Este artigo tem por finalidade colocar em discussão as dimensões éticas e políticas da pesquisa, tomada como um “ofício”. Os diálogos da psicologia com áreas como filosofia, antropologia, sociologia e ciência política revelam-se frutíferos na construção de questionamentos sobre a ciência em sua busca por formas críticas de pesquisar/intervir. Tomamos por empréstimo a consideração de Charles Wright Mills (1959/2009, pp. 21-58) da pesquisa como “artesanato intelectual” ou como a “prática de um ofício”. Para ser um bom “artesão”, recomenda Mills, é preciso evitar conjuntos rígidos de procedimentos e o fetichismo de método e técnica. O relato detalhado de como se procede no próprio ofício, nessa perspectiva, é o ponto de partida para estabelecer a conversa entre pesquisadores/as.
Colocamos em movimento reflexões que alimentaram o cotidiano da pesquisa Narrativas sobre a morte: experiência de mulheres trabalhadoras rurais e mulheres vivendo com HIV/Aids no jogo político dos enfrentamentos pela vida (CNPq). Essa pesquisa teve por objetivo a coprodução de narrativas sobre a morte com mulheres militantes do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas (MNCP) e do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central de Pernambuco (MMTR-Sertão Central PE). Os encontros com a equipe, com as mulheres dos dois movimentos e com outros/as pesquisadores/as geraram reflexões sobre a relação pesquisadoras-pesquisadas. Narrar reflexivamente esses encontros confere visibilidade aos posicionamentos que acompanham a produção, a análise e o compartilhamento de textos da investigação. Jean D. Clandinin e Michael F. Connelly (2011) propõem os termos “textos de campo” e “textos de pesquisa” para problematizar as linguagens construídas na pesquisa narrativa. Por textos de campo, os autores se remetem às transcrições, registros de campo, notas e reflexões no processo investigativo, dentre outros textos. Os textos de pesquisa seriam as produções acadêmicas propriamente ditas: dissertações, teses, artigos e assim por diante. As questões suscitadas permitem localizar o que fazemos na interface entre pesquisar/intervir, pano de fundo que subjaz nossas discussões, organizados pelo compromisso de compartilhar nossos textos de campo.
O foco deste texto, de caráter teórico, é o conjunto de encontros que a pesquisa proporciona. Nossos argumentos serão aqui construídos como exercício de pesquisar-a-pesquisa, à semelhança do que propõe Andrea V. Zanella (2013), quando assume a pesquisa como “prática social ética, estética e política”. Nosso propósito, portanto, é relatar o que estamos fazendo, produzindo uma reflexão sobre os efeitos da pesquisa no cotidiano de “pesquisadoras” e “pesquisadas”.
Do ponto de vista metodológico, a discussão está organizada em torno de quatro encontros centrais. O primeiro diz respeito ao processo de elaboração conjunta do projeto e os desafios de fazer convergir interesses de pesquisa. O segundo focaliza os desafios cotidianos da equipe no trabalho com o tema da morte, mas também a sinergia necessária para o trabalho à distância. O terceiro encontro toca na relação entre pesquisadoras e pesquisadas, situando dilemas ético-políticos aí experimentados. O quarto e último encontro a ser discutido diz dos estranhamentos com relação ao tema da morte, ecoando entre pesquisadas e interlocutores/as acadêmicos. Ao explanar sobre cada um desses encontros, recorremos a anotações das pesquisadoras e fragmentos de contatos iniciais de negociações de campo, tecendo articulações com autores das ciências humanas e sociais com o intuito de tornar analítico nosso relato. Espera-se que o texto provoque a ampliação do debate sobre a pesquisa, como prática social, que se faz em processo de múltiplas relações e diálogos, como aponta Zanella (2013).
As ideias iniciais da pesquisa foram colocadas em diálogo durante a XIV edição do Simpósio da ANPEPP, em 2012. Naquela ocasião, o grupo de trabalho Cotidiano e Práticas Sociais pactuara a construção de reflexões acerca do documentário Solitário Anônimo (Saúde & Transformação Social, 2013). Engajamo-nos em diálogo estimulante sobre como o tema da morte atravessava nossos interesses de pesquisa. Produzimos convergências na elaboração do projeto de pesquisa, provenientes das indagações sobre como a morte emergia em pesquisas com mulheres trabalhadoras rurais e por questões a respeito de como o tema é experienciado em processos participativos organizados em torno de patologias. Em encontros que antecederam a elaboração do projeto, narrados a seguir em dois fragmentos, conjecturávamos aproximações com o tema da morte em contextos de militância:
Morrer e não poder ser enterrado por conta de um documento” foi a constatação do que acontecia com as pessoas em Jatiúca por aqueles dias do mês de março de 2002. Isadora e os/as demais moradores/as de Jatiúca1 estavam estupefatos/as. Um morador fora doente para Recife e lá falecera. Quem acompanhava o rapaz tinha esquecido de levar o atestado de óbito. A família tentou fazer o enterro em três municípios diferentes, e não conseguiu. Somente após a autorização do juiz da comarca, a família pôde fazer o sepultamento. Naqueles dias, essa história foi o assunto principal dos/as moradores/as do local. De vez em quando, alguém comentava algum fato novo ou acompanhava as idas e vindas da família para fazer o velório. Pesarosas e pensativas, as pessoas diziam que tudo isso acontecera por causa de um documento. (Cordeiro, 2004, pp. 152-153)
Dei carona para Clarice2, militante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas3, e conversava com ela sobre o interesse em conciliar o tema da morte com os processos associativos de pessoas e/ou familiares portadores de patologias. Ela compartilha dois casos. O primeiro narra a morte de uma militante em um acidente de carro, o que deixou atônitos os companheiros e companheiras de militância. O segundo narra a morte de outra militante que, deliberadamente, deixara de tomar a medicação antirretroviral. Rememorar essa segunda história emociona Clarice, por sua ligação afetiva com a militante que morrera. Clarice comenta os paradoxos em cada caso. No primeiro, a morte é vivida com certa indignação, como se a única causa possível para se morrer fosse pela doença. O segundo desafia os propósitos da militância, uma vez que uma de suas lideranças “decide morrer”. (Luciana, notas de campo [encontro com Clarice], 20 de setembro de 2012)
Os fragmentos ilustram pontos de partida para o trabalho conjunto, que nos apresentou proximidades no modo de analisar narrativas sobre a morte e sua relação com sujeitos políticos. A escrita do projeto foi desenhada com a convergência de percursos investigativos, anunciando, desde o início, um desejo de interlocução interinstitucional e projetando a investigação como espaço compartilhado de negociação de interesses de pesquisa de cada um/a, para o encontro de pesquisadoras/es em diferentes níveis de formação. Parafraseando Mills (1959/2009, pp. 21-58), quer o soubéssemos ou não, o esforço de convergência temática, teórica e metodológica recriava a nós mesmas no “aperfeiçoamento do nosso ofício”.
De modo semelhante à proposta teórico-metodológica de Maria Tamboukou e Mona Livholts (2015), assumimos a inflexão de uma escrita situada como uma ferramenta tanto de reflexividade como de difração. Como proposta de reflexividade, a descrição dos encontros iniciais das autoras, que se tornariam coordenadoras do projeto, permite retomar como forjamos a nós mesmas como pesquisadoras dedicadas a estudar narrativas sobre a morte em contextos de militância. A metáfora ótica da difração, que Tamboukou e Livholts emprestam de Donna Harraway, coloca em jogo mais do que “ver a si mesma em ato”, mas força as interferências e interações que modificam a imagem, produzindo, portanto, padrões de diferença. Não apenas nos miramos e encontramos nossos próprios reflexos; encontramo-nos transformadas.
Para além das dificuldades geográficas de uma equipe que contou com dezoito integrantes (dez em Pernambuco e oito em Minas Gerais), entre doutorandas, mestrandas/o, bolsistas de iniciação e de apoio técnico ao extensionismo, havia um outro: a coconstrução do “campo-tema”. Se, como propõem Peter K. Spink (2003, p. 30), “o campo começa quando nós nos vinculamos à temática”, com uma equipe grande e a pretensão de se produzir um espaço dialógico e colaborativo, foram vários os “começos” da pesquisa. Como modo de organização do processo de trabalho os encontros da pesquisa, nos dois estados, foram empreendidos em seminários de estudo e reuniões operacionais.
Cientes da necessidade de diálogo permanente, adotamos algumas estratégias que garantiram um “cotidiano virtual” da pesquisa: e-mails, reuniões virtuais, blog e grupo privado do Facebook. O blog e o grupo do Facebook foram mantidos privados ao longo do desenvolvimento da pesquisa. O grupo foi aberto às participantes ao final da vigência formal do projeto e o blog permaneceu, até o momento, como ferramenta de interlocução das/os integrantes da equipe. O conteúdo do blog foi transferido para a página do grupo de pesquisa Narrativas, Gênero e Saúde (NaGeS)4 após discussões de equipe sobre o que deveria se tornar público.
Apesar dos cuidados para a montagem de um cotidiano que sintonizasse a equipe, foi uma atividade combinada entre nós que revelou os muitos começos. Decidimos, coletivamente, produzir autonarrativas5 sobre a morte. Os disparadores dessa decisão foram os receios compartilhados por algumas de nós sobre como faríamos o contato com as mulheres, as indagações sobre como produziríamos uma questão geradora para as narrativas, as dificuldades imaginadas sobre como conciliaríamos narrativas de trabalhadoras rurais e mulheres vivendo com HIV/Aids.
Essa atividade mostrou relações distintas que cada pesquisador/a estabelecia com o campo-tema, antecipando, em grande medida, os constrangimentos que a morte produz como objeto de investigação, mas também como assunto da vida (quase sempre banido da vida). Um recurso anterior às autonarrativas era o compartilhamento, entre nós, de indicações de textos literários. Trocamos impressões sobre títulos diversos como modo de sensibilizar a equipe para o trabalho com o tema da morte. Trabalhamos, por exemplo, com textos literários em que a morte é personagem, como a peça As Centenárias (Moreno, 2009) e o romance As intermitências da morte (Saramago, 2005).
A produção das autonarrativas também possibilitou que compartilhássemos nossas vulnerabilidades e dores diante da morte. De certo modo, as autonarrativas preparam a equipe para os encontros que viriam; aqueles com as pesquisadas. A produção das autonarrativas foi um primeiro passo que se desdobrou na construção de anotações mais sistemáticas sobre as afetações do contato com o campo-tema em nossos diários de campo e em textos institucionais que se vinculam de algum modo à pesquisa, como se lê na dissertação de Rebeca Nascimento:
Todas as pessoas que me conhecem sabem que eu morro de medo de defuntos, velórios, enterros, caixões, cemitérios e tudo o que faz parte desse universo. Mas, não sei se por ironia do destino ou acaso, nos últimos meses é o que mais tenho estudado e pesquisado. Quando me vejo cercada de livros como, “O tabu da morte”, “A morte e os mortos na sociedade brasileira”, “A morte é uma festa” e “A história da morte no ocidente”, chego a não me reconhecer. A minha relação com a morte foi se tornando tão próxima que no último ano participei do Encontro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, realizado entre os dias 08 e 12 de julho de 2013, na cidade de Belo Horizonte/MG. Custei em acreditar que tinha chegado a esse ponto. Engraçado é que eu me enchia de orgulho quando ia dizer a alguém que participaria de um encontro que discutiria cemitérios. Acho que meu orgulho era em saber que eu estava me familiarizando com o que eu mais rejeitava nesta vida. Acredito que os estudos vêm me possibilitando estabelecer outra relação com a morte e penso que cada dia eu venço um pouco do meu medo. E no decorrer do mestrado a morte resolve fazer uma visita na minha família. Meu avô materno morreu. Não pude acreditar que a morte estava ali tão perto. Ele sempre passava distante, morria um vizinho, um conhecido, um parente distante. Mas meu avô? Não queria acreditar. Como era de se esperar, não fui ao velório e nem ao sepultamento. E em meio ao sentimento de vazio e perda, os textos que eu havia discutido no grupo de estudo começavam a fazer sentido. Na semana seguinte, cheguei ao grupo carregada de reflexões. (Nascimento, 2014, pp. 15-16).
Nossa posição guarda similitude com as reflexões de Jeanne Favret-Saada (1990/2005) sobre a experiência de ser afetado na pesquisa. Para a autora, aceitar ser afetado não implica identificar-se com o ponto de vista do nativo, tampouco, aproveitar a experiência do campo para exercitar o narcisismo. Aceitar ser afetado é quando o pesquisador/a “faz justiça àquilo que nele é afetado, maleável, modificado pela experiência de campo, ou então àquilo que nele quer registrar essa experiência, quer compreendê-la e fazer dela um objeto de ciência” (p. 13).
Em suas considerações sobre pesquisa como ofício, Mills (1959/2009, pp. 21-58) nos convida a pensar sobre a ação recíproca entre vida e trabalho. Nesse sentido, examinar e interpretar permanentemente esse entrelaçamento entre a experiência de vida e o trabalho intelectual deve compor o processo contínuo do ofício de pesquisar. O diário é recomendado pelo sociólogo como forma de manter ativada a análise desse entrelaçamento vida/pesquisa. De modo semelhante às colocações de Mills, Clandinin e Connelly (2011) assumem o entrelaçamento entre vida e prática de pesquisa em suas reflexões sobre o exercício de composição de textos de campo. A escrita autobiográfica como texto de campo, argumentam os autores, leva o/a pesquisador/a para “o entremeio da experiência” (p. 143). Em nosso caso, além de pesquisar-a-pesquisa, os exercícios de reflexão sobre nós mesmas/os foram assumidos como um modo de construir a investigação como um espaço formativo.
As autonarrativas foram um produto não imaginado na projeção inicial da pesquisa. Esse trafegar errático é apenas aparente, pois, como prática social ética e política, a pesquisa é um processo em aberto e deve se beneficiar da reflexividade constante sobre o que se experimenta na posição de pesquisadores/as (Cordeiro, 2004; Tamboukou e Livholts, 2015; Zanella, 2013).
A perspectiva teórico-metodológica que guiou a produção e análise dos textos de campo desta pesquisa buscou elementos tanto da etnografia narrativa, como da história oral. Jaber F. Gubrium e James A. Holstein (2009, p. 25) denominam de etnografia narrativa a prática investigativa que “focaliza a atividade narrativa cotidiana que se revela na interação situada”. Para esses autores, “histórias são montadas e contadas para alguém, em algum lugar, num certo momento, por diferentes motivos e com uma variedade de consequências.” (Gubrium e Holstein, 2009, p. 10). As narrativas são tomadas, portanto, como produção social situada e endereçada a alguém.
De autores da história oral buscamos elementos que permitem compreender as dimensões éticas da coconstrução das narrativas, a análise da relação entre pesquisadoras e pesquisadas, a posição de “ouvintes especializadas”, e os cuidados com a preparação das transcrições de registros gravados das entrevistas (Patai, 2010).
O trabalho de campo envolveu estratégias de aproximação com as entrevistadas, considerando-se as especificidades de acesso às mulheres nos dois movimentos. Num primeiro momento, as lideranças do MMTR do Sertão Central de PE e de uma organização da sociedade civil mineira vinculada ao MNCP foram contatadas, apresentando-se a proposta da pesquisa. Com o MMTR a apresentação foi para um coletivo de lideranças, durante um encontro do movimento. O contato inicial com o MNCP ocorreu por meio de entrevista de aproximação ou pré-entrevista (Bosi, 2003). A pré-entrevista em estudos de narrativas, de acordo com Ecléa Bosi (2003), têm um caráter exploratório, antecipando linguagens, vivências e sujeitos específicos a serem entrevistados posteriormente. Para a pré-entrevista convidamos Clarice, mencionada anteriormente num fragmento de anotações prévias à elaboração do projeto, e agendamos o encontro, para o qual fomos três pesquisadoras/es. A anotação de campo sobre a pré-entrevista antecipou-nos uma série de desafios com o desenvolvimento da pesquisa.
Clarice nos narra uma trajetória de redescoberta de si e de sua potência de vida após receber o diagnóstico com sorologia positiva para HIV. Inicia logo a militância em variadas frentes dos movimentos de pessoas vivendo com HIV/aids. Torna-se uma importante liderança, com reconhecimento nacional. Quando nos encontramos, em situação de pré-entrevista ela nos conta: “quando alguém morre, há uma dupla perda. O movimento fica desestruturado, por perder mais uma militante. Cada uma fica triste, porque o sentimento é de perdermos alguém muito próximo.” Ela enfatiza os fortes laços afetivos que acompanham a participação no movimento. Conversamos sobre como os movimentos de pessoas vivendo com HIV/Aids construiu uma pauta relevante, transnacional, que permite a construção de políticas públicas inclusivas e Clarice lamenta perdas recentes nessa arena. Clarice narra, ainda, a forte atenção e canalização de esforços para garantir uma vida cotidiana de qualidade para as pessoas vivendo com HIV/aids, mas dos poucos recursos (materiais, simbólicos, políticos) para compreender as perdas que sempre estiveram presentes no contexto desta militância em particular. (Luciana, notas de campo [pré-entrevista com Clarice], 10 agosto de 2013).
Passada a etapa de apresentação da pesquisa, o segundo momento da pesquisa consistiu na realização de entrevistas narrativas com militantes dos dois movimentos. Essa modalidade de entrevistas envolve um processo aberto, deflagrado por uma questão ligada aos objetivos do estudo que têm por finalidade desencadear um processo de “contação de histórias” (storytelling). (Gubrium e Holstein, 2009; Riessman, 2008). A questão central desenhada para o estudo foi: Como o tema da morte aparece ao longo de sua vida?
Os contatos iniciais geraram duas estratégias distintas de coprodução das entrevistas narrativas subsequentes. As entrevistas com as trabalhadoras rurais foram realizadas durante duas visitas da equipe a municípios do Sertão Central de Pernambuco (em maio e agosto de 2013), como acordado na apresentação coletiva realizada para as lideranças do MMTR. As entrevistas com as cidadãs posithivas foram realizadas após divulgação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido no e-group do MNCP, acompanhado pelo convite à participação na pesquisa. As cidadãs posithivas que se dispuseram a participar da pesquisa residem em variados locais do Brasil, tornando necessária a utilização de Skype ou telefone6 para a realização de várias entrevistas. Dos encontros com as participantes do estudo foram produzidas 16 entrevistas presenciais com trabalhadoras rurais e oito entrevistas com cidadãs posithivas, (duas presenciais, quatro por Skype e duas por telefone.) Quase todas as entrevistas foram realizadas por duplas de entrevistadoras.
A aproximação com autores que pensam as dimensões assimétricas entre pesquisadoras e pesquisadas (Clandinin e Connelly, 2011; Geertz, 2001, pp. 30-46; Gubrium e Holstein, 2009; Patai, 2010) ou sobre o papel do/a intelectual (Fine, Weis, Weseen e Wong, 2006; Foucault, 2004, pp. 240-251; Molinier, 2014), nos alerta sobre o fato de que somos “pesquisadas/os” e a pesquisa é avaliada constantemente. A mirada que pesquisadas direcionaram às/aos pesquisadoras/es e à proposta de pesquisa, configura-se como elemento ímpar nos encontros proporcionados no processo investigativo. Por outro lado, nossas referências teórico-metodológicas favorecem o pressuposto de que os textos de campo são coproduzidos, não estão previamente prontos para serem coletados. O que se tem como produto do encontro é delineado em conjunto.
Gubrium e Holstein (2009) falam do papel ativo dos narradores – ou os sujeitos de pesquisa –, mas também dos/as pesquisadores/as na atividade de contar histórias. Colaboração e controle são alguns dos elementos que devem ser incorporados no processo de análise de narrativas, sugerem os autores. A colaboração diz respeito aos elementos que, na conversa, contribuem para que a narração aconteça, quase sempre manifesta na participação direta dos/as pesquisadores/as no processo de contação de histórias. Não se trata de seguir uma fórmula precisa de procedimentos para entrevista narrativa, como se pode ler em algumas proposições, mas de ativar certa sensibilidade para analisar como pesquisadores/as e pesquisados/as se relacionam e colaboram (ou não) na construção de histórias que interessam a um dado estudo. Reconhece-se, portanto, que pesquisadores/as têm papel ativo na narração. Sobre o controle, na análise de narrativas, que mostra o papel ativo de narradores/as não apenas no enquadre das histórias que preferem narrar, mas de certa correção de rumos que impõem quando interpelados/as pelos/as pesquisadores/as.
Com inflexões teóricas diferentes, Clandinin e Connelly (2011) e Clandinin (2013), chegam a proposições semelhantes a essas, alertando sobre o trabalho narrativo como cocomposição. A “realidade narrativa” é sempre composta entre pesquisadores/as e pesquisados/as, em suas múltiplas modulações, nos espaços concretos de produção da pesquisa. Clandinin (2013, p. 201) pondera que a pesquisa narrativa nos lembra quem somos e em quem nos tornamos está sempre em relação com os participantes da pesquisa, concluindo que “ninguém deixa uma pesquisa narrativa sem se modificar”.
Em sintonia com essas leituras, nossas reflexões iniciais buscam os trechos de entrevistas, os encontros com as mulheres, para colocar em discussão esse modo como somos vistas/o e, consequentemente, como somos situadas como pesquisador/as. Ao mesmo tempo, a pesquisa, no conjunto, tem sido constantemente avaliada nos encontros proporcionados pela pesquisa. Os fragmentos da entrevista com Cora marcam os lugares em contraposição, de pesquisadoras e pesquisadas, e ponderam sobre a responsabilidade relacional que estabelecem:
Cora: é uma pena, que outras pessoas que tá do outro lado... e eu também fiquei pensando nisso... eu digo... “bom... elas não têm HIV... mas ela têm uma cabeça... mesmo elas fazendo esse tipo de trabalho, elas têm uma cabeça das pessoas que eu tô pensando... que não tem HIV... elas pensam da maneira das pessoas que eu tô pensando...” vocês tão fazendo essa pesquisa, mas vocês não sabem como eu me sinto, não são vocês, vocês tão fazendo só os seus trabalhos, mas só quem tá do lado de cá, que vê, que a coisa é a coisa mais normal do mundo, pra mim, morte não existe... (Cora, entrevista pessoal, 13 de novembro de 2013)
Nísia também marca a diferença entre pesquisadoras/es e pesquisadas em sua entrevista, distinguindo qual é a “função” de cada grupo de sujeitos nesse encontro. A exigência de um retorno sobre a pesquisa é mais direta do que no relato de Cora, que acredita que as pesquisas dão “uma resposta”, mesmo que os resultados não lhe sejam sempre apresentados.
Nísia: eu mandei um recado pra ela ((Clarice))... pro e-group falando que tinha recebido o termo de consentimento, que tinha lido, que pra mim estava tudo ok... e... não tinha problema algum... a gente tem que ficar atenta pra isso... Uma coisa que eu gostaria que você gravasse aí é que quando eu levantei essa discussão na rede... porque assim... quantas pesquisas que a gente já participou... embora a gente ache que é muito importante essas pesquisas... pesquisas comportamentais, pesquisas... está gravado isso, né? É importante...é muito importante as pesquisas... mas é importante também os pesquisados terem retorno desses resultados... não somos nós que vamos analisar esses resultados... não queremos.... quem analisa é a academia, são vocês ((risos)) tipo assim... o problema é seu ((risos))... agora... a gente quer ter retorno disso... vocês que... narrativas sobre a morte... experiências de mulheres trabalhadoras tal... como é que foi isso... qual o resultado dessa pesquisa? Eu acho que tem que ter o mínimo de compromisso de vocês pesquisadores/entrevistadores... tem que ter é... dar esse retorno pra gente. Então colocar o nosso e-mail aí no seu, no seu e-mail e falar assim: “oh, entrevistamos e daqui um ano a gente vai ter o resultado... vocês vão receber”... isso aí é fundamental, porque... assim como é importante a... sensibilidade de vocês para nos ouvir... é importante também a nossa participação na pesquisa... sem a gente, vocês vão fazer pesquisa AONDE? Só no imaginário não é possível ((risos))... então, é importante que vocês também... vocês que eu digo... os pesquisadores... respeitem também a nossa posição e nos dê o retorno necessário. (Nísia, entrevista pessoal, 11 de novembro de 2013)
Hilda, entrevistada por uma dupla de estudantes (mestrado e doutorado), cuja orientadora é Rosineide, pede um aparte para situar uma espécie de voto de confiança na situação de entrevista.
Hilda: Eu vou falar um pouquinho sobre Rose... viu? A gente que faz parte do movimento... quando apareceu Rose... quando Vanete Almeida... Vanete Almeida trouxe Rose pro movimento... que apresentou a gente... que a gente começou a trabalhar com Rose... ela fazia pesquisa e tal e ela sempre trazia o resultado da pesquisa pra gente e isso dá ânimo. Quando a gente vai pra uma reunião que a gente vê uma universitária lá que diz lá que é aluna de Rose... isso dá ânimo na gente... e elas têm uma preocupação do que elas fazer... da pesquisa que elas fazer... elas trazer o resultado pro movimento... elas não ficam pra elas... elas sempre devolvem pra gente a pesquisa... aquele resultado... aí a gente só tem o que a agradecer a Rose com as universitárias... alunas dela... porque... o trabalho é excelente. (Hilda, entrevista pessoal, 14 de junho de 2014)
Os fragmentos das entrevistas com Cora, Nísia e Hilda acenam para um elemento que nos parece fundamental: como as pesquisadas compõem grupos já articulados, a pesquisa e as/os pesquisadoras/es são pautadas/os em seus diálogos. Um sentimento de nós-pesquisadas e eles/elas-pesquisadoras é estabelecido não apenas pela relação entre a equipe e cada uma das entrevistadas isoladamente, mas entre equipes (incluindo contatos prévios estabelecidos com outros/as pesquisadores/as) e elas, as pesquisadas. A exigência de um retorno das produções da pesquisa, ou a certeza de que ele virá, é formulada por outras entrevistadas como questão, como se observa no contato telefônico feito entre Cecília e Luciana e do diálogo entre Rosineide e Rachel:
Cecília: Deixa eu só te perguntar uma coisa... depois que fizerem essa pesquisa, aí o que vocês vão fazer? Vocês vão divulgar? Vocês vão fazer o quê com essa pesquisa?
Luciana: a gente tem a intenção de... de fazer... pelo menos pela pesquisa, duas formas de devolução [...] a gente tem a intenção primeiro de contar pra vocês... como a gente acolheu as entrevistas que vocês estão gentilmente nos concedendo... e tentar construir um entendimento sobre isso... num segundo momento, Cecília, a gente quer compartilhar entre os dois movimentos as narrativas/as histórias que nos tão sendo contadas... então as histórias que as mulheres rurais nos contam a gente vai mostrar pra vocês... mulheres... cidadãs positivas... e vice-versa... fazendo reverberar essas histórias de mulheres em contextos diferentes com militâncias diferentes [...] a gente tem também a intenção de publicar os resultados...
Cecília: é... é muito importante isso aí... essa coisa de publicação... porque tem outras que a gente faz que a gente não vê nada do que acontece depois né... depois a gente não vê o resultado... por isso que eu tô perguntando... (Cecília, entrevista pessoal, 11 de dezembro de 2013)
Rosineide: ... como você leu no consentimento essa é uma pesquisa que eu tô realizando aqui com as trabalhadoras rurais e a minha colega Luciana com a equipe dela está fazendo em Minas Gerais com mulheres com HIV... a nossa ideia é que a gente tenha um momento que retorne pra vocês as análises que a gente fez... mas também que troque os depoimentos... pra que... talvez... é uma coisa que a gente fala no movimento coletivamente pra que vocês também vejam o que fazem as mulheres que vivem com HIV... sobre a morte.
Rachel: É interessante... muito interessante... porque uma coisa que a gente tem trabalhado muito na zona rural é a questão do HIV né... ainda não chegou e a gente não quer que chegue... pelo menos tão visível como em outros lugares né... (Rachel, entrevista pessoal, 12 de novembro de 2014)
Os fragmentos de conversa expõem as tentativas das pesquisadoras de comunicar à Cecília e à Raquel as “boas intenções” da pesquisa, ao compartilharem, minimamente, as estratégias de compartilhamento de dados antecipadas desde o projeto. Temos poucas dúvidas sobre a riqueza dos resultados da pesquisa. Ambicionamos fazer a pesquisa reverberar, recuperando o termo endereçado a Cecília, para além das relações específicas da pesquisa, com a proposta do blog e de um livro em que as entrevistas estão editadas como contos7, por inspiração nas modalidades de pesquisas baseadas em artes (art based research) (Leavy, 2013). As questões formuladas à equipe, contudo, mais do que serem respondidas com o script previsto em nosso cronograma, o compartilhamento de informações têm gerado uma preocupação permanente com o alcance das nossas discussões.
Em sintonia com Michelle Fine, Lois Weis, Susan Weseen e Loonmun Wong (2006), que discutem a responsabilidade intelectual na relação entre pesquisadores/as e pesquisados/as, tentamos reconhecer os endereçamentos que estendemos às entrevistadas, mas também queremos compreender as exigências que nos são feitas. Nos fragmentos trazidos para discutir o terceiro encontro, Cora, Nísia, Cecília, Hilda e Rachel, de modos diferentes, assinalam que sabem quem somos e o que imaginam que deva ser feito com os resultados, para além das nossas projeções de compartilhamento de informações da pesquisa.
Contamos com contribuições clássicas da literatura internacional sobre a morte em diferentes campos, com destaque para Philippe Ariès (1977/1982) e Elizabeth Kübler-Ross (1969/2008). Também contamos com estudos instigantes da antropologia brasileira, dos quais nos inspira Marilyn K. Nations (2007), em seu olhar para a morte em território nordestino. A despeito disso, a morte como ponto de interesse tem revelado o quanto este é um assunto tabu nos circuitos acadêmicos. Em meados do século XX Geoffrey Gorer (1955) formulou um argumento constantemente referenciado em publicações mais recentes: a morte, em seu processo natural de degradação, tornou-se pornográfica. Ou seja, como tema-tabu é algo que “nunca é discutido ou referido abertamente” e, como tal, relaciona-se ao prudente silêncio sobre ela.
A morte atravessa diferentemente a militância no MNCP e no MMTR-Sertão Central de PE, estamos cientes disso. Em parte, discutimos em outro texto as desigualdades da morte em fragmentos narrativas das trabalhadoras rurais (Kind e Cordeiro, 2014). Aqui, acentuaremos o estranhamento diante do tema da morte em duas situações. A primeira, um fragmento de entrevista, em que Cora assume a desconfiança inicial com a pesquisa.
Cora: ...dentro do movimento não se fala sobre morte... a não ser que o movimento todo vá pra o enterro de alguém que morreu.
Luciana: Já aconteceu?
Cora: Já... Eu me lembro que eu tava...((cita o nome de um instituição)) que trabalha com HIV/aids, aqui em [capital do estado] e eu tava na cidadãs... logo no começo... e minha mãe faleceu... e todo mundo foi pro enterro da minha mãe... Quer dizer o povo se lembrou de mim... assim... na hora deram o maior apoio a mim... mas esqueceram da minha mãe... eu achei... não achei legal todo mundo ir... porque foram lá... sei lá... só me apoiar e quer dizer... não fui eu que morri foi minha mãe que morreu... mas eu não to nem aí não, é uma coisa meio doida...sei lá...não me preocupo não... acho que morte... morte... é uma coisa que preocupa... (Cora, entrevista pessoal, 13 de novembro de 2013)
Destacamos, como um segundo estranhamento, uma nota de campo que registra a apresentação da pesquisa em evento, com fragmentos das entrevistas com mulheres vivendo com HIV/aids. O grupo de trabalho era composto, em sua maioria, por pesquisadores/as das ciências sociais.
As reações à apresentação do trabalho revelam mal-estar. “A morte está afastada do cotidiano dessas mulheres. Elas lutam pela vida. Há uma opção clara pela vida!”, uma das debatedoras interpela. Outras questões são levantadas pelos presentes: “O que vão trazer para o movimento? Quais são os desdobramentos para a vida dessas mulheres? O que vocês vão fazer com essas entrevistas? Afinal, para onde querem olhar?” Havia certa hostilidade nas questões. Os demais trabalhos, bastante elogiados pelas debatedoras, versavam sobre direitos sexuais e reprodutivos, prevenção de DST/aids, com desenhos etnográficos bem assentados ou com o formato de survey bem definido. O comentário mais gentil que nos foi dirigido foi a indicação do filme Positivas. (Luciana, notas de campo [comunicação oral em congresso de saúde coletiva], 17 de novembro de 2013)
Cora fala explicitamente da morte, assim como as outras entrevistadas, de certo modo legitimando a pesquisa e seu tema. Diante da questão geradora – Como o tema da morte aparece ao longo de sua vida –, as mulheres vivendo com HIV/Aids têm iniciado suas narrativas pela história do próprio diagnóstico de soropositividade. Ademais, a estratégia de contato com essas participantes, desenhada por Clarice e acolhida pela equipe, pressupõe a disponibilidade e interesse em conversar sobre a morte. Dos/as interlocutores/as no grupo de trabalho, aproveitamos a indicação do filme, para o qual dedicamos um olhar analítico (Kind, Nascimento, Gonçalves e Cordeiro, 2015).
Caroline Landau (2011) estudou a memória coletiva do ativismo de resposta e enfrentamento à Aids no Brasil. Preocupada com os caminhos futuros do ativismo contra a Aids, Landau alerta: “[desistir] do ativismo de hoje é se conformar com trinta e uma mortes por dia, em média, como consequência da Aids” (p. 39). Por mais efetivas que tenham sido as lutas e as conquistas por prevenção e assistência no que se refere ao controle da epidemia de HIV/Aids, a morte (ou o silenciamento sobre ela) ainda acompanha o cotidiano dessas mulheres.
Gradativamente, mesmo após a vigência formal da pesquisa, vamos construindo inteligibilidade para as questões que ela nos permite elaborar. Nesse processo, ainda não está claro quem são, efetivamente, nossos/as interlocutores/as. O fragmento sobre a participação em um evento, com colegas das ciências sociais, antropólogos/as, em sua maioria, leva-nos a questionar: a morte não seria um tema legítimo? Ariès, Kübler-Ross e outros autores bastante citados disseram as últimas palavras sobre o tema a habitar a imaginação intelectual? Os cenários e participantes da pesquisa são sui generis, mas isso, a nosso ver, não revela um movimento frívolo. Ao contrário, ao levar a pesquisa para os espaços de discussão científica, reiteramos nosso compromisso em propor uma discussão séria e refletida sobre nossas escolhas teóricas, metodológicas e éticas. Como inspiração, recorremos a uma das muitas afirmações de Michel Foucault sobre o trabalho de um/a intelectual:
O trabalho de um intelectual não é moldar a vontade política dos outros; é, através das análises que faz nos campos que são os seus, o de interrogar novamente as evidências e os postulados, sacudir os hábitos, as maneiras de fazer e de pensar, dissipar as familiaridades aceitas, retomar a avaliação das regras e das instituições e, a partir dessa nova problematização (na qual ele desempenha seu trabalho específico de intelectual), participar da formação de uma vontade política (na qual ele tem seu papel de cidadão a desempenhar). (Foucault, 2004, p. 249)
Ainda nos inquieta o processo subjacente de desqualificação do interesse com o tema da morte que se apresenta no diálogo entre pares. De modo semelhante a Pascale Molinier (2014, p. 32), que assume a ética feminista em sua “consciência das rupturas e acordos”, sabemos que o próprio tema com o qual operamos gera afastamentos. Esperamos, contudo, que aproximações estejam também no horizonte.
Esse exercício de pesquisar-a-pesquisa, sem tomar diretamente os resultados da pesquisa, disponíveis no momento apenas em relatório técnico (Kind e Cordeiro, 2015), diz do nosso desejo de interlocução. A produção de textos com exposição dos resultados de pesquisa e das reflexões teórico-metodológicas aprimoradas ao longo da pesquisa estão ainda em construção, estimando-se sua publicação em breve.
Os modos de narrar a pesquisa têm nos ocupado sobremaneira, considerando-se também as questões sobre a autoria do texto em pesquisas narrativas (Clandinin e Connelly, 2011; Leavy, 2013; Patai, 2010). Trouxemos para esse artigo nosso trabalho de campo como modo de reflexividade e difração. Em geral, os textos que se dedicam a discutir as experiências de campo e as responsabilidades de pesquisadores/as expõem as assimetrias que distanciam pesquisadores/as, com seu rol de privilégios, e pesquisados/as com vozes silenciadas ou de baixo alcance (Fine et al., 2006; Moliner, 2014). Seria um caminho aparentemente seguro apostar que nossa pesquisa entra na linhagem das investigações que “dão voz às mulheres”. Além de frágil, esse seria um caminho insustentável. Colocamo-nos em encontro com mulheres cujas vozes não precisam de mediações acadêmicas e políticas. A despeito disso, ao propormos o tema da morte em modo de narrativa, posicionamo-nos em “um tipo intenso de escuta” (Patai, 2010) sobre algo que não se pode considerar irrelevante nas experiências das participantes. Como projeto político, a pesquisa ladeia o compromisso de Rosana P. Rodriguez (2013) em suas reflexões sobre o testemunho de mulheres em experiências de aborto e violência. A autora argumenta que, a narração “estabelece outra relação com a palavra”, forçando sua dimensão ética e disruptiva para “impulsionar o futuro com força criativa”. (Rodriguez, 2013, p. 1167).
Nosso contexto de investigação e escolhas teórico-metodológicas são indubitavelmente diferentes dos que alicerçam as colocações de Rodriguez. Contudo, apostamos de modo semelhante na potencialidade das narrativas de mulheres como diferentes registros da experiência – político, pessoal e coletivo – e na possibilidade de se produzir reverberações em outras mulheres e na sociedade, de modo mais abrangente.
Ariès, Philippe (1977/1982). O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Bosi, Ecléa (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial.
Clandinin, Jean D. (2013). Engaging in narrative inquiry. Walnut Creek, CA: Left Coast Press.
Clandinin, Jean D., & Connelly, Michael F. (2011). Pesquisa narrativa: experiências e história na pesquisa qualitativa. Uberlândia, MG: EDUFU.
Cordeiro, Rosineide. L. M. (2004). Além das secas e das chuvas: os usos da nomeação mulher trabalhadora rural no Sertão de Pernambuco. Tese de Doutorado inédita. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
De Finna, Anna & Georgakopoulou, Alexandra (2012). Analyzing Narrative: discourse and sociolinguistic perspectives. Cambridge, NY: Cambridge University Press.
Favret-Saada, Jeanne (1995/2005). Ser afetado. Caderno de Campo, 13, 155-161. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v13i13p155-161
Fine, Michele; Weis, Lois; Weseen, Susan, & Wong, Loonmun (2006). Para quem? Pesquisa qualitativa, representações e responsabilidades sociais. In Norman K. Denzin, & Yvonna S. Lincoln. (Org.), O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens (pp. 115-139). Porto Alegre: Artemed.
Foucault, Michel (2004). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Geertz, Clifford (2001). Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Gorer, Geoffrey (outubro, 1955). The pornography of death. Encounter, pp. 49-52.
Gubrium, Jaber F., & Holstein, James A. (2009). Analysing narrative reality. Los Angeles: Sage Publications.
Kind Luciana & Cordeiro, Rosineide (2014). Desigualdades na morte narrativas de mulheres do Sertão Central de Pernambuco. ComCiência, 163.
Kind, Luciana & Cordeiro, Rosineide (2015). Narrativas sobre a morte: experiência de mulheres trabalhadoras rurais e mulheres vivendo com HIV/Aids no jogo político dos enfrentamentos pela vida. (Relatório final de pesquisa: CNPq 404865/2012-7). Brasília: CNPq.
Kind, Luciana & Cordeiro, Rosineide (2016, no prelo) (Orgs.). Notícias da Vida: experiência de mulheres trabalhadoras rurais e mulheres vivendo com HIV/Aids no jogo político dos enfrentamentos pela vida. São Paulo: Letra e Voz.
Kind, Luciana; Nascimento, Patrícia C.; Gonçalves, Nayene V., & Cordeiro, Rosineide (2015). Até que a morte nos separe? Amor e vulnerabilidade no documentário Positivas. In: Flávia C.S. Lemos, Dolores Galindo, Vilma N. Brício, Danielle V. Santos, Ellen A. Silva, Leila C.C.S. Almeida (Orgs.). Psicologia, Educação e Saúde. (pp. 93-110). Curitiba: Editora CRV.
Kübler-Ross, Elizabeth (1969/2008). Sobre a morte e o morrer. (9ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Landau, Caroline (2011). “A Aids mudou de cara”: memória coletiva e novas oportunidades para o ativismo da Aids no Brasil. Plural, 17(2), 11-44. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2010.74538
Leavy, Patricia (2013). Fiction as research practice: short stories, novellas, and novels. Thousand Oaks, CA: Left Coast Press.
Mills, Charles W. (1959/2009). Sobre o artesanato intelectual e outros estudos. Rio de Janeiro: Zahar.
Moliner, Pascale. (2014). Cuidado, interseccionalidade e feminismo. Tempo Social, 26(1), 17-33.
Moreno, Newton (2009). As Centenárias & Maria do Caritó. São Paulo: Terceiro Mundo.
Nascimento, Rebeca R. S. (2014). “Documentos da morte”: a certidão de óbito e a regulamentação da morte e da vida no Sertão pernambucano. Dissertação de Mestrado inédita. Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
Nations, Marylin K. (2007). Corte a mortalha: o cálculo humano da morte infantil no Ceará. Rio de Janeiro: Fiocruz.
Patai, Daphne (2010). História oral, feminismo e política. São Paulo: Letra e Voz.
Riessman, Catherine K. (2008). Narrative methods for the human sciences. Thousand Oaks, CA: Sage.
Rodríguez, Rosana P. (2013). El poder del testimonio, experiencias de mujeres. Estudos Feministas, 21(3), 1149-1169. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2013000300021
Saramago, José (2005). As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras.
Spink, Mary Jane P., & Rasera, Emerson F (2013). Reflexões sobre as múltiplas expressões do Biopoder. Saúde & Transformação Social, 4(3), 1-3.
Spink, Peter K. (2003). Pesquisa de campo em psicologia social: uma perspectiva pós-construcionista. Psicologia & Sociedade, 15(2), 18-42. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200003
Tamboukou, Maria & Livholts, Mona (2015). Discourse and narrative methods. London: Sage.
Zanella, Andrea V. (2013). Perguntar, registrar, escrever: inquietações metodológicas. Porto Alegre: Sulina.