Constituição brasileira: A noção de família e planejamento familiar como estratégia de governo

Brazilian Constitution: The concept of family and family planning as a government strategy

  • Helena Beatriz Kochenborger Scarparo
  • Daniel Dall’Igna Ecker
Neste artigo abordamos um estudo sobre os contextos jurídicos da Constituição brasileira em que se encontram a noção de família e de planejamento familiar, assim como as leis a respeito do planejamento familiar promulgadas após a Constituição de 1988. Apoiados na perspectiva foucaultiana problematizamos as racionalidades que embasam tais legislações, assim como pensamos os possíveis efeitos dessas na organização e gerenciamento da população na atualidade. Efetuamos a seleção do material analisado através de pesquisa sistemática na Constituição e busca no Portal da Legislação da Presidência do Brasil. Através dos resultados, percebemos que a noção de família e de planejamento familiar compõem ferramentas jurídicas que se constituem como elementos de cerceamento e disciplinarização dos sujeitos através das regulamentações que estabelecem. Assim, as jurisdições operam como estratégias governamentais para contemplar objetivos que colocam o trabalho como a base de tudo e, a partir disso, orientam a população através das políticas que produzem.
    Palavras chave:
  • Constituição brasileira
  • Família
  • Planejamento familiar
  • Leis
In this paper we approached a study about the legal contexts of the Brazilian Constitution which we find the notion of family and family planning, as well as the laws regarding family planning that were promulgated after the 1988 Constitution. Guided through the Foucault’s perspective we questioning how the rationalities that underlie such legislations may produce effects in the organization and management of the population nowadays. We selected the material analyzed through systematic research in the Brazilian Constitution and in the Portal of Legislation of the Presidency of Brazil. The results obtained indicate that the idea of family and family planning compose legal tools which constitute elements of retrenchment and disciplining of subjects by regulations that they establish. Thus, the jurisdictions operate as strategies to the Brazilian government that include goals that put the employment as the base of everything, and from this, directs people through the policies that produce.
    Keywords:
  • Brazilian Constitution
  • Family
  • Family planning
  • Laws

1 Introdução

Neste artigo abordamos um estudo sobre os contextos jurídicos da Constituição Federal brasileira em que se encontram a noção de família e de planejamento familiar, assim como as leis a respeito do planejamento familiar promulgadas após a Constituição de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). Apoiados nessa fonte e na perspectiva foucaultiana buscamos problematizar as racionalidades que embasam tais legislações, assim como pensar os possíveis efeitos destas jurisdições na organização e gerenciamento da população brasileira na atualidade.

No Brasil, os estudos e discussões sobre família fazem parte da historia intelectual. Dentre as diversas abordagens e perspectivas, encontram-se autores que entendem a família enquanto base de valores e de normas sociais, fonte de afetividades, responsável pelas infâncias, constituidora de gêneros e sexualidades, cerceadora dos jovens, foco estratégico das ações de atenção à saúde e da formulação de políticas públicas (Acosta & Vitale, 2005/2008; Couto, R. & Marin, 2009; Heilborn, 2004; Kaloustian, 1997/2005; Losacco, 2005/2008; Sawaia, 2003/2008; Szymanski, 2005/2008).

No campo da psicologia predominam perspectivas naturalizadas da noção de família. Essas buscam fomentar, quantificar ou qualificar a participação desse modo de agrupamento humano na gestão e organização social (Rodrigues, Cruz & Guareschi, 2013). Assim, a família segue a lógica da funcionalidade. É o caso das estratégias de intervenção na escola, junto às famílias, na busca por um ideal de desenvolvimento humano, do uso dos membros familiares como ferramentas centrais para inserção profissional dos jovens, da família como estruturadora de cotidianos e de projetos de vida ou como disciplinadora dos processos de socialização. A noção de família também é referência para pensar a existência de quem vive em outras lógicas de convivência como moradores em abrigos ou sujeitos em situação de rua (Dessen & Polonia, 2007; Diniz & Salomão, 2010; Nepomuceno & Witter, 2010; Rego, Bastos & Alcantara, 2002; Vasconcelos, Yunes, & Garcia, 2009; Yunes, Arrieche, Tavares & Faria, 2001).

Nessa perspectiva, é relevante pensar a importância das questões relativas ao planejamento dessas famílias tendo em vista que elas funcionam como estruturas relacionais que mantêm e gerenciam diversas ações na área da educação, trabalho, moradia e construção de territórios na cidade, entre outros. Concomitantemente, sabe-se que o planejamento familiar é um tema controverso atravessado por interesses políticos, ideológicos e científicos que se contra argumentam em opiniões diversas sobre qual deveria ser o destino da população (Aguinaga, 1996).

No Brasil, é a partir da Constituição Federal de 1988 que emerge uma lei sobre esse tema. A Lei 9263/96 discorre sobre orientações, penalidades e outras providências organizando a forma como os métodos contraceptivos são utilizados nas práticas de planejamento das famílias. Nela, é direito do homem e da mulher decidir sobre o número de filhos. A noção de família posta nessa jurisdição é contemplada de forma estratégica, reduzindo os diversos fatores que envolvem constituir uma família a contagem de mais ou menos sujeitos que nascem (Gattiboni, 2004).

Nesse contexto, se torna visível a importância de estudos que coloquem em questão como as noções de família e de planejamento familiar foram se constituindo nas legislações brasileiras. Nesse artigo, buscaremos decorrer sobre esse tema primeiramente apresentando autores e contextos em que a ideia de família esteve presente. Em seguida, apontaremos alguns percursos da noção de planejamento familiar no Brasil desde a Constituição de 1988 até a atualidade para, então, apresentar os processos da pesquisa, os resultados e as discussões que emergiram através da análise dos materiais selecionados.

2 Família: Teorias e contextos

Dentre as diversas abordagens intelectuais que discorrem sobre a noção de família predomina a compreensão de que o modelo patriarcal, formado por um núcleo conjugal e filhos consanguíneos, traduz um dos principais imaginários associados à família brasileira. Entende-se que esse imaginário se consolidou através do poder dominante de uma elite: sendo a única que tinha acesso à produção literária e acadêmica, descreviam como generalidade apenas as realidades das quais pertenciam. Assim, o modelo patriarcal passa a ser responsabilizado por obscurecer outras formas de configuração familiar produzidas em contextos sociais diversos (Corrêa, 1982).

Renata Moura e Maria Lucia Boarini (2012) discutem que, no Brasil, os estudos e intervenções sobre a família se intensificaram a partir da criação da Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) na década de 1920. Acrescentam que tais estudos se articulam com práticas eugênicas propostas na época. Composta pela elite intelectual com profissionais de diversas áreas, especialmente da Medicina, a LBHM tinha forte engajamento político-social e buscava intervir nos modos de vida da população. No que se refere à família, as autoras descrevem que as propostas da Liga compreendiam a ideia de família como configurações formadas por sujeitos inseridos em núcleos organizados moral, intelectual e sexualmente. A LBHM partia do principio de construção da nação “ideal”, pautada nos moldes burgueses, com forte marca de depuração social. Esse processo consistia em “separar indivíduos superiores de inferiores, normais de anormais, degenerados e menos evoluídos dos mais evoluídos. Essas ideias passaram a propor regras até mesmo para as escolhas conjugais e para a organização da vida sexual nas famílias” (Moura & Boarini, 2012, p. 230).

Em 1931, época de intensificação das propostas da LBHM no Brasil, Cooper lança na Inglaterra o livro A Morte da Família. Seu conteúdo divergia das proposições da Liga no Brasil. O trabalho de Cooper questionava a família nuclear da sociedade capitalista. Para Cooper era possível encontrar réplicas da família em todas as estruturas sociais já que ela era modelo para a aprendizagem social que subjetivava os sujeitos em uma lógica da incapacidade humana para autossuficiência. Assim, a família teria funcionalidade ao Estado, pois filtraria a espontaneidade dos sujeitos para torná-los cooperativos e dependentes. O ponto crucial para o autor seria o papel que a família desempenha na indução das bases do conformismo, condicionando o cidadão para ser “eternamente obediente” (Cooper, 1986, p.14).

As propostas políticas da LBHM, assim como muitas das ideias dos intelectuais brasileiros dessa época, eram importadas do contexto europeu. Ideias essas muito vinculadas a noções de degeneração e higiene mental que, juntas, uniam hereditariedade e origem social como saberes capazes de explicar as mazelas sociais. Para a Liga, por exemplo, os problemas da nação tinham como causa central a existência de indivíduos considerados degenerados, menos evoluídos, inferiores ou anormais (Junior & Boarini, 2007). Ao trazer um contraponto em relação ao pensamento dominante na época, os difusores do pensamento de Cooper veem em suas ações a incidência de práticas repressivas, que viriam a tentar anular qualquer ação que propunha outro modo de compreensão da realidade, em defesa dos regimes totalitários que predominavam nessa década (Seixas, Mota & Zilbreman, 2009).

Após esse período, outras publicações surgem discutindo a noção de família, mas essas preocupavam-se em compreender e tentar tornar universal os motivos e características que suscitariam a união de pessoas em núcleos específicos e fechados. Dentre essas propostas destacam-se: a família enquanto perpetuação de um sobrenome promovedor de direitos; a família enquanto instituição mantenedora de uma moral e a família como espaço de centralização dos afetos (Costa, 1999; Lasch, 1991; Wagley, 1963). Também são dignos de nota os estudos evolucionistas que interpretam a união de indivíduos em um mesmo espaço sob a ótica da reprodução. Entretanto, Peter Laslett (1972), apoiado em suas pesquisas no Cambridge Group for the History of Population and Social Structure, rejeitou essa lógica, pois concluiu haver diferentes padrões familiares de acordo com as regiões e épocas analisadas.

Especificadamente no campo da psicologia, nos anos 70, em consonância ao surgimento do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais, discute-se o papel do psicólogo e sua responsabilidade social. Há uma crise da psicologia, incluindo a disciplina da psicologia social, evidenciada através dos questionamentos sobre as ideologias e valores que embasavam suas práticas. Dessa forma, a lógica positivista, a favor de produzir sujeitos “saudáveis” que ofereceriam ao mercado econômico e político sua produtividade, é colocada em questionamento. A partir disso, aliado aos movimentos sociais de nível local, apesar da repressão política e global, novas formas de pensar e fazer psicologia emergem na busca por práticas que favoreçam a emancipação social em contraponto à privatização dos sujeitos (Scarparo & Guareschi, 2007).

Esses processos de questionamento de uma determinada ordem social tornam possíveis a emergência de discussões antes repreendidas pelas forças políticas, colocando em evidencia a noção de família nuclear dominante e os valores que a apoiavam. Associava-se a esses questionamentos contraposições e tensionamentos à manutenção da ditadura civil-militar vigente no País. Além disso, movimentos feministas, estudantis, religiosos, partidários e de interesse privado se articulavam na busca de interesses específicos que questionavam as concepções de sujeitos e de família que predominavam nos discursos intelectuais e políticos naquele período.

Nos anos 80, após a posse de José Sarney na vice-presidência do Brasil, a aprovação da nova Constituição para o país buscou estabelecer princípios democráticos visando apagar resquícios da ditadura civil-militar. A partir da Constituição de 1988 diversos dispositivos governamentais passaram a operar na realidade política do Brasil como norma constitucional. Essas ações tiveram implicações no modo como se estruturou a sociedade a partir desse período, principalmente, através da formulação e legitimação de políticas públicas (Couto & Arantes, 2002). A Constituição de 1988 propôs instituir um Estado democrático que assegurasse os direitos sociais e individuais (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988). É nesse documento que, pela primeira vez, surge no Brasil uma lei que aborda especificadamente a temática do planejamento familiar.

3 Planejamento Familiar no Brasil: Da Constituição de 1988 à atualidade

Os debates sobre taxas de fecundidade nos países da América Latina se intensificaram no contexto da Guerra Fria, da polarização Norte-Sul e do regime militar no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960 (Sobrinho, 1993). A discussão foi disparada, por um lado, através dos interesses internacionais que, após a Revolução Cubana, propunham o controle da natalidade para evitar a implantação de regimes comunistas e mudanças nas estruturas sociais. Surge ainda movimentos intelectuais, especialmente os dedicados à demografia e economia. Esses interpretavam o crescimento populacional como ferramenta para o desenvolvimento econômico. Nessas abordagens eram raras menções ao bem-estar da população.

A temática do planejamento familiar no Brasil, na segunda metade do século XX, fundamentava-se em ideologias controlistas e não controlistas que, ao longo dos anos, se incorporaram aos discursos governamentais e programas oficiais. De caráter complexo, por colocar valores e ideais sociais em questionamento, nem as organizações não governamentais surgidas entre as décadas de sessenta e setenta, que ofereciam métodos de controle da fertilidade, chegavam a acordos sobre seus objetivos de trabalho. Nesta época, movimentos sociais, na sua maioria de mulheres, denunciaram instituições e práticas que resultavam em esterilização (Sobrinho, 1993).

Em 1983, o Ministério da Saúde lançou Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: bases de ação programática (PAISM). Nele, o controle da natalidade é associado à logica do “livre arbítrio das pessoas e das famílias brasileiras em relação a quando, quantos e qual o espaçamento entre os/as filhos/as” elas desejam ter (Brasil, 2012). O PAISM adotou a perspectiva de responsabilização do Estado sobre a saúde reprodutiva, rompendo com o modelo de atenção materno infantil desenvolvido no país até aquele momento.

Com a Constituição de 1988 se torna direito (Art. 226, Alínea § 7º) dos cidadãos e cidadãs decidir pela limitação ou aumento de sua prole. A discussão, então, passou a enfocar e problematizar o Decreto n°20931 aprovado em 11 de janeiro de 1932 que proibia, através do seu Artigo 16, a ligação das trompas e a esterilização masculina. Assim, intensificaram-se os debates sobre o planejamento familiar traduzidos nas ações dos movimentos sociais organizados, especialmente os religiosos e feministas. Esses se mobilizaram com a denúncia de que instituições estrangeiras estariam promovendo esterilização de mulheres, principalmente das classes populares, para fomentar o controle da natalidade. A acusação foi encaminhada em 1993 pelo Congresso Nacional através de uma CPMI – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – conforme Relatório n°2 (Gattiboni, 2004). Neste documento, consta o depoimento de uma das mulheres:

A depoente (...) denuncia que, ao se submeter a uma cesariana para dar à luz ao seu quarto filho, em curso do seu puerpério imediato, durante uma visita médica (...) percebeu, pelos comentários de um dos médicos, que fora esterilizada durante o ato cirúrgico. (...) Uma moça que também tinha tido filho e que também tinha sido esterilizada, a sua revelia veio conversar com ela, apavorada com o que tinha descoberto. (...) A maternidade Praça XV atende pessoas provenientes de uma população de baixa renda, sendo, portanto, uma maternidade pública. No depoimento durante o inquérito instaurado, disseram-lhe que não poderiam saber que ela era uma arquiteta. Deduziu que, se soubessem, não teriam ligado suas trompas. Acha importante ter provado o que houve porque se não soubesse o que era laqueadura e seu caso não houvesse acontecido, ela iria sair sem saber, como devem ter saído de lá muitas outras mulheres ignorando o que lhes fora feito. (...) (Gattiboni, 2004, pp. 110-113).

A Lei 9263/1996 foi o primeiro documento jurídico após a Constituição de 1988 que tratou do planejamento familiar. O documento apresenta orientações sobre o tema, estabelece penalidades e dá outras providencias. O Estado garante a não interferência nos direitos reprodutivos do casal, da mulher e do homem. A esterilização masculina e feminina, assim como outros métodos conceptivos e contraceptivos, são legalizados e devem ser disponibilizados à população. O planejamento familiar é entendido como direito de liberdade de escolha quanto ao número de filhos que se deseja ter (Gattiboni, 2004).

Em 2003, se mantém a abordagem do Planejamento familiar através das taxas de natalidade. Nessa época, estabeleceu-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher que dá continuidade às ações do PAISM com outra perspectiva de saúde. Em 2004, a politica baseia-se nas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). As ações deveriam voltar-se para mortalidade de mulheres em idade fértil, programas de humanização pré-natal e nascimento, centros de parto e distribuição de contraceptivos. A área técnica do Ministério da Saúde passa a buscar parceria de seus departamentos e da sociedade civil. Podemos citar como exemplo os movimentos das mulheres negras, das trabalhadoras rurais, as sociedades científicas, os espaços acadêmicos e as ONGs, gestores do SUS e agencias de cooperação internacional para avaliar e aprimorar a política. Por último, essa passa a ser apreciada pela Comissão Intersetorial da Mulher, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012).

As instâncias de controle social do SUS, integradas a diversos setores da sociedade, a partir de julho de 2005 iniciam a operacionalização das propostas do Plano de Ação no nível federal, estadual e municipal (Brasil, 2012). Em 2007, é oficializada no Brasil a Política Nacional de Planejamento Familiar que incluía a oferta de oito métodos contraceptivos gratuitos para mulheres e também a venda, em Farmácias Populares, de contraceptivos com preços reduzidos. A partir de então outras ações como, por exemplo, o Programa de Saúde na Escola (PSE), engajaram-se na efetivação de ações de prevenção da gravidez, especialmente na adolescência (Brasil, 2013).

Assim, atualmente, têm-se como realidade no campo do planejamento familiar no Brasil orientações jurídicas, principalmente para os serviços que oferecem esterilização, que enfatizam que o atendimento aos usuários deve contar com a participação de uma equipe multidisciplinar. Dessa forma, a psicologia frequentemente tem sido convocada a estar presente, especialmente no acompanhamento, orientação e gerenciamento dos atendimentos daqueles sujeitos que buscam essa forma de intervenção em seus corpos (Marcolino, 2004).

Nesse percurso, uma série de pesquisas e discussões passam a ocupar as revistas da área da psicologia e, na sua diversidade de leituras sobre o fenômeno, apresentam diferentes leituras sobre a prática do planejamento familiar. Predominam, por exemplo, trabalhos que discutem na perspectiva da prática do psicólogo através do apoio psicológico, do aconselhamento sobre contracepção, da descrição de abordagens que naturalizam e visam regulamentar a família através da explicação dos ciclos vitais; trabalhos direcionados a intervenções sobre a adolescência, especialmente de grupos com determinada situação socioeconômica; abordagens que problematizam a vida reprodutiva de grupos específicos, como é o caso dos portadores de HIV e das pessoas com deficiência. O planejamento familiar e o controle da população também emergem como modo de enfrentamento dos problemas ambientais (Gonçalves, Carvalho, Faria, Goldim & Piccinini, 2009; Moura, E. Silva & Galvão, 2007; Pantoja, Bucher & Queiroz, 2007; Pinheiro, 1997; Ronchi, & Avellar, 2011; Silva & Dessen, 2001). Todas essas diferentes discussões colocam como relevante a necessidade de pensarmos a família e o planejamento familiar como estratégias de governo das populações.

4 Processos da pesquisa

Através dos elementos discutidos anteriormente, a presente pesquisa foi formulada tendo como objetivo conhecer os contextos jurídicos da atual Constituição Brasileira nos quais se encontram a noção de família e de planejamento familiar. Além disso, buscou-se evidenciar as leis a respeito do tema promulgadas após essa Constituição. A seleção do material efetuou-se por dois procedimentos metodológicos simultâneos: pesquisa sistemática na Constituição (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) visando evidenciar artigos, incisos, parágrafos e alíneas com a expressão “família”, “familiar” ou “planejamento familiar”; busca no Portal da Legislação da Presidência da República Federativa do Brasil (Brasil, 2011) objetivando encontrar todas as leis, códigos, medidas provisórias ou decretos sobre a temática que foram promulgadas desde o lançamento da Constituição de 1988 até o ano 2013.

Os resultados serão apresentados em tabela e, em seguida, integrados à discussão teórica. A análise e discussão se apoiarão numa perspectiva foucaultiana, através do exercício de tomar a produção de saberes como prática que produz sujeitos e ações. Desse modo, “o ponto importante será saber sob que formas, através de que canais, fluindo através de que discursos o poder consegue chegar as mais tênues e mais individuais das condutas” (Foucault, 1986/2007, p.18). Assim, se busca estratégias argumentativas, técnicas racionais e práticas discursivas que embasam ações no exercício dos poderes especificadamente aqueles atravessados pela noção de família e de planejamento familiar evidenciado nos documentos.

Ao nos distanciarmos de noções cotidianas e naturalizadas, analisamos o contexto histórico e prático no qual diversos elementos estão associados. Os materiais serão pensados como jogos de verdades que produzem efeitos e se refletem nos processos de subjetivação (Foucault, 1984/2007). Destacamos que os documentos não são examinados como pontos ordenados e lineares, mas sim, como questões que podem estar articuladas e que são intercambiáveis.

5 Contextos jurídicos em que emergem a noção de família na Constituição de 88

Através da pesquisa foi possível identificarmos 24 (vinte e quatro) ocorrências da palavra “família” e “familiar” na Constituição Federal de 1988. Dentre essas, encontram-se diversos artigos, alíneas, incisos e parágrafos com temáticas específicas sobre diretrizes jurídicas. A organização do material encontra-se na Tabela 1.

(In) TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. CAPÍTULO I - DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS. Art. 5º, Incisos:

1) XXVI; 2) LXII; 3) LXIII.

CAPÍTULO II - DOS DIREITOS SOCIAIS. Art. 7º, Incisos:

4) IV; 5) XII.

(In) TÍTULO VII - Da Ordem Econômica e Financeira. CAPÍTULO II - DA POLÍTICA URBANA:

6) Art. 183.

(In) TÍTULO VII - Da Ordem Econômica e Financeira. CAPÍTULO III - DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA:

7) Art. 191.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO II DA SEGURIDADE SOCIAL - Seção I - DISPOSIÇÕES GERAIS:

8) Art. 195: Alínea § 8º; 9) Art. 201: Inciso II.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO II DA SEGURIDADE SOCIAL. Seção III - DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, Art. 201:

10) Inciso IV; 11) Alínea § 12.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO II DA SEGURIDADE SOCIAL. Seção IV - DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, Art. 203:

12) Inciso I; 13) Inciso V.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO III - DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO - Seção I - DA EDUCAÇÃO:

14) Art. 205.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO V - DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

15) Art. 220: Alínea § 3º, Inciso II; 16) Art. 221: Inciso IV.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso:

17) Art. 226; 18) Art. 226: Alínea § 3º; 19) Art. 226: Alínea § 4º; 20) Art. 226: Alínea § 7º; 21) Art. 226: Alínea § 8º; 22) Art. 227; 23) Art. 230.

(In) TÍTULO X - ATO DAS DISPOSIÇÕES - CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

24) Art. 79.

Tabela 1

Contextos jurídicos da expressão “família” ou “familiar” na Constituição de 88.
Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Como é possível visualizar na Tabela 1 as palavras “família” e “familiar” foram encontradas em contextos jurídicos organizados por quatro principais Títulos: 1) TÍTULO II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais; 2) Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira; 3) Título VIII - Da Ordem Social; 4) Título X - Ato das Disposições.

O Título II - Dos direitos e Garantias Fundamentais – descreve os Direitos Fundamentais. Esses também são reconhecidos como direitos humanos, subjetivos públicos, do homem ou individuais, dentre outras terminologias. Os direitos fundamentais surgiram da fusão de várias fontes, incluindo pensamentos filosófico-jurídicos, do cristianismo e do direito natural, buscando preceitos protetivos do poder estatal (Moraes, 1999). Nesse título, as palavras “família” e “familiar” emergem em dois capítulos. No Capítulo I a ideia de família vem vinculada a duas temáticas específicas: do direito à terra e dos direitos do sujeito privado de liberdade. Em relação ao direito à terra, é garantida a propriedade rural “desde que trabalhada pela família”, ela “não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 5º, Inciso XXVI). Nos Incisos LXII e LXIII, desse capítulo, descreve-se como direito que o juiz, a família ou alguém indicado sejam referências para comunicação e assistência na prisão.

Nesses contextos jurídicos percebe-se a ideia de família associada a uma racionalidade econômica e como referência de assistência ao sujeito que foi tomado pelo Estado. Ao discutir sobre a gestão da população, e como a racionalidade neoliberal vai se produzindo a partir do século XVIII e se expandindo por todo o ocidente, Michel Foucault (1979/2008) coloca que o modo de organizar o cotidiano se utiliza da economia e do mercado, e de suas análises características, para se inserir nas relações não mercantis e gerenciar a população através desses elementos. Isso nos propõe a pensar na forma como as políticas são formuladas no Brasil e de que modo à família, como descrita no Inciso XXVI, não se torna a única que garante a obtenção da terra, mas passa a ser colocada como intercessora desse direito. Direito esse que deixa de ser acessível no momento em que os sujeitos tornam-se improdutivos: então, o Estado pode intervir e retirá-lo das terras que ocupavam. A questão econômica coloca-se diretamente atravessada nas relações familiares.

A questão não mercantil aparecerá novamente atrelada a questões econômicas como é possível evidenciar no Capítulo II - Dos Direitos Sociais – sobre o salário, que aparece como fonte de resolução para necessidades básicas. É interessante notar como essas necessidades são definidas. Além de vinculadas à alimentação ou à saúde, também trazem elementos como vestuário, transporte e previdência. Há a naturalização de formas de gerenciar corpos pelas vestimentas, circulação pelos espaços e administração da atividade do trabalho direcionando seus rendimentos para locais específicos. A noção de família é colocada como um mecanismo que circula entre esses discursos e opera como objeto de naturalização (Donzelot, 1980/2001), inclusive, da proposta de sociedade posta na Constituição. Como investimento e perpetuação dessas lógicas sociais são oferecidos, nestes incisos, reajustes periódicos e salários-família que serviriam como estratégias de manutenção do status quo do mercado e captura dos considerados “fora” desses processos. É o caso dos “trabalhadores de baixa-renda” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art.7º, Inciso 12). A Constituição, através de suas legislações, torna real um projeto de formatação e gerenciamento dos sujeitos através das leis que vão sendo formuladas e no modo como a vida cotidiana se configura através delas. Isso acarreta na produção de uma determinada proposta de sociedade que alia economia, família numa específica forma de existência.

No Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – a noção de família aparece em dois Capítulos. No Art. 183 da Política Urbana, a legislação descreve critérios para que a família ou o indivíduo, ao possuírem uma área urbana, por cinco anos consecutivos, tornem-se proprietários. O Art. 191 da Política Agrícola segue essa lógica. Diferencia-se pelo aumento do espaço demarcado e por aliar terra e produtividade: “tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 191.). Aqui, a noção de família atravessa-se novamente no estabelecimento de processos econômicos, aqui voltados para a política urbana e o manejo das terras. A imobilidade é garantia para que o sujeito tenha acesso à terra. Se permanecer no mesmo local, durante cinco anos, poderá possuir aquele espaço. Na cidade, não pode ter outro imóvel e, no campo, deve ser produtivo e as terras devem ser limitadas a cinquenta hectares.

Para Gilberto Freyre (1933/1987) as relações de parentesco, no Brasil, denunciavam um momento histórico e uma organização social. Para ele, estes aspectos ficam evidentes, principalmente, pelas formas como as relações de parentesco mediam estratégias de dominação econômica e política de espaços geográficos (Ruggles, 1994). Essa questão materializa-se nesses capítulos da Constituição onde a noção de família emerge.

Em estudo realizado no nordeste de Minas Gerais, Flávia Maria Galizone (2002) concluiu que a principal forma dos lavradores obterem terra era a herança familiar, pelo cônjuge ou a junção das duas. A família aparece como estratégia de captura e manutenção de espaços, a princípio públicos, que passam a ser privados. Depois de habitados, podem ser passados de geração a geração sem questionamentos sobre a abrangência ou as formas como foram ocupados. Os artigos da Constituição citados acima administram apenas aqueles que não estão dentro da lógica de herança. Nesse processo, estão destinados os que não possuem família ou outras relações que possibilitem a herança a, inicialmente, terem seu espaço definido. Nesse contexto da Constituição, não há nenhum questionamento sobre famílias ou indivíduos privilegiados em relação à distribuição de terras. A noção de família apresenta-se nesse contexto jurídico como unificada invizibilizando desigualdades como, por exemplo, o fato de que menos de 1% dos proprietários no Brasil detém mais de 46% das terras (Conselho Federal de Psicologia, 2013).

Dos vinte e quatro resultados com a expressão “família”, dezesseis estão no Título VIII - Da Ordem Social. O primeiro artigo apresentado após o Título VIII - Da Ordem Social – descreve: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 193). Dessa forma, os artigos, alíneas e incisos que apresentam a noção de “família” ou “familiar” neste título estão centralizados no modo como sujeitos são orientados na relação com atividades econômicas que, segundo a Constituição, objetivam manter a ordem através do trabalho. Assim, as diretrizes propõem assegurar proteção à família ao mesmo tempo em que a responsabilizam por prover o sustento de seus componentes.

A família passa a ser responsabilizada, junto ao Estado, pelo dever de incentivar os processos educativos, de manter valores, de se responsabilizar pelas pessoas idosas e de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o:

Direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 227).

Na discussão sobre a manutenção do Estado, Foucault (1979/2008) descreve a importância de analisarmos as ações que incidem sobre os processos sociais a fim de compreendermos sua relação com os mecanismos de mercado. Assim, poderíamos pensar como o cotidiano, as rotinas, os processos da vida, os corpos, as produções materiais e as formas de organização da cidade são tomados pela Constituição como elementos essenciais para a proposta de ordem social presente no documento. Ordem, que tem como base de racionalidade o trabalho. Tais apontamentos deixa visível que a produção de uma “organização familiar” é essencial para a manutenção das estratégias políticas e econômicas postas no atual plano social. O destaque que se dá a família nas campanhas políticas, nos discursos sobre saúde, educação, trabalho e nas normalizações jurídicas denúncia à naturalização que sustenta uma estrutura social baseada na perspectiva indivíduo-família (Scheinvar, 2006). Assim, o sujeito individual passa a ser privatizado em um núcleo de parentescos e se torna referência de controle e cerceamento dele: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 226).

6 Contextos jurídicos em que emergem a noção de planejamento familiar na Constituição de 88

Identificou-se um resultado da expressão “planejamento familiar” no documento da Constituição Federal de 1988. Apresentamos seu contexto jurídico na Tabela 2.

(In) TÍTULO VIII - Da Ordem Social. CAPÍTULO VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, Art. 226:

1) Alínea § 7º.

Tabela 2

Contextos jurídicos da expressão “planejamento familiar” na Constituição de 88.
Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A noção de planejamento familiar é abordada no Título VIII - Da Ordem Social - dentro do Capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso:

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art.226, Alínea 7).

Essa alínea apresenta-se dentro do Art.226 que descreve a família como base da sociedade. A noção de planejamento familiar se apresenta associada à administração do número de filhos, através da relação entre duas pessoas, constituída por papéis sociais - “pais” - e justificada por adjetivos de qualificação, neste caso, a dignidade. O Estado é via de acesso ao direito e é impossibilitado de criar instituições (destaca-se: oficiais) coercitivamente.

Foucault (1979/2008) discute que as práticas de governar são pautadas por racionalidades “que tem como princípio e por domínio de aplicação o Estado” (p.8). Descreve que o Estado não é um “monstro frio” que aos poucos “devoraria as pessoas” (p.9) e administraria suas vidas. Ele desmistifica essa imagem para pensar que “o Estado é ao mesmo tempo o que existe e o que ainda não existe suficientemente” (p.6). As justificativas de intervenção na prática do governo atuariam suas racionalidades pensando na construção de um Estado específico, com determinadas conjunturas, mas que estará sempre inacabado visto que será continuamente apresentado como algo a se construir e a se edificar.

A discussão proposta pelo autor denuncia uma das principais justificativas das práticas de governo: reconhecer que o Estado tem interesses como, por exemplo, de assegurar sua independência e capacidade de não se manter em uma situação de inferioridade em relação aos outros países ou aos seus vizinhos. Nessa lógica, colocamos em análise a elaboração da jurisdição sobre o planejamento familiar entendendo ela como uma via estratégica do governo para atingir determinado objetivo. Através da ideia de dignidade, o ser humano é colocado como valor supremo, centro e fim das ações do direito (Mattar, 2010). Administrar o nascimento ou não dos sujeitos é de responsabilidade dos casais, mas é o Estado que vai mediar o acesso (ou não?) aos serviços para esse fim. Além de constituir os serviços, o Estado será responsável por elaborar recursos educacionais e científicos. Nessa lógica o Estado propõe ações, limita suas intervenções, dispõe de ferramentas que se materializam através dos serviços públicos existentes ou não, apenas com o intuito da manutenção dele mesmo.

No campo específico do planejamento familiar, precisaríamos fomentar novos estudos e discussões para visualizarmos sobre como, na prática, tem sido efetuada as jurisdições propostas pelo Estado através da Constituição. Algumas perguntas que nos interessam seriam, por exemplo: Quais racionalidades estão presentes na educação e na ciência que embasam as práticas de planejamento familiar conduzidas pelo Estado? Que ações são exaltadas ou silenciadas nesse processo? Como tem se dado o acesso aos serviços e a relação com os profissionais para aqueles sujeitos que buscam serviços de planejamento familiar? Como os valores e moralidades humanas se atravessam na execução das políticas de planejamento familiar?

7 Contextos jurídicos em que emergem a noção de planejamento familiar nas legislações posteriores a 1988

Foram encontrados quatro resultados entre leis, códigos, medidas provisórias e decretos que fazem referência ao planejamento familiar nas legislações posteriores a Constituição de 1988. Os dados encontram-se na Tabela 3.

1) Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências.
2) Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.
3) Decreto de 27 de agosto de 2003. Institui Grupo de Trabalho Interministerial para promover o debate nacional sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos, com ênfase na paternidade consciente e atuante.
4) Lei nº 11.935, de 11 de maio de 2009. Altera o art. 36-C da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

Tabela 3

Contextos jurídicos da expressão “planejamento familiar” nas legislações posteriores a 1988
Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A Lei Nº 9.029 de 1995, estabelece jurisprudências que orientam a relação entre a entrada ou permanência no trabalho e situações de gravidez e práticas contraceptivas. A noção de planejamento familiar aparece no Art.2º, II Parágrafo, que constituí como crime a adoção pelo empregador de ações que promovam o controle da natalidade ou indução dos funcionários para a busca de programas de aconselhamento ou planejamento familiar.

A Lei Nº 9.263 de 1996 discorre sobre a noção de planejamento familiar como modo de administração da natalidade. Nessa lei o Estado propõe a proibição de ações de controle demográfico e realiza apoio e assistência à concepção, contracepção, com ênfase na gravidez. Juntamente, auxilia no controle de doenças sexualmente transmissíveis e nas que acometem órgãos reprodutivos. A lei propõe livre exercício do planejamento familiar mediado pelo sistema educacional do Estado, através de informações de caráter técnico e científico.

A questão do “livre exercício” do planejamento familiar situada na Lei 9.263 de 1996, como se os sujeitos tivessem a opção de poderem administrar o uso dos seus corpos da forma como desejam, é colocada em suspensão no momento em que entendemos que na contemporaneidade a liberdade está sempre inserida em todo um aparato governamental discursivo que regulamenta as existências (Foucault, 1976/2007). Assim, em uma sociedade que tem como imperativo a lógica do trabalho, da moral e da manutenção de um mercado econômico como base social, entender as práticas de planejamento familiar mediadas pelo Estado, e todas as instâncias que fazem sua existência possível, é compreender que as técnicas científicas, o investimento que se faz ou não em determinados serviços ou práticas, estará sempre atravessado por esses elementos. Um exemplo claro disso é em relação ao aborto, ainda proibido no Brasil, mesmo que muitos dos movimentos sociais que o defendem compreendam que faz parte da liberdade da mulher poder decidir sobre ter ou não filhos. Assim, a noção de liberdade na lei em análise passa a ser de caráter contraditório levando em conta que toda proposta política direciona a determinada forma de organização social, produz efeitos nos processos de subjetivação e, consequentemente, forja práticas (Foucault, 1984/2007).

Em 2003, no Decreto de 27 de agosto, o Presidente da República instituiu grupos de trabalho para “promover o debate nacional sobre os direitos sexuais e direitos reprodutivos, com ênfase na paternidade consciente e atuante, visando garantir o efetivo acesso ao planejamento familiar para homens e mulheres” (Decreto de 27 de agosto de 2003, Art.1º). Esses grupos seriam constituídos por representantes do governo, sem a participação direta da sociedade civil, caso essa não estivesse vinculada a um órgão oficial. Maria Moreira & Jose Araújo (2004) apontam que, anteriormente, o planejamento familiar era estabelecido como uma política voltada à administração e responsabilização do corpo feminino. Esse decreto vem a modificar esse cenário no momento em que inclui o homem como responsável, junto da mulher, no planejamento dos filhos.

A Lei Nº 11.935 de 2009 estabelece o caráter obrigatório aos planos e seguros privados de assistência à saúde para que esses façam cobertura de atendimento nos casos que necessitem de ações no âmbito do planejamento familiar. Foucault (1979/2008) escreve que o governo dos sujeitos não é uma prática imposta pelos que governam aos que são governados. Assim, o que estabelece e fixa a intersecção entre os governados e os governantes são as relações e posições que uns ocupam diante dos outros. Dessa forma, o que se percebe nas legislações acima é uma captura pelo governo das demandas que surgiram em termos de movimento social para aperfeiçoamento da administração dos governados. Essa questão fica evidente, a partir das jurisdições citadas acima. Essas emergiram em reivindicações que, por exemplo, exigiam a inclusão dos homens no processo de responsabilização sobre o planejamento familiar e, assim, tornavam necessária a assistência pelos planos e seguros de saúde para além da mulher. O que se percebe nos processos de governamento é a importância que os sujeitos governados ocupam para que o Estado capture seus processos e passe a gerenciar seus corpos e situações sociais com sofisticadas e abrangentes ferramentas jurídicas.

8 Considerações finais

A Constituição de 1988 é uma mudança significativa juridicamente quanto aos processos autoritários que até então estavam postos com a ditadura no Brasil dos anos de 1980. O documento estabeleceu importantes diretrizes para o manejo de sujeitos e de suas relações com o Estado que, até aquele momento, estavam permeadas por resquícios de práticas higiênicas e eugênicas produzidas ao longo do século XX no país (Moura, R. & Boarini, 2012).

Através desse estudo, percebe-se que a noção de família se apresenta na Constituição de 1988 como importante ferramenta de manejo das racionalidades econômicas e do processo de naturalização de determinada proposta de sociedade. A ideia de família acaba sendo tomada pelas leis como estratégia de subjetivação na sua relação com as atividades econômicas tendo como objetivo a manutenção da ordem através das práticas do trabalho. Para isso, destacamos a importância da privatização das pessoas em núcleos fixos, com a justificativa do parentesco familiar, na perpetuação e manutenção desses processos. Nesse trajeto, evidenciamos que no documento de 1988 diversas formulações políticas surgiram para estabelecer normas e regulamentações que atuassem na categoria “família”, dando direitos e deveres a esse ente social. Essa produção é nítida, por exemplo, com a formulação do Programa de Saúde da Família (Brasil, 2001) que estabeleceu a proposta de ações nos núcleos familiares argumentando estar produzindo saúde para a população brasileira.

Conjuntamente, após a Constituição de 1988, vemos a noção de planejamento familiar emergir em legislações colocando-se embasada por discursos pautados pela ideia de administração dos sujeitos vinculada a expectativas sociais, adjetivos de qualificação e modos de relação criados socialmente. Dessa forma, constituem-se argumentos para a formulação de um Estado a ser construído objetivamente tendo como operador de gerenciamento e tática racional a ideia de liberdade contraditoriamente vinculada às práticas de planejamento familiar. Assim, juridicamente se fala sobre um sujeito livre que teria a capacidade de decidir sobre seu corpo e seus projetos de vida, ao mesmo tempo em que o Estado regulamenta até onde essa liberdade poderá ser exercida. Nesse percurso, os processos de subjetivação continuam sendo produzidos a partir das leis que emergem sobre planejamento familiar após a Constituição, tornando indissociável as práticas de liberdade das de regramento dos corpos. Essas se constituem pelo cerceamento e disciplinarização dos sujeitos com ferramentas jurídicas cada vez mais sofisticadas e abrangentes. Assim, percebemos que as jurisdições brasileiras servem como estratégias governamentais para contemplar objetivos de manutenção do Estado que, significativamente, colocam o trabalho como a base de tudo e, a partir disso, orientam a população através das políticas que produzem.

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