. Então, por exemplo, elas (filhas) passam férias com diferentes pais, mães, tudo. Às vezes ela (filha) fala assim: “Mãe, eu queria um pai”. E eu: “Então vamos arrumar um pai emprestado”. (...) Então, mais de noventa por cento dos nossos amigos e familiares são heterossexuais. A gente convive com outras pessoas (Flávia, encontro de PCP, 4 de julho de 2012).
Nesse momento do encontro, antes de Agda tomar a palavra, teria sido ideal que os facilitadores parassem a conversa para rever seus acordos, entendendo que a pergunta de Agda tem um julgamento do comportamento de Flavia embutido. Teria sido interesse explorar com Flavia como era para ela ouvir essa pergunta, intervenção que poderia reposicioná-la como alguém empoderada na conversa e poderia colaborar para Agda refletir sobre os efeitos de seu questionamento.
Em consonância com os princípios que fundamentam o PCP, nosso objetivo como facilitadores do encontro era o de contribuir com um modo de interação que enriquecesse o conteúdo das conversas a partir da possibilidade da escuta de diferentes opiniões, da experiência de posicionar-se a partir de um lugar de incerteza com relação ao tema da conversa e a oportunidade do encontro entre pessoas que muitas vezes não conversariam em seu cotidiano. O contato com estes elementos poderia favorecer, na melhor das hipóteses, uma transformação no modo como o participante se relacionava com seu próprio posicionamento frente a questão discutida e isso poderia reverberar na qualificação do debate socialmente estabelecido. Sem definir e polarizar a direção para a qual esta transformação deveria ocorrer (a favor ou contra), esperávamos que fosse ao encontro da complexidade e da produção de novas sensibilidades às “diferenças dentro das diferenças” (ou seja, a visibilidade da variedade de interesses, histórias e contextos que ficam empobrecidamente condensadas em apenas dois polos de discussão).
A multiplicação de possibilidades de falar de si no grupo (e de ouvir o outro) e o exercício reflexivo que pondera aspectos antes suprimidos eram o esteio ético de nossa tentativa de fazer a diferença aparecer no grupo. Contudo, em nenhum momento do encontro a pastora foi posicionada como alguém que deveria dar explicações sobre como vivia sua vida (como por exemplo, se ela oferecia a seus filhos outros modelos de família além do heterossexual), enquanto que a mãe homossexual respondia a suas questões com generosidade de detalhes. Essa diferença no modo de participar da conversa levou-nos a pensar em como os privilégios sociais se faziam presentes na conversa do grupo e nos limites da proposta de facilitação de diálogos frente a isto. Para nós esta discrepância colocava em xeque o benefício da qualificação do debate que havíamos identificado nos grupos anteriores. Além disso, ainda que este benefício fosse garantido, esta discrepância parecia produzir outros efeitos que nós, enquanto pesquisadores, não gostaríamos de nos ver favorecendo, como por exemplo, a reprodução de um modo hierarquizado de interação.
Diante disso, nosso primeiro movimento foi redesenhar o modo como estávamos operando dentro do modelo proposto pelo PCP. O refinamento técnico decorrente desta “reforma” se daria em nosso investimento na construção de respostas para perguntas como: Quem devemos convidar para as conversas? Que tipo de preparação teríamos que fazer com os participantes para que a desigualdade de privilégios que compunha seus contextos de vida não fosse reproduzida no grupo? Que cuidados teríamos que ter na facilitação da conversa (especialmente no momento das perguntas livres) para garantir que os participantes pudessem se beneficiar tanto da curiosidade e abertura pela história do outro quanto da possibilidade de exercitar novas descrições de si?
Esses questionamentos foram fundamentais para o amadurecimento da proposta de nosso trabalho, que descreveremos com mais detalhes adiante. Contudo, refinar a estrutura conversacional não nos parecia suficiente para lidar com um problema que cada vez mais ganhava para nós contornos éticos. Precisávamos também de uma “reforma ética”, ou seja, precisávamos definir de modo mais preciso o nosso comprometimento enquanto pesquisadores com a temática que organizava os encontros e o tipo de efeitos que gostaríamos de produzir.
Se até então havia sido suficiente conceber o propósito dos encontros como a geração de entendimentos complexos sobre o tema, a partir da conversa entre essas duas mulheres passamos a sentir a necessidade de uma formulação de objetivos que deixassem explícito o tipo de conversas que estávamos dispostos a fazer. A condução de nosso trabalho havia sido pautada até aquele momento pela atenção a coerência epistemológica de nossa proposta. Por esta via, sustentávamos que diferentes posicionamentos estão fundamentados em verdades contextualmente circunscritas (Gergen & Gergen, 2010).
Não definir um direcionamento para a conversa significava para nós a possibilidade de manter um espaço que garantisse que tais posicionamentos fossem reconhecidos e avaliados a partir de seus contextos de produção com os quais deveriam guardar coerência e não a partir de um critério externo, imposto a partir de uma verdade acima de sua contextualidade. Porém, para garantirmos este espaço nos parecia necessário ter que silenciar nossa própria contextualidade que nos fazia ficar muito mais simpáticos à história de uma das mulheres. Além disso, teríamos que silenciar nossa compreensão de que aquilo que essas duas mulheres poderiam fazer com a experiência do grupo era bastante diferente uma vez que os privilégios que cada uma dispunha fora do grupo eram desigualmente distribuídos.
Se nossa compreensão era de que no campo no qual estávamos trabalhando havia um desequilíbrio nas possibilidade de fala, uma abordagem que valorizasse de forma igualitária as duas verdades poderia sustentar não apenas a convivência de múltiplas verdades, como também a opressão de uma sobre a outra. Assim, embora epistemologicamente pudéssemos sustentar a coerência em propor conversas para a compreensão de qualquer tipo de diferenças, eticamente não era qualquer conversa que estávamos dispostos a promover.
Imaginamos que esse desequilíbrio seria diferente se Flavia fosse uma militante LGBT e trouxesse para o grupo suas histórias de oposição ao discurso religioso. Isso aponta para o cuidado de evitarmos qualquer “vitimização” ou “generalização” no encontro, ao mesmo tempo que apresenta a questão da composição grupal como um elemento fundamental para se pensar os lugares de privilégios no grupo.
Yea-Wen Chen (2014) aborda os desafios da proposição de diálogos “na diferença”. A autora aponta a importância de que os facilitadores reconheçam quais são as normas socioculturais que privilegiam determinados grupos com relação ao tema e analisem de que forma “as diferenças culturais de identidade” se ligam a diferentes relações de poder no grupo. Deve-se considerar, também, a análise da possibilidade de cada participante falar e ouvir considerando-se “as posições de self privilegiadas” que essas relações de poder estabelecem. Andrew Smith (2008) discute como o diálogo circunscrito por questões de autoridade social, política ou econômica não acontece “sem agonia”. Dessa forma, esse autor ressalta a importância de não se admitir de antemão “a simetria interpessoal”. Portanto, o foco dos facilitadores não deve ser apenas na conversa realizada no encontro, mas na “história” de interação dos grupos participantes. Considerando-se o tema dos direitos LGBT, defendemos na condução do diálogo a noção de ética como a propõem Marco Aurélio Prado e Frederico Machado (2008), ou seja, como espaço somente para as diferenças que não (re)produzam desigualdade e exclusão no campo da defesa da diversidade sexual.
Autores do próprio PCP (Herzig, 2011; Herzig & Chasin, 2006; Stains Jr., 2012) reconhecem a necessidade de considerar as forças sociais que atravessam a história de grupos e que constroem diferentes possibilidades de fala para eles. Assim, tais autores apontam a importância das conversas pré-grupo com os participantes para reflexão sobre os possíveis “riscos do diálogo”. Nesse momento, os participantes podem compartilhar “dúvidas e preocupações” para construção de um ambiente seguro de conversa. Essa postura de co-responsabilidade posiciona os participantes como capazes de identificar e refletir sobre como lidar com possíveis dificuldades vividas no encontro (Baur, Abma & Widdershoven, 2010). Essas e outras estratégias para busca do equilíbrio de forças no diálogo deve, ao nosso ver e como aponta John Forester (2012), fugir de duas posturas extremas, a de ingenuidade e a de cinismo. A primeira pode potencializar posições de assujeitamento no encontro e a segunda entende que quem ocupa posições socialmente privilegiadas sempre estará nessa posição, não importa a estrutura dialógica sugerida.
O aspecto mais importante deste marco diz respeito àquilo que se coloca antes desses cuidados técnicos relacionados a preparação e condução da conversa, a saber, o campo com o qual nós pesquisadores conseguimos legitimamente nos comprometer a partir de nosso atravessamento político. Na literatura do PCP disponível, não encontramos uma discussão específica acerca de como um facilitador de grupos (ou pesquisador) decide qual tipo de conversa deseja e pode promover, e sobretudo, de como esta decisão se ancora em princípios éticos. Foi em nossas conversas pessoais com a equipe do PCP que tais elementos ganharam destaque e nos ajudaram a compreender a necessidade de delimitarmos um campo preciso de atuação. Compreendemos que embora todas as diferenças possam ser teoricamente justificadas, no plano prático, algumas serão para nós inconciliáveis com aquilo que nos compõe enquanto sujeitos políticos e sociais. Reconhecê-las delimita a fronteira até a qual podemos eticamente percorrer.
A “reforma ética” exigiu de nós a identificação e decisão por um foco mais preciso de intencionalidade. Tratava-se não apenas de empoderamento para a conversa (que poderia talvez ser suficientemente cuidado em mudanças metodológicas), mas de nossas preferências por determinadas formas de vida. Não queríamos propor uma conversa de “vamos nos conhecer” sem delimitar “para quê” este conhecimento seria-nos útil. Então, como pensar outras formas de intervenção a partir disso? Como repensar os objetivos da conversa de forma que com relação a seu objetivo pesquisadores e participantes tomassem a diferença como algo importante e não como algo que promovesse maior exclusão? Deveríamos buscar os interesses comuns entre pessoas com posições distintas.
A partir desse momento da pesquisa, e para a organização dos seis encontros restantes, assumimos que a abordagem do PCP não seria útil em conversas nas quais não fossem considerados alguns aspectos inegociáveis importantes. Não queríamos uma conversa sem parâmetros. E consideramos que ao deixar claro aos participantes esses parâmetros colaboraríamos com sua permanência e validação. Nesta direção, definimos que estaríamos dispostos a promover conversas apenas se os participantes estivessem comprometidos com a mudança do cenário de opressão da população LGBT. E a diferença que queríamos entreter e legitimar nos grupos seria aquela referente ao modo como os participantes entendiam o tipo de mudança e o modo como ela poderia/deveria acontecer.
Quanto às relações de poder presentes no grupo, pensamos que não bastaria convidar o outro ao diálogo, precisaríamos considerar quem estaria em conversa. Do lugar de quem estava convidando essas pessoas ao diálogo não poderíamos deixar de pensar em seus propósitos e nos responsabilizarmos pelos efeitos que imaginávamos que eles poderiam ter. Assim, os três encontros seguintes realizados no Paraná foram organizados com um propósito claro de congregar pessoas que tivessem como interesse comum a melhoria do cenário de violência na cidade, ainda que tivessem opiniões distintas sobre como contemplar esse interesse. A resposta a essas duas demandas se deu na estruturação de três grupos temáticos, um sobre saúde, outro sobre educação e um terceiro sobre religião.
No grupo da saúde convidamos profissionais da saúde e pessoas que se definiram como LGBT e que tinham uma relação específica com essa temática (por exemplo, uma transexual que tem vivido a experiência de buscar atendimento para a realização do processo transexualizador). A conversa deveria versar sobre a qualificação do atendimento em saúde a pessoas LGBT na cidade. No grupo de educação convidamos professores de diferentes níveis de ensino e pessoas LGBT para uma conversa sobre inclusão de pessoas LGBT nas escolas. No grupo de religião, convidamos religiosos e pessoas LGBT para uma conversa sobre o oferecimento de serviços religiosos a pessoas LGBT. Todos os participantes deveriam ser a favor dessa qualificação (por exemplo, um coordenador de serviço de saúde preocupado como a falta de adesão das travestis aos tratamentos oferecidos), ainda que discordassem sobre como conquistá-la.
Aqui, assumimos claramente o direcionamento da conversa e utilizamos a proposta do PCP para facilitar um diálogo que potencializasse ações que atendessem a ambas as partes (a melhoria do atendimento em saúde, por exemplo). Esperávamos que este enquadramento favorecesse uma conversa que ampliasse a compreensão dos diferentes cenários (saúde, educação e religião) e que oferecesse possibilidades criativas de ações transformadoras.
Uma mudança importante nesta fase do projeto foi a inclusão na equipe dos “especialistas de campo” (PCP, 2011) que trabalharam juntamente com a equipe de pesquisadores. Os especialistas de campo foram escolhidos a partir de seu envolvimento com a temática e sua história de atuação na comunidade local. Esta equipe contou com: (equipe saúde) uma enfermeira coordenadora do Centro de Testagem e Aconselhamento, um equipamento de políticas de enfrentamento à HIV/Aids; uma militante transexual que trabalha na implantação do ambulatório de transexualidade; (equipe educação) um diretor de escola de ensino médio e mestre em estudos de gênero; uma aluna de pedagogia transexual e membro e diretório central de estudantes, DCE; (equipe religião) um pastor de uma igreja que promove cultos ecumênicos e inclusivos e que mantém uma casa abrigo para jovens LGBT. Os especialistas de campo foram considerados agentes estratégicos para a identificação, acesso e preparação dos participantes dos grupos. Ao criar espaço para os especialistas de campo buscamos avançar nosso processo de pesquisa deslocando-nos do “fazer para” para o “fazer com”, reconhecendo que estas pessoas teriam melhores condições de identificar quem na comunidade local teria maior interesse e condições de se beneficiar da conversa que estávamos propondo.
Dentro deste enquadramento dado o compromisso com a qualificação dos serviços a conversa que se estabeleceu no grupo possibilitou a emergência de uma diferença no modo de compreender e agir dos participantes com relação ao tema em questão. O aparecimento no grupo destas diferenças possibilitou o diálogo sobre formas de coordenação possíveis.
Os exemplos dessa coordenação da diferença pode ser visto na fala de uma diretora de escola pública, que em resposta às falas de pessoas LGBT sobre o preconceito que sentem de seus professores, apontou a solidão que o professor pode sentir ao não saber lidar com a questão da diversidade sexual na escola:
Eu queria fazer uma colocação, assim, quando se fala em educação, É... no sentido de que vocês colocam o lado gay. É.... Como uma incompreensão, e eu gostaria de fazer uma fala pedagógica, de se entender a dificuldade da pessoa (professor/a) que não é (gay)... Que tem cristalizado nela preconceitos, que ela também tem que desmontar. Então, quando você diz assim ó: "Eu fico solitário" eu entendo isso, mas, o outro lado eu vejo que é verdadeiro também, porque a gente vê a dificuldade da solidão da pessoa (professor/a) que de repente quer entender melhor e não... Ela tem que desmontar uma série de coisas, né? (Carmen, encontro de PCP, 11 de setembro de 2014).
Essa diferença, considerando-se seus efeitos no grupo, não teve um efeito de desqualificação das histórias de preconceito vividas e relatadas no grupo e, ao mesmo tempo, levou um dos participantes, um professor universitário homossexual, a dar outro sentido para sua experiência de ter se sentido ignorado por seus professores na infância, a partir de sua compreensão de como esses professores também não sabiam como agir na situação:
Pra mim assim, eu nunca tinha parado pra pensar numa coisa que a Carmem comentou, e que eu acho que ela tem total razão assim, que... Muitas vezes até, talvez as pessoas tivessem querido me ajudar, é... assim, como querem ajudar as outras pessoas mas, ou elas não sabem, né... Pela formação, ou elas têm medo de não poder; que eu acho que, esse medo de não poder, porque tem limitação mesmo, né? (...) Então, isso é... acho que é o que eu levo desse grupo mesmo, e isso alivia muito, alivia muito né, no sentido de que não há um mundo contra mim, é uma estrutura né (Otávio, encontro de PCP, 11 de setembro de 2014).
Com relação às modificações no delineamento dos últimos encontros, realizados na cidade mineira, optou-se pela condução de três encontros seguidos com os mesmos participantes. Essa mudança respondia ao feedback oferecido pelos participantes nos encontros realizados no Paraná sobre a limitação de uma única sessão grupal e ao nosso desejo de experimentar diferentes formatos grupais. Outra modificação realizada na estrutura dos encontros foi a escolha de pessoas que não apenas demonstrassem interesse na temática, mas que tivessem uma história de envolvimento com a questão que sinalizasse seu engajamento em defesa dos direitos das pessoas LGBT. Esperávamos que nestes encontros os participantes tivessem a possibilidade de ampliar entendimentos que potencializassem suas ações contra à violência à pessoas LGBT.
Assim, três encontros sobre a criminalização da homofobia foram realizados em Minas Gerais, com representantes de organizações não-governamentais LGBT, representantes de órgãos de defesa de direitos humanos, políticos, além de advogados e promotores. Essa temática, antes inadequada para uma conversa com pessoas não diretamente ligadas à discussão dos direitos de pessoas LGBT, agora era um tema relevante para a população alvo desses encontros.
A proposta principal desses encontros foi a de explorar a seguinte questão:
Pensando na tua trajetória de vida, em quem você é, naquilo que você faz, na tua rede de relações, nas preocupações que você enunciou aqui, e aquelas que ainda não deu pra você enunciar, e claro, considerando o tema dessa conversa, o que é que você acha que poderia continuar fazendo, começar a fazer e parar de fazer? (Facilitador, encontro de PCP, 15 de outubro de 2014).
Percebe-se aqui a intencionalidade de posicionamento dos facilitadores com relação aos participantes do grupo. Entendendo self como múltiplo (Gergen & Gergen, 2010), e entendendo que a construção da identidade em grupos de facilitação de diálogos se dá em meio a exploração de diferentes “eus” no grupo, com diferentes consequências para o desenvolvimento da conversa (Black, 2008), optou-se por, de antemão, convidar ao grupo o “eu” engajado na proposta de mudanças.
Colocar em conversa pessoas envolvidas de forma mais direta em ações de defesa dos direitos de pessoas LGBT é apostar no diálogo como fomentador de transformações sociais. Nesse sentido, abríamos espaço, na pesquisa, para a análise dos efeitos do PCP para além das interações microssociais no grupo. Diferentes autores problematizam o efeito de práticas dialógicas no contexto sociopolítico mais amplo (Chasin et al., 1996; Hess & Joseph, 2011). Alguns impactos mencionados por participantes de encontros de PCP são: terem levado para seu ambiente familiar e de trabalho novas formas de pensar sobre o tema; o questionamento de pessoas que tomam seus “oponentes” de forma estereotipada; e a preferência por conversas menos polarizadas sobre o tema. Ainda assim, esses autores reconhecem que o fato do PCP não ser realizado em “fóruns abertos ao público” possibilita que os efeitos do PCP para a qualificação dos debates públicos seja apenas indireta.
No encontro realizado nessa última etapa da pesquisa, a fala de Cristina, uma militante LGBT, sintetiza um dos efeitos da participação no grupo com essa proposta de uma ética de valorização da multiplicidade e da diferença a favor de um valor comum. Ela respondeu a pergunta do facilitador sobre como foi participar dos encontros e, entre outras coisas, respondeu:
Eu saio com vontade de fazer um montão de coisa, que tava na minha cabeça e que eu tinha também medo de colocar em prática mas que eu me senti encorajada pra poder disso daqui começar a fazer (Cristina, encontro de PCP, 17 de outubro de 2014.
O olhar retrospectivo sobre este processo de pesquisa nos permite elaborar uma compreensão didática de três planos de diferença interrelacionados. Identificamos que algumas diferenças são inconciliáveis com o nosso atravessamento político e que, portanto, não podemos nos comprometer com elas a partir de um lugar apreciativo. Chamamos, portanto, de diferenças inconciliáveis aquelas que delimitam a margem do campo dentro do qual os pesquisadores e coordenadores de grupo podem e desejam atuar. Escolhemos o termo inconciliável para adjetivar tais diferenças pois preferimos situá-las relativamente a nossa própria condição como coordenadores.
Também tratamos de diferenças relacionadas ao modo como cada participante situa-se com relação a uma determinada temática e ao modo como agem em direção a um determinado objetivo. A estas diferenças preferimos chamar de coordenáveis, pois sua emergência no grupo abre possibilidades de articulação de ações e ideias que potencializam o movimento do grupo em uma direção, por meio da compreensão enriquecida por novas perspectivas e pela costura de ações conjuntas antes sequer sonhadas.
Por fim, escolhemos o termo diferenças congeminativas para falar das diferenças que ao aparecerem no grupo permitem ao mesmo tempo a multiplicação das possibilidades de falar de si (e de ouvir o outro) e a reflexão sobre as implicações disto no avanço do diálogo sobre determinada temática. O termo congeminativo, conforme a definição do dicionário Houaiss (2009), congrega tanto o sentido de “tornar múltiplo” quanto o sentido de “meditar, cismar, pensar muito sobre”.
Em síntese, as diferenças inconciliável, coordenável e congeminativa referem-se a três planos de decisão ético-técnico no processo de facilitação de diálogos, a saber, respectivamente, o plano político-social, o plano das ações conjuntas e o plano da história pessoal. Tais decisões ético-técnicas podem ser ilustradas pelos questionamentos: Qual é o campo e a direção que enquadra esta conversa? Como possibilitar o agenciamento de novas ações e idéias? Como multiplicar as formas de compreensão de si e do outro? Esses questionamentos, e outros que ficaram fora dos limites de nossa análise, podem orientar novas propostas de recursos conversacionais que busquem lidar e problematizar o diálogo na diferença.
Os idealizadores do PCP ressaltam, em diferentes produções sobre a estrutura de facilitação de diálogos que promovem, que a entendem como um modelo a ser adaptado de acordo com as características, objetivos e contextos de sua utilização. Nesse sentido, a presente pesquisa endossa a importância da flexibilização dessa proposta a partir das diferentes alterações empreendidas ao longo dos encontros. Entendemos que as mudanças realizadas no design de nosso projeto de pesquisa refletem uma postura que toma pesquisa como um processo aberto de construção relacional, com os pesquisadores em constante postura de reflexão sobre os efeitos de suas decisões. Com estas mudanças, nos apresentamos enquanto pesquisadores mais situados, interessados na defesa e proposição de determinadas formas de vida e situamos o cenário de intervenção no qual nos propomos atuar.
A partir de um incômodo de natureza ética, pudemos explorar as ferramentas dialógicas necessárias para o favorecimento desse diálogo em uma direção eticamente engajada. Pudemos explorar a diferença entre assumir uma postura filosófica construcionista social de valorização de diferentes verdades e uma postura ética de contextualização e análise de como essas verdades são performatizadas nos contextos microssociais. Passamos a considerar que não seria em qualquer conversa que, como profissionais e pesquisadores, gostaríamos de eticamente nos comprometer com a diferença como um valor. Isso, para nós, não impediria o uso da abordagem proposta pelo PCP, uma vez que seu uso deveria ser considerado a partir dos efeitos – éticos e políticos - que gostaríamos de produzir nas conversas, incluindo a antecipação de suas possíveis reverberações e incluindo os participantes no planejamento dos grupos. Assim, ao invés de definir-se uma estratégia para “empoderados” e “desempoderados”, os próprios participantes tomam as decisões sobre como lidar com essas questões no grupo. Ou seja, entendemos que a construção de um clima ameno, seguro e confortável para a conversa, a partir das diferenças que compõem os seus participantes, é algo que deve ser partilhado com todos.
Uma ressalva importante de ser feita sobre essa opção ética é a de que, ainda que a heterogeneidade dos participantes seja garantida na diversidade de suas trajetórias e afiliações sociais e institucionais, uma certa homogeneidade entre os participantes se estabelece na medida em que estes tem interesse de participar e disposição em se comprometer com as regras do encontro. Isto significa dizer que uma diferença mais radical ou demarcada fica excluída dos grupos e vai demandar outras modalidades de ação social.
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