Introdução à pasta: “Subjetividade contemporânea: compartilhando estudos da Universidade Estadual de Londrina (Brasil)”

Introduction to the folder: “Subjetividade contemporânea: compartilhando estudos da Universidade Estadual de Londrina (Brasil)”

  • Alejandra Astrid León Cedeño

A presente pasta é composta por trabalhos de sete docentes e dois estudantes (graduação e pós-graduação) da Universidade Estadual de Londrina, integrantes do Departamento de Psicologia Social e Institucional. Todos/as concordamos com a compreensão do conceito de subjetividade como produção histórica e social, substituindo o termo “psiquismo”. Mas cada um de nós trabalha temas diversos com olhares diversos. E esse posicionamento expressa também nossa ação política. Em vez de pensarmos em termos do Uno, da unicidade de um coletivo docente em meio a um mundo de grandes narrativas -falando DO capitalismo, A revolução, O movimento docente ou estudantil-, posicionamo-nos entendendo a potência como articulação de singularidades, de ações diversas que, embora mínimas, apontam diretamente ao coração de Império (como disseram Hardt e Negri, 2001). Ao fazê-lo, defendemos a necessidade de lidar com a diferença, não como tolerância do outro desde que longe de mim, mas como convivência em um agrupamento heterogêneo.

É isso que nos constitui: um agrupamento heterogêneo, articulado em torno a objetivos parecidos, embora às vezes discordantes. As referências que usamos englobam os estudos culturais, o construcionismo social e os conhecimentos situados. Recorremos também a autores da filosofia francesa como Gilles Deleuze e Michel Foucault. Com olhares psicossociais, visitamos várias áreas: a educação, as sexualidades, a saúde do trabalhador e a psicologia comunitária do cotidiano.

Sete artigos compõem esta pasta. O primeiro, escrito por Lucas Roberto Pedrão Paulino e Marilícia Witzler Antunes Ribeiro Palmieri, tem como título “A história da psicologia social contada na perspectiva do aluno que não fez a “tarefa de sempre” e apresenta um ensaio escrito elaborado no contexto da disciplina de Psicologia Social I por um estudante de Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Londrina. Utilizando-se de uma linguagem coloquial e literária, os autores chamam a atenção de profissionais do ensino de graduação sobre a importância de reconhecerem e valorizarem modos particulares dos alunos expressarem a apreensão dos conteúdos ministrados rompendo, assim, com formas tradicionais de ensinar e aprender em psicologia.

O segundo intitula-se “Processo educacional nas estórias de Chico Bento: Representações sobre a educação no universo rural brasileiro”. Nele, Cintia Weber Biazi e João Batista Martins buscam identificar e compreender as representações que são veiculadas acerca do processo educacional nas estórias de Chico Bento - um personagem das histórias em quadrinhos do Brasil, que vive na zona rural brasileira.  Tendo como ponto de partida o campo disciplinar dos Estudos Culturais, o texto incluiu uma etnografia das revistas do personagem Chico Bento, caracterizando o universo rural em que vive, enfocando as práticas educacionais, especialmente suas experiências escolares. Os autores analisam, então, como os criadores de Chico Bento articulam a relação do conhecimento científico versus o conhecimento popular, enfatizando o papel da professora Dona Marocas e suas práticas pedagógicas.

No terceiro texto, denominado "Novas aventuras em sala de aula: uma análise sobre a educação na sociedade de controle", Sonia Regina Vargas Mansano faz uma cartografia das mudanças que estão sendo precipitadas em diferentes instituições, incluindo as educacionais. A autora destaca a expansão dos dispositivos de controle que estão em circulação na esfera social e que também participam da produção de subjetividades.

No quarto artigo, de nome “Mídia e sexualidade”, Paulo Roberto de Carvalho discute como o ingresso das sociedades na era da difusão midiática provocou e provoca transformações que, mesmo sendo cotidianamente vividas, ainda não foram analisadas quanto às suas implicações. A disseminação de conteúdos de natureza erótica se destaca no processo pelo qual a presença da mídia alterou e altera as relações entre pais e filhos, colocando novos parâmetros para a vivência da sexualidade e convocando a questionar qual o sentido que a vida amorosa e sexual adquire na contemporaneidade.

No artigo seguinte, denominado “Homofobia e homofobia interiorizada: produções subjetivas de controle heteronormativo?”, Márcio Alessandro Neman do Nascimento reflete sobre as questões emblemáticas que circunscrevem a construção sócio-histórica e cultural das homossexualidades e, subsequentemente, as produções subjetivas de controle heteronormativo das sexualidades ocidentais, evidenciadas por práticas homofóbicas.  O enfoque teórico-metodológico é marcado pelos estudos de gênero, culturais e das sexualidades de autores pós-estruturalistas e visa indicar os avanços e conquistas no campo político trazida pela visibilidade da diversidade sexual, principalmente no Brasil. Entretanto, como subproduto histórico, o autor também objetiva denunciar as atrocidades cometidas, ainda na contemporaneidade, contra pessoas que se autodenominam como não-heterossexuais

 O sexto artigo intitula-se "Considerações acerca das Contribuições Teórico-Metodológicas do Construcionismo Social para Estudos e Intervenções em Saúde do
Trabalhador
”. Neste artigo, Alexandre Bonetti Lima tece considerações sobre as contribuições que o Construcionismo Social pode oferecer aos estudos e intervenções em saúde do trabalhador. O autor revisa algumas das principais teorias críticas sobre a relação saúde e trabalho para, a seguir, traçar considerações sobre o tema a partir de uma pesquisa realizada junto a portadores(as) de LER/DORT como ilustração da importância de se atentar aos processos de produção de sentidos no âmbito das relações saúde e trabalho. Na pesquisa, tal qual um caleidoscópio, os complexos discursivos dos trabalhadores(as) ora combatiam-se, ora negociavam, promovendo novas formas discursivas em tempo e novas materialidades; promotoras, por sua vez, de novas perspectivas e condições de possibilidades para ação na vida sendo vivida.

Por último, no artigo “Danzando la Psicología Social Comunitaria: revisitando la IAP a partir de un curso de danza en una asociación cultural de barrio”, Alejandra Astrid León Cedeño busca trabalhar em uma psicologia social enraizada no corpo e situada no cotidiano, através do relato da experiência de dois anos de apoio ao trabalho artístico-comunitário de uma associação cultural da periferia de Londrina, dando aulas de dança do ventre a cinco lideranças comunitárias. Partindo da epistemologia dos conhecimentos situados (Haraway, 1995) e da releitura de Peter Spink sobre o trabalho dos(das psicólogos(as) sociais a partir da centralidade do cotidiano, a autora usa os ensinamentos das suas alunas para revisar as fases da pesquisa-ação participante (em espanhol investigación-acción participativa ou IAP), que é uma proposta metodológica usada em muitas práticas psicossociais comunitárias.

Como vocês, leitores, podem observar, trabalhamos em um departamento com uma grande diversidade e a assumimos. Ao mesmo tempo, várias linhas em comum nos atravessam: posicionamo-nos a favor de uma universidade pública, gratuita e de qualidade, e somos docentes no contexto da universidade pública brasileira em meio à transição da sociedade disciplinar para a de controle, com todos os movimentos e dúvidas que isso implica. Rejeitamos as atrozes desigualdades econômicas, bem como tantas outras que, de diferentes maneiras, diminuem a potência de ação do coletivo. Assim, buscamos trabalhar no ensino, na pesquisa e na extensão construindo linhas de fuga para a invenção de outros possíveis. Por um lado, estrategicamente buscamos esquadrinhar o poder, estudando e aprofundando as formas de captura que vivemos nas mais diversas áreas da vida. Por outro, resistimos criando, potencializando-nos através da construção cotidiana de mundos que girem menos em torno de eixos de dominação. E, por isso, fizemos uma escolha política: organizar uma pasta coletiva em vez de uma série de artigos individuais. Entendemos que o capitalismo se constrói destruindo os laços sociais e, assim, percebemos que trabalhar em uma perspectiva desejante implica em fortalecer nossos laços sociais para dar visibilidade à diversidade que nos atravessa.

Esperando que a partir deste trabalho possamos tecer múltiplas conversações, desejamos a todos uma boa leitura:

Alejandra, Alexandre, Cintia, João, Lucas, Marilícia, Márcio, Paulo e Sonia.