¿Qué educación sería a distancia?

What kind of education is not distance education?

  • Marcos Adegas de Azambuja
  • Neuza Maria de Fátima Guareschi
Este artigo é proveniente de reflexões produzidas sobre práticas educativas atravessadas por Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s), constituindo-se em uma modalidade de aprendizagem denominada Educação a Distância (EAD). Discute-se como novas perspectivas de tempo-espaço, incitadas pelas TIC’s e suas reverberações na composição do social, se expressam na produção da subjetividade a partir de práticas educativas em EAD. As problematizações se criam pelo operador distância, que ganha visibilidade no surgimento dessa modalidade de educação, balizada em diferentes localidades e temporalidades das relações de ensinantes e aprendentes. Não dedicaremos olhar apenas à distância topológica sustentada pelas TIC’s, já que o maior intento está na perspectiva de distância como duração. Assim, discutimos a transição que se opera em uma distância que não está mais no espaço, e sim no tempo, que é o lugar do aprender. Processos de aprendizagem se dão no tempo, tempo esse que se emancipa do movimento.
    Palabras clave:
  • Educação à distância
  • Processo de aprendizagem
  • Distância/duração
  • Tempo/espaço
The present work results from critical reflections about educational practices influenced by Information Technology (IT), in particular those which constitute the learning method known as Distance Education (DE). My purpose is both to problematize and to discuss how new understandings of space-time inspired by IT and its social effects are expressed in the production of subjectivities as result of DE practices. These problematizations are created using the conceptual tool distance, which gains visibility with the rise of this educational method in various time and places in instructor relationships. Our main focus moves beyond looking at distance in the spatial or geographical sense that IT sustains, to view distance as (temporal) duration, posing questions about time in relation to learning. We will attempt to understand the transition taking place as distance no longer occurs in space. The learning process happens in time, time which is now divorced from movement.
    Keywords:
  • Distance educatiuon
  • Learning process
  • Distânce as duration
  • Space-Time


Pensar aprendizagem implica perspectivismo, pensá-la de outros lugares, ângulos, olhares vários não referenciados apenas pela Educação, talvez indiretamente pela Psicologia e mais pela Filosofia. Não é de qualquer modalidade de Educação que partem nossas idéias, ainda que pudesse ser assim, mas de um contexto em Educação a Distância (EAD) mediado por Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s). Tampouco seria de qualquer Psicologia, pois falamos de um território psi transversalizado por questões sociais, por modos de subjetivação, pela perspectiva da produção da subjetividade. E, é claro, não se trata aqui de qualquer Filosofia (ou de uma Filosofia qualquer) – tratamos da Filosofia da Multiplicidade, da Filosofia da Diferença, de Gilles Deleuze e Félix Guattari. As práticas educativas são problematizadas partindo do operador distância, cujo termo ganha visibilidade no surgimento de uma modalidade de Educação que tem como balizador as diferentes localidades e temporalidades das relações de ensinantes e aprendentes1. Não dedicamos somente um olhar a uma distância topológica sustentada pelas TIC’s, ainda que essa tenha maior visibilidade, já que o intento está ancorado em uma perspectiva de distância como duração, uma problemática do tempo às questões que concernem à aprendizagem. Dessa forma, temos por objetivo neste trabalho discutir o problema da distância presente em todo o processo educativo a partir das práticas em EAD, questionando até a própria denominação de tal modalidade.

Para que o leitor nos acompanhe por este material, vale adiantar algumas pistas, indicando as duas seções na qual o trabalho se produz. A primeira delas apresenta, em uma contextura social e nas formas de produção da subjetividade, o movimento de transição da captura dos sujeitos do espaço para o tempo, ou seja, além das práticas disciplinares de confinamento, sobrepõem-se as práticas de controle em qualquer tempo e espaço. Na segunda parte, discutimos diretamente a problemática da distância como duração no âmbito da aprendizagem e mais especificamente nas relações com as práticas educativas em EAD.

Qualquer Educação não é nosso ponto de partida, se bem que, após de(s)marcar de qual território de aprendizagem saltarão nossas elucubrações, poderemos tensionar muitas educações. Para isso, fazemos uso de um ponto de vista rizomático em que múltiplas são as entradas e diversas são as saídas a serem criadas. A noção de rizoma, cunhada por Deleuze e Guattari (1995), é um termo retirado da biologia para nomear aquele tipo de caule radiciforme de alguns vegetais, que se constitui em um emaranhado de inúmeras linhas fibrosas, espalhadas em superfície, cada linha entrecruzando-se com outras, não se delimitando hierarquias entre os pontos, nem se constituindo fronteiras fixas. Temos, assim, a idéia de uma rede aberta e acentrada que, nos atravessamentos de linhas, compõe conjuntos complexos em que os componentes se remetem uns aos outros e escavam saídas para além dos próprios conjuntos.

Trata-se de uma perspectiva que contrapõe e tensiona a lógica arborescente, lógica esta que parte de um centro que se ramifica, estabelecendo e reproduzindo cópias desse tronco comum. Por mais que essas ramificações toquem áreas diferenciadas, envolvendo-se e especializando-se, todas elas mantêm uma programação central controlada onde os pontos obedecem a uma mediação de níveis determinada. Diferente é o rizoma, pois qualquer ponto se conecta a outro e as linhas compõem mapas que podem ser sobrepostos às cópias, delineando novos territórios. A cartografia assim se faz: não deixa de ser uma brincadeira, uma viagem única, criada por afetos e ressonâncias, latitudes e longitudes, mediante os quais se visualizam e se produzem linhas de fuga. É uma brincadeira o cartografar no sentido de uma bricolagem, na qual se vai pegando e se vai sendo pego por intensidades, vibrações, partículas atômicas, moleculares e, no acontecimento, se cria novidade, devir. Queremos dizer que a fala ou a escritura que daqui se vai produzindo é muito mais uma tentativa de liberação e de imaginação livre que partiu/parte de encontros2. Enfim, é uma escrita por afetações3. Mas, afinal, de qual território partimos e quais as desterritorializações lançadas?

A cartografia como um dos princípios de uma perspectiva rizomática4, é uma metodologia estabelecida por Deleuze e Guattari (1995) e desenvolvida por outros autores como Rolnik (2006) e Kastrup (2007a, 2007b). O rizoma pode ser mapeado, cartografado; tal cartografia mostra-nos que ele possui entradas múltiplas, isto é, o rizoma pode ser acessado de infinitos pontos, podendo daí remeter a quaisquer outros pontos em seu território. O rizoma, porém, enquanto mapa, possui sempre regiões insuspeitas, uma riqueza geográfica pautada em uma lógica do devir, da exploração, da descoberta de novas facetas. O objetivo é, então, fazer aflorar os sentidos e problematizar o uso feito deste novo ambiente a ser habitado. Muito mais do que reproduzir como o decalque, no mapa se constrói um processo, não é ao produto que nos voltamos.

Como na cartografia não há regras a serem aplicadas e, sim, a implicação do pesquisador no trabalho de campo (Kastrup, 2007b), a que se falar, mesmo que brevemente do lugar de onde proveio este trabalho. Com a criação do Programa de EAD da PUCRS Virtual, em 2000, se descortina um campo de atuação para a pesquisa em Psicologia ainda pouco explorado na realidade brasileira. Com uma plataforma híbrida que contempla a mediação por satélite e por computador, a PUCRS Virtual faz uso de Tecnologias de Comunicação e de Informação para prover a interatividade entre alunos e professores. Os cursos oferecidos pela PUCRS Virtual na modalidade a distância têm como objetivo atender uma população preferencialmente adulta e residente distante do campus da Universidade, em Porto Alegre. Para esse público, desenvolveu-se uma proposta para EAD capaz de não somente atendê-lo em suas expectativas e necessidades, como também, de certa forma, de mantê-lo permanentemente interessado na atividade. A isso, soma-se a preocupação em propiciar uma educação em qualquer tempo e lugar através de uma arquitetura de aprendizagem apoiada na topologia de EAD. A estrutura está focada em um modelo de geração de aulas ao vivo via satélite (tele/videoconferência), dispondo o aluno, ainda, da possibilidade de gravações das aulas em CD Rom ou em Video-on-Demand, além de ter as aulas disponíveis na própria página de seu curso, em tempo real, no momento de sua realização (Medeiros e Medeiros, 2003).

Justamente pela perspectiva adotada, a Filosofia da Diferença, acabamos optando por não nos ater ao exercício de busca de materiais empíricos ou à criação de mapas dos enunciados produzidos pelos agentes envolvidos na PUCRS Virtual. O interesse, nesta escrita, não está ligado ao trabalho descritivo dessa nova modalidade de educação e das formas como os sujeitos interagem com ela, muito menos à procura de subsídios empíricos para fins de comprovação ou resposta às problemáticas expostas no trabalho. A intenção é problematizar e povoar a produção do sujeito do conhecimento atravessado pelas Tecnologias da Informação e Comunicação. O que vem a operar nossa cartografia é, justamente, a problematização da noção de distância nas práticas educativas em EAD, discussão que emerge de nossa experiência no Programa acima citado.

Dizemos que há, neste momento, uma importante demanda sobre os processos educativos no que concerne à atualização5 de práticas que necessitam estar em sintonia com a contemporaneidade, caracterizada pelas transformações que se operam nos diferentes domínios de constituição dos sujeitos e do campo social. Muitas dessas demandas derivam de um novo paradigma infotelecomunicacional, que interpela a constituição dos sujeitos e a própria organização social e cultural. O atravessamento das

Tecnologias da Informação e da Comunicação é um fato concreto que tensiona os processos educacionais. O modo pelo qual essa incorporação de tecnologias se faz no processo educativo é tema fundamental, cabendo um olhar atento e reflexivo sobre possíveis problematizações geradas pelas TIC’s e os modos como repercutem nos processos educativos. E mais: quando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB/1996, regulamentada pelo Decreto 2.494, de 10.02.1998.) institui no Brasil a Educação a Distância como uma modalidade de ensino, cria-se um território privilegiado para pensar e articular essas potencialidades.

Ao falarmos de Educação a Distância, hoje, deparamo-nos com um mundo da era digital, dos tempos da informática, da convergência de mídias e, no caso, da junção de três tecnologias integradas em uma mesma máquina: o computador, o telefone e a linguagem áudio-visual, cuja expressão mais conhecida é a televisão, embora haja importantes distinções entre uma e outra. Ou seja, na Educação, não é a linguagem televisiva que assume papel preponderante, pois esta é, na maioria das vezes, superficial e descartável. A junção de recursos de áudio e vídeo para um fim educativo nutre-se de códigos diferentes que implicam real interatividade, troca e cooperação em uma época povoada por uma diversidade de signos e sentidos, propensos a mudanças rápidas e imprevisíveis. O homem/a mulher que vivia em uma sociedade local passa a viver em uma sociedade mundial, pois nosso planeta encolheu com o surgimento dessa série de tecnologias que criaram uma rede de fácil comunicação de massa. Importa salientar que, dessa forma, a Educação pode acontecer em qualquer tempo e de qualquer lugar, não interessando mais onde se encontram aluno e professor no plano espacial, desde que se utilizem dessa maquinaria que ora se incorpora às práticas educativas.

As problemáticas de uma distância topológica no nível educacional, ou seja, das discussões acerca da organização dos tempos e espaços no âmbito escolar são aparentemente suplantadas pelas TIC’s. Não há mais uma distância espacial entre os agentes envolvidos, pois, tal qual rizoma, todos os pontos são conectáveis uns aos outros. É claro que não estamos aderidos à ingenuidade de não perceber a criação concomitante de nós arborescentes ou mesmo uma estratégia de controle que se utilize da lógica de uma teia sem centro nessas redes. Não podemos negar também que a disciplina não se estabelece somente no confinamento do sujeito em um espaço delimitado, pois as Tecnologias da Informação e da Comunicação trazem a possibilidade de domínio generalizado do território mundial.

1 Do espaço para o tempo: sobreposições entre disciplina e controle

A temática sobre a qual queremos discorrer em um primeiro momento refere-se ao movimento de sobreposição da distância espacial e da distância temporal que se opera na sociedade contemporânea. Estamos imbricados na sociedade disciplinar e na sociedade de controle, na disciplina dos corpos que se manifesta no interior de espaços fechados e no controle dos corpos, que passa a operar a céu aberto. As distâncias espaciais, de certa forma, se esmaecem no mesmo instante em que as distâncias temporais são redimensionadas aos modos de produção de subjetividade.

O que a sociedade disciplinar (Foucault, 1977) produziu foi a condição de organizar e distribuir indivíduos em um mesmo espaço – distribuição minuciosa de cada um, posicionado espacialmente em seu lugar, seja por, entre outras possibilidades, seu grau de conhecimento, sua condição de saúde, seu cargo no trabalho ou seu papel na família. Com linearidade evolutiva, linha dura6, cada indivíduo passa de um estágio para outro, de uma série a outra, da família para a escola, da escola para o trabalho, etc. Em cada espaço, em cada momento delimitado, estão postas as condições de possibilidade do indivíduo, tanto para manter-se em um mesmo estado e não regredir na escala, quanto para chegar ao máximo do rendimento exigido de modo a ultrapassá-lo.

Mas não é somente isso: a partir do confinamento dos corpos no espaço, fixam-se ritmos a fim de automatizar as atividades nesses diferentes locais. Determinam-se tempos fixos para os fazeres, o que impede uma apropriação em um nível de experimentação criativa do tempo, pois todos os espaços de tempo já estão esquadrinhados, desenhados a priori. Portanto, não são erigidos somente um tempo e um espaço para se estudar, para se trabalhar, etc., nem um tempo de cada processo vivido dentro desses espaços, por exemplo, a hora do trabalho, a hora do intervalo, a hora de ir para a casa, a hora de acordar, a hora de voltar ao trabalho. Assim, entendemos que a disciplina não é somente uma forma de controle espacial, mas também de controle dos tempos que se desenrolam dentro de determinado espaço. As distâncias espaço-temporais estão bem demarcadas, os pontos de chegada e de partida são preestabelecidos para que se inscrevam as linhas.

Gilles Deleuze (1992) aponta para uma nova axiomática do social – a sociedade de controle – que vem como uma sobreposição à sociedade disciplinar, um outro estrato nessa superfície do socius, não se tratando, dessa forma, de uma transição no sentido de sair de uma situação para outra. Ocorre que, pelo avanço técnico-científico, não há mais necessidade de muros para exercer poder, prefigurando-se o controle contínuo e a comunicação instantânea. Isso permite que as instituições ditas em crise (hospitais, escolas, prisões, etc.) não implantem primordialmente seu domínio em um meio fechado, isto é, não confinem o sujeito no espaço, mas sim no tempo. A lógica disciplinar segue em uma volatilização e imaterialidade do poder capitalístico7. A educação distingue-se cada vez menos do meio profissional, e, assim, criam-se a formação permanente e o controle contínuo para substituir o exame. Para a sociedade disciplinar, as máquinas energéticas; para a sociedade de controle, as máquinas cibernéticas e os computadores.

A lógica disciplinar, que se constituía em uma dimensão material – partindo de um prisma da visibilidade tanto de onde se situa o poder quanto a quem se está controlando, distribuindo os corpos no espaço e ordenando-os no tempo –, não mais dá conta de um aumento de produtividade dos corpos no plano socioeconômico. Nesse sentido, a disciplina apodera-se da dimensão imaterial, não funcionando somente como uma exterioridade que se presta a controlar, atingindo, de maneiras mais sutis, o próprio modo de existência do indivíduo. Por isso, falamos em termos de uma pulverização da disciplina na sociedade de controle, já que o exercício de assujeitamento se faz também na interioridade no que se refere à homogeneização de nossos modos de pensar e ser.

O panóptico de Bentham (Foucault, 1977) continua vivo, prossegue com sua maquinaria dissociativa de quem vê e não é visto, para aqueles que são vigiados sem saber por quem e por onde, mas não mais se constituindo em um aparelho arquitetural: o movimento da sociedade disciplinar na sociedade de controle ocorre quando o panoptismo passa a funcionar como máquina abstrata. Se, na sociedade disciplinar, tínhamos a imagem da toupeira que escavava suas tocas, seus buracos, passamos agora para a imagem da serpente que desliza, se contorce e se retorce a partir de discretas interligações entre seus anéis (Deleuze, 1992). Assim, a questão de como criar um espaço útil para uma quantidade de indivíduos, cada um com suas singularidades e desejos, se mantém, mas, na sociedade de controle, pode ganhar uma mega-abrangência, uma territorialidade total, já que esse espaço útil atinge o sujeito esteja onde ele estiver. Enfim, essa territorialização faz correlações diretas com as operações temporais e, nesse sentido, falamos de um novo tempo de aprendizagem.

Percebe-se que há riscos no atravessamento TIC’s e Educação quando impera uma lógica arborescente, que ramifica seu conhecimento a partir de centros de saber. Contudo, note-se, tem-se um centro de saber e transmissão de conhecimento que não mais se pode encontrar territorializado em um plano físico, mas sim em um plano temporal, nos processos de subjetivação. Uma estratégia retirada dos campos de batalha foi utilizada para a idéia de transmissão da mídia eletrônica (aqui, especificamente, rádio e televisão): o broadcasting. Transmite-se informação para os mais diversos pontos, mas a lógica dominante é a de recepção, e não a de conexão. A estratégia de broadcasting provoca uma sensação de que todos estão conectados, já que quem define a realidade, quem diz o que existe e o que deixa de existir, quem coloca a agenda de discussão, o que e sobre o que falar é um sistema central de informações.

Hakim Bey (2001), logo nas primeiras páginas de seu livro Zona Autônoma Temporária, conta-nos da falência, na atualidade, de uma utopia pirata, pois não há mais território sequer, não existe um pedaço de terra no planeta em que se possa circular livre de qualquer tipo de controle e de governo. A experiência da autonomia, nesse sentido, das histórias de piratas e corsários do século XVIII, esses que viviam “fora da lei” e de qualquer governo nas ilhas onde pisavam e escondiam seus tesouros, ficou apenas no passado. Todo o território planetário foi rastreado – atualização do satélite espião. Isso leva-nos a pensar nos imbricamentos entre as TIC’s, essas novas modalidades de transmissão e armazenamento da informação, e as estratégias dessa modelização da subjetividade, que ganham proporções mundiais.

Deleuze (1992) – este que nos alerta para as novas tramas da contemporaneidade – é quem nos lança aos outros caminhos de possíveis traços, direcionando seu olhar para o que a própria tecnologia traz em sua criação: a presença do vírus e da pirataria nos computadores. A sociedade de controle, ela mesma, utiliza-se de vírus para infiltrar-se e corromper as formas institucionais que a cercam, mas é o próprio vírus que pode servir de arma para causar interferências e distúrbios nas maneiras de dominação que essa axiomática do social cria. O aparelho de estado procura perpetuar e expandir seus espaços de domínio, porém, a máquina de guerra provoca as rupturas e as múltiplas saídas. As linhas moleculares agitam e afetam as estruturas em formação.

Usando a idéia de vírus como possibilidade de desconstituir o que está programado e seguindo o pensamento que estamos mapeando até o presente momento do texto, podemos afirmar que, com a aceleração científica e tecnológica, nossa capacidade de ação aumentou em uma esfera global sem precedentes, ocorrendo uma expansão da dimensão espaço-temporal dos nossos atos. Anteriormente, contudo, era possível correlacionar diretamente os atos sociais e suas causas e efeitos em uma mesma dimensão espaço-temporal. A tecnologia, atualmente, extrapola a lógica linear, de um ponto a outro, entre um ato e suas conseqüências, esmaecendo-se esses tipos de conexões. Sendo assim, da mesma forma que o controle pode se generalizar por sobre nações e continentes de modos cada vez mais sutis, as possibilidades de liberação, de novas articulações e composições sociais são potencializadas (Lévy, 1999; Santos, 2001).

Percebe-se uma rede mundial, aberta e inclusiva que nos leva a visualizar ao menos dois movimentos de globalização: por um lado, temos uma territorialização total de hierarquias e divisões que assegura a ordem mediante novos mecanismos de controle e conflito constante; por outro, essa rede cria novos circuitos de cooperação e colaboração que se estendem por quaisquer fronteiras, agenciando uma multiplicidade de encontros imprevistos. É ainda a imagem da internet que melhor expressa tal processo, já que ela se apresenta como uma rede infinita, de infinitos e distintos nós que, apesar de tais distinções, estão conectados em uma mesma teia emaranhada. Sendo assim, diferentes grupos e indivíduos podem se compor em redes de tensionamento fluídas8 (Hardt e Negri, 2005).

Desponta a EAD como um lugar de possibilidades para acompanhar possíveis tensões e torções em relação à educação e à aprendizagem, já que ela se vale de hipermídias, redes de comunicação interativas e tecnologias intelectuais da cibercultura. O saber passa a verter como um saber-fluxo, e a informação é gerada, criada e distribuída em uma velocidade inimaginável. Vê-se, cada vez mais, uma mobilidade em relação ao trabalho, que não fica mais posto um caminho linear de aprender, trabalhar, transmitir e produzir conhecimento, rompendo-se a noção convencional de que a aprendizagem antecede o trabalho e movendo-nos em direção a reposicionamentos em nossos pontos de vista. Além disso, as tecnologias intelectuais que o ciberespaço comporta e gera são capazes de exteriorizar, amplificar e modificar nossas funções cognitivas. Estamos vivendo novas formas de acesso à informação, bem como novos estilos de existência (Lévy, 1999).

Pois é nesse momento que precisamos nos indagar sobre as potencialidades criadoras, microvirtualidades ainda não atualizadas para a produção de singularidades9. Interessa-nos agarrar os acontecimentos10 e definir linhas de fuga. O que há de novo nos modos de ser e habitar, quais devires borbulham e fervilham na produção da subjetividade? Não estamos à procura de revoluções, mas daquilo que Bey (2001) denomina levante – “momentos de intensidade que moldam e dão sentido a toda uma vida” (p. 16). Sabemos que estão por aí, falta elevá-los às altas potências!

Para que possamos passar para próxima seção, cabe reunir o que foi dito até agora preparando, assim, a discussão sobre a distância como duração. É necessário perceber que as amarras aos modos de subjetivação contemporâneos circulam muito mais em uma dinâmica temporal, um processo que se desenvolve nos sujeitos em um plano de interioridade, de autovigilância e também através do modo como se compõe a sociedade de controle. A intenção desta primeira parte foi de situar a contextura na qual as práticas educativas em EAD e também os processos de aprendizagem estão submersas. Para operarmos algum deslocamento a tal assujeitamento sugerimos que seja preciso colocar um novo olhar que crie movimentos não relacionados às questões espaciais, mas sim ao tempo, não sobre uma distância entendida como um espaço entre um ponto a outro, mas sim, uma distância como duração. A distância da qual querermos falar é aquela que provoca a aprendizagem, ou ainda, é um elemento constitutivo de todo processo educativo, se entendermos que este processo implica um movimento de deslocamento de si.

2 A distância como duração: o tempo e seus entrelaçamentos com o aprender

Envolvemos-nos com a idéia de distância como duração no intento de provocar linhas de fuga, produzindo os movimentos infinitos do pensamento, invocando, assim, novas maneiras de se pensar a aprendizagem. Já que Deleuze (1999) sintetiza a tese de Bergson sobre duração em “a duração é o que difere de si” (p. 103), dizemos de antemão que aprender/pensar nessa perspectiva é produzir diferença, escapando a qualquer tendência dialética e transformando o ponto de vista do negativo. Seguindo este sentido, poderíamos arriscar dizer que este operador distância deveria ser o principal dispositivo analítico de toda e qualquer pesquisa, se nós entendemos por distância este deslocamento que se produz em relação àquilo que é tido como natural e evidente: o deslocamento produz diferença11.

Para isso, há que se colocar os problemas em função do tempo, promovendo a liberação deste em relação ao espaço, encontrando somente assim diferenças de natureza, não de graus. Diferença de natureza é a diferença interna de determinada coisa, e não o que se diferencia a partir de uma exterioridade, ou seja, duração é o que difere de si e em si mesmo. A própria natureza da duração é diferença e, portanto, indivisível, mas, ao dividir-se, já mudou de natureza. Portanto, o que difere não são as coisas, nem os estados de coisas, mas o virtual que cada atualização carrega – este campo movente de singularidades pré-individuais que assegura sua situação no devir.

É, pois, por um devir vírus que invadimos os pensamentos sobre Educação a Distância e, tal qual vírus, procuramos corromper a programação, a imagem de pensamento, provocando disjunções, abrindo frestas, permitindo a entrada e saída de novos ventos. Um vírus não pede licença, apenas afirma sua existência! E a afirmação virulenta que vamos lançar é a de que qualquer Educação é à Distância. Entretanto, como estamos tentando tecer, não falamos mais de uma distância topológica, pois, como bem expõe Margaret Wertheim (2001),

O “espaço” interconectado da rede global de computadores não está se expandindo em nenhum domínio previamente existente (...) Cada dia milhares de novos nós ou “sites” são acrescentados à Internet e outras redes afiliadas, e com cada novo nó o domínio total do ciberespaço aumenta. O que cresce neste caso não é volume geométrico – no entanto, é uma espécie de volume (p. 163).

Em toda Educação, o operador distância está presente, não como uma distância física, como no caso de EAD, mas em distância temporal, distância como duração – é a essa espécie de volume que nos voltamos –, sempre necessária ser experenciada para aproximar o aprendente do conhecimento. Notem que há um jogo de palavras, que será possível capturar ao longo do texto, no qual o movimento entre o não-saber e o saber se faz a partir de um distanciamento que aproxima e de uma aproximação que distancia. Não falamos de uma aproximação a conhecimentos formais ou determinados por uma educação – estamos sempre sendo colados nestes. Dizemos de uma aproximação às singularidades da aprendizagem, que se dá em uma distância como duração. Portanto, distância e proximidade são termos, ou melhor, expressões da aprendizagem.

Não nos interessa demonstrar que a aprendizagem pode se dar tanto a distância quanto presencialmente e nem mesmo afirmar qual das duas modalidades é mais eficiente. Não descartamos que a relação face a face, a proximidade física entre ensinantes e aprendentes, a vinculação e a afetividade que essa forma de educação proporciona seja altamente efetiva nas relações do aprender. A EAD traz à tona a problemática de que a aprendizagem não ocorrerá somente e necessariamente em uma relação de aproximação física entre os corpos. O aluno pode aprender na ausência ou na presença do professor e de seus colegas. Mais que isso, o que a EAD potencializa é justamente a noção de distância, entregando-nos a possibilidade de questionar as implicações desse operador em relação com a educação. Além disso, aproveitando a idéia do ciberespaço, que não deixa de ser um rizoma digital, os tempos de aprender não têm mais uma cronologia, já que uma grande carga de informações está disponível a todos12 e as possibilidades de se aprender o que se deve ou não para determinada etapa da vida são infindas.

Os artifícios de controle do professor na relação face a face, como a chamada e o olho no olho, são tensionados pela experiência da tele-presença, isto é, a possibilidade de os agentes envolvidos no cenário educativo utilizarem-se das TIC’s para dar visibilidade, que não só presenciais, às suas idéias, práticas e, por que não dizer, a sua existência através de ambientes virtuais de aprendizagem. Em uma tele-presença tanto síncrona quanto assíncrona, não se tem necessariamente hora marcada para aprender e ensinar.

Paralelamente a isso, Medeiros, Pernigotti e Vargas (2003) trazem uma experiência em que o professor é descentralizado de sua suposta posição de organizador de uma ferramenta, como o fórum de discussão. Devires minoritários e majoritários entram em jogo, quebram-se pré-concepções do que significa ser professor. Abrem-se planos onde as potências afetivas disparam e constróem territórios, se desterritorializam outros e a produção de singularidades se faz em uma dimensão colaborativa e de aceitação das diferenças. Sob a perspectiva da EAD como uma máquina social geradora de tensões e torções, podemos pensar e trazer à luz devires como performer, tele-presença, team work, designer, artesão, pois a perda do olho no olho, a inclusão de novos personagens na cena educativa, a explosão da sala de aula e a mudança de suporte do material didático entram em movimentos moleculares de múltiplas intensidades e fluxos, gerando novas posições para/entre ensinantes e aprendentes (Pernigotti, 2004).

É sobre o exato instante dessas aberturas aos devires que nos empenhamos em discorrer! Sobre essas aberturas, pouco interessa as dimensões de largura, altura e profundidade. A forma perde sua importância quando se entra em uma lógica das conexões, em que o único elemento constitutivo é o nó. Nossa atenção está atraída pelas possibilidades de aberturas de uma distância como duração, onde há um todo aberto, sistemas acentrados, “quer dizer, redes maquínicas de autômatos finitos (rizoma)” (Deleuze e Guattari, 1995, p. 28). Ganha-se consistência nessa perspectiva através da capacidade de proliferação que se dá entre os mais diversos nós, conforme seus componentes vão se vinculando em relações de vizinhança, compondo conjuntos. Vizinhança, aqui, não no sentido geométrico, determinado por seus limites externos, e sim de uma geometria variável, que se define por seus pontos de convergências e de bifurcações – “uma transdução de estados intensivos substitui a topologia (...)” (Deleuze e Guattari, 1995, p. 27). Esses conjuntos compõem-se e decompõem-se de acordo com as negociações territoriais de espaço-tempo dos diversos fluxos que se atravessam, sejam eles políticos, econômicos, culturais, etc.

Viver a distância, nesse sentido, é extremamente desterritorializante. Distância é um operador, um termo, uma experiência que se imbrica diretamente nas relações das relações, ou seja, não só entre sujeitos, mas entre as palavras, as imagens, as intensidades, as profundidades, as velocidades e as lentidões, os movimentos e os repousos – um território povoado de singularidades pré-individuais. De um ponto a outro, marca-se uma distância. As distâncias fazem-se no momento em que há um deslocamento, um ponto, um percurso, uma linha. No ciberespaço, os pontos não estão dados a priori. E mesmo se tivéssemos um começo e um fim, há um caminho desviante de começos e fins. É a hipertextualidade do ciberespaço que atualiza a noção “onde cada ponto funciona segundo sua própria potência de criação e difusão de informações e conhecimentos. Movimentos esses que põem em xeque as idéias de origem e princípio e, também, criam novos suportes para a produção de conhecimento” (Pernigotti, 2003, p. 271-272).

Então, aquele que se inicia na arte de navegar e/ou surfar no ciberespaço (Lévy, 1999), conectando-se aos múltiplos nós – para frente e para trás, por um lado e por outro –, paralisa-se em certo instante, atônito em frente à tela do computador, e se pergunta: Onde estou? Me perdi. Como voltar ou avançar?

O movimento que vinha encadeado e tinha certa ordenação espaço-temporal vê-se revirado, perde seu eixo. A linha dura do movimento, do movimento que envolve o tempo, de um começo, meio e fim, se esmaece, e agora aquele que navega e/ou surfa está no meio, no meio do caminho, no meio de algo. Passado, presente e futuro não seguem uma linha reta. Aquele que se guiava por um tempo cronológico (dos calendários e dos relógios), que prosseguia em um tempo natural e biológico (das estações da vida), que respeitava os tempos de aprender, que seguia todo um movimento da vida, vê-se instado a perguntar onde foi parar. Algum de seus movimentos escapou dessa seriação; foi dado um passo em falso, e o movimento torna-se aberrante, assustador. É esse movimento percebido como bizarro que libera o tempo na medida em que este se libera do movimento a que antes se subordinava (Pelbart, 2004).

A aprendizagem dá-se tão somente nesse tempo quando o tempo se emancipou do movimento. São experiências que estão sempre beirando, sempre à margem, sempre à deriva, que procuram, nessa vida de fronteira, conviver com as angustiantes incertezas dos limites entre o ser e o fazer. Ser desterritorializado, sair de um território, perdê-lo, ficar em suspensão diz um pouco do processo vivido. Queda de referências, busca de outras, olhar com outras lentes, deslizar e rodopiar: frases que expressam os modos de passagem implicados no acontecimento provocado neste trabalho. É, pois, nesse momento decisivo, quando o navegante-surfista-aprendiz se perde do movimento concatenado, que uma infinidade de mundos lhe comparecem a um só tempo. Em um só tempo, duração – que é Todo – o navegante-surfista-aprendiz procura voltar ao início, procura resgatar ao presente o passado que lhe havia trazido até ali, forçando uma contração entre passado e presente. Nessa tentativa, percebe que não é aquele passado que retorna – parece que esqueceu o passado que buscava – e logo é acometido por um passado que não conhecia, que não vivera, ocorrendo-lhe um novo mundo em seu presente, um mundo que, para ele, aprendiz, teria uma origem muito mais futurística.

Quando dizemos que uma tal abertura faz as imagens se comunicarem com um passado imemorial, ou com o futuro longínquo, é porque esse Todo põe em relação justamente esses pontos distantes no tempo cronológico mas coexistentes no Tempo concebido como uma Terra mais profunda que toda a cronologia, substância não estratificada. (...) O tempo é exatamente a transversal de todos os espaços possíveis, inclusive dos espaços de tempo (Pelbart, 2004, p. 6-7).

Essa trama rizomática de tempos pode soar como falha para aquele que vive somente sob linhas duras e binarismos. Um estranhamento, um passo em falso fica, dessa forma, entendido como erro, algo que desviou do caminho correto, que destrilhou as amarras do pensamento iluminado. A máquina binária atende por um procedimento de perguntas e respostas pré-formadas – fazem-se interrogações a partir de um mapeamento de prováveis respostas, segundo significações dominantes – de tal sorte que muito do que nos passa não é acessível, é filtrado, é escaneado como em um antivírus (para utilizar uma imagem da informática). O erro é eliminado e mantido como falso, pois distancia do caminho determinado/determinante. Na programação binária, já estão distribuídos os papéis: o sujeito é lançado e identificado no muro branco e capturado no buraco negro, fazendo com que a subjetividade se produza ou se consuma dentro de um campo desejante estabelecido de antemão. Podem-se transpor certos níveis sempre seguindo determinados traços que etiquetam e capturam novamente e mais uma vez (Deleuze e Parnet, 1998). O que se percebe aqui é um não-distanciamento de uma lógica identitária. A subjetividade é envelopada para que se mantenha o controle e se produzam sujeitos assujeitados, subjetividades em decalque13.

Acontece que colocar o problema da distância em relação ao espaço nos permite somente elencar as diferenças de graus das coisas, a homogeneidade do espaço funciona por diferenças numéricas, quantitativas. Diferença de grau é aquilo que se divide e não muda de natureza, é o atual que não tem virtualidade – “o modelo do que se divide sem mudar de natureza” (Deleuze, 1999, p. 30). Seguindo esse pensamento, o tempo mantém-se prisioneiro do espaço, como se este último sempre tivesse existido e o primeiro aparecesse como mais uma dimensão do espaço14. Qualquer educação é à distância, mas, ainda aqui, as posições entre ensinantes e aprendentes compreendem-se em distinções numéricas, são tipos, são formas possíveis de se medir, quantificar, pesar para ser mais ou menos em relação a alguma coisa. Encaminhamo-nos a um modo de entendimento do erro como aquele que nos indica – e podemos dizer até que nos ensina – o que é certo e o que é errado dentro de um espaço de tempo. O esforço da educação está, assim, na valorização dos modelos e no empreendimento de distinguir quais as cópias mais fidedignas aos padrões e de criar ferramentas que auxiliem na manutenção e no aprimoramento dessa imagem de pensamento. O exercício dá-se no processo de realização das possibilidades (par possível-real), ou seja, de um conjunto dado, trabalha-se com a semelhança e a limitação. O que se realizam são as possibilidades dadas a priori. Ainda nesse momento, é somente isso que nos distancia, afinal, nos diferencia entre uns e outros.

Entretanto, é justo no erro – identificado pelos aparelhos de poder como aquilo que tira a boa-vontade do pensador de sua busca pela verdade – que devemos nos envolver e enaltecer. Um deslize, um tropeço, um fraquejar não faz a todo instante parte de nosso cotidiano? Mais que isso, todos esses lapsos, atos falhos, gagueiras, estados oníricos, alucinatórios, hipnóticos, amnésicos, delirantes, todos esses movimentos aberrantes fazem parte e são a própria cotidianidade. Todos esses erros são as afirmações do falso – vontade de potência, que briga contra a disciplina e o julgamento, já que é devir, é luta de forças – e a prova de que precisávamos para pôr em xeque a busca desenfreada pela verdade, enlouquecedora aproximação com o verdadeiro (Pelbart, 2004). A errância, em sua potência e positividade, leva-nos a um desprendimento sensório-motor, liberando-nos das amarras do presente, provocando uma abertura a um passado enquanto virtualidade. É por uma coexistência virtual (Deleuze, 1999), coexistência de mundos, que o presente se multiplica, se torna potência do novo.

Para falarmos desse presente que se bifurca, presente que se multiplica, que invoca uma narrativa em forquilha, voltamo-nos mais uma vez para a imagem da internet. O navegante-surfista-aprendiz entra em contato com pessoas, com informações, com entidades. Delimitam-se ambientes de aprendizagem, mas por intermédio de máquinas conectadas por fibras óticas ou ondas, que digitalizam imagens, sons, textos. Ao teclar, alguém responde: “Quem está aí? Como é? De onde vem?” Nunca se saberá ao certo quem fala, lê, escuta por detrás da tela; da mesma forma, a dúvida recairá sobre aquele que se encontra em frente à tela – questiona seu jeito de ser por utilizar-se de outras formas de se relacionar, transmitir e armazenar conhecimento. Perde-se a confiabilidade, como se a proximidade física trouxesse maiores garantias sobre quem somos, o que pensamos, como nos comportamos. Mas é justamente essa zona de indiscernibilidade que nos propicia incluir n possibilidades nas nossas formas de existência subjetiva.

O navegante-surfista-aprendiz passa a viver o tempo como uma multiplicidade em que, entre passado e presente, não existe sucessão, não há como recompor um no outro e nem mesmo existe um antes e um depois, mas sim coexistência entre eles (Deleuze, 1999). O presente é atualização de um passado entendido como virtual. O passado não cessa de ser, ao passo que o presente não pára de passar. As experiências do presente ou as experimentações atuais estão mergulhadas no virtual. Nesse momento, a linha de fuga que salta da imagem de pensamento para perturbá-la é que a duração é, em um só tempo e mesmo tempo, a coexistência virtual de todos os graus. Duração é isso: a experiência do múltiplo como substantivo. A cada presente, a cada atualização, as coordenadas não se dão de um ponto, mas de linhas, de uma trama, de um agenciamento, de uma multiplicidade “que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões” (Deleuze e Guattari, 1995, p. 17).

Qualquer educação é à distância, mas quando o problema da distância é colocado em função do tempo, distância como duração, tanto a natureza da distância quanto a natureza da própria educação modificam-se. Para distinguir-se o que está distante e o que está próximo, não basta o conhecimento da forma, não basta medir os pontos, posto que sempre relativos e mutantes. Interessa distinguir os tipos de multiplicidades que coexistem; e, para entender quais as distâncias, quais as diferenças entre uma coisa e outra, não basta compará-las, resta o olhar entre essas coisas – intermezzo –, o encontro como a experiência do entre. É no encontro que se produzem multiplicidades, é nele que se visualizam as diferentes multiplicidades. Como seriam as distâncias em um rizoma? Linhas, muitas linhas que compõem conjuntos, que não estão preestabelecidos e não têm uma finalidade. Alguns elementos saltam de um conjunto a outro, aliam-se, constituem outros. Não há como medir, há apenas velocidades e lentidões, jogo de intensidades, provocação de devires. É disso que falamos.

A educação, ou melhor, a aprendizagem faz-se também nesse jogo, processo de despersonalização daqueles que se põem em relação. Não importa a que distância nos encontramos de determinado ponto, de determinado saber, quanto tempo vamos demorar para chegar, aonde vamos chegar. O relevante é como nos movimentamos em determinadas distâncias, como as articulamos no entre, nos espaços de saber e não-saber, como podemos modificá-las, como nos relacionamos com tais distâncias. A distância como duração no imbricamento com a educação problematiza a aprendizagem como o processo que nos força a pensar pela diferença, quer dizer, provoca o estranhamento ao que nos está naturalizado, ao que nos é familiar. Estranhar, despersonalizar, forçar o pensamento a descolar-se da imagem de pensamento que funciona pela semelhança, pela homogeneização, pela recognição – é essa distância que nos encaminha para a criação, em suma, para a produção de diferença.

Foi pelo tensionamento incitado por uma das muitas possíveis formas de equacionar processos educativos de Educação a Distância que buscamos expressar e dar visibilidade a uma concepção de aprendizagem que se institui a partir de lógicas não-dicotômicas, mas proliferantes, que se problematizam quando há um distanciamento do fluxo de modelização da subjetividade, da lógica identitária, privilegiando e enaltecendo os múltiplos caminhos de construir as diversas relações dos sujeitos com o conhecimento.

3 Para finalizar

Este trabalho buscou sempre fazer acontecimento, esse sempre foi o propósito. Entrar em uma história e tirá-la de seu eixo de tempo que conta os fatos em ordem cronológica, que procura exercitar a memória para prever e avaliar o futuro. As histórias e seus muitos efeitos – estados de coisa físicos e sensíveis – estão sempre banhados por um conjunto de singularidades que, se nos permitirmos adentrar, são histórias fora do tempo, devires que nos passam para uma vida em experimentação.

É claro que esta experimentação (Deleuze, 1992), mesmo que não faça parte da história, precisa da história para existir, pois nela compõe e decompõe, torna-se passado e presente ao mesmo tempo e em tempos adversos. Assim, as experimentações deste texto, ou melhor, os acontecimentos funcionaram não na tentativa de se explicar por seus estados de coisa, como, só para exemplificar, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, os professores ou os alunos em Educação a Distância. Os acontecimentos “se elevam por um instante, e é este momento que é importante, é a oportunidade que é preciso agarrar” (Deleuze, 1999, p. 218).

Procuramos esses instantes justamente problematizando aquilo que se entende por distância. Em seu campo de singularidades, puxamos fios de atualização impensados, retirando a distância do espaço, das medidas de um ponto ao outro, e colocando-a no tempo que não pertence ao espaço, um tempo genuíno, poderíamos dizer. Pensar o operador distância movimenta muitas noções e permite-nos deslizar por questões relativas à educação, à aprendizagem e à produção da subjetividade.

Assim, este é o momento de frisarmos que o operador distância é um elemento constitutivo de todo processo educativo. Neste caso, é de suma importância apontar que não é a EAD quem introduz o problema da distância na Educação. Ao contrário, a questão topológica colocada pela EAD a partir de novas coordenadas espaço-temporais deveria tão somente trazer para a discussão o problema da distância presente em todo o processo educativo. Sem a distância entendida como a produção deste deslocamento de si não poderíamos falar de um processo educativo propriamente dito. A aprendizagem, mesmo quando nos referimos a uma educação presencial, não se dá necessariamente no espaço físico da sala de aula tradicional ou na presença do professor. Aprende-se no momento em que algo passa a fazer sentido: é aí que se produz um deslocamento e uma diferenciação em relação a si mesmo. Dessa forma, não é necessariamente o uso de uma tecnologia que vai possibilitar este deslocamento, uma vez que para tanto é necessário algum tipo de agenciamento e de afecção. Enfim, neste trabalho, as práticas de educação a distância colocam em questão o problema da distância presente em todo e qualquer processo educativo.

Esta é a maior questão que mobilizou o artigo: pensar a distância como duração nos encaminhou para a entrada em um tempo liberado de espacialização, que não é, pois, um tempo das formas, coisas ou estados de coisas, entretanto atualiza-se nelas. É um tempo do plano de imanência que contrapõe um plano de organização ou desenvolvimento. O tempo é vivido pelas relações de velocidades e lentidões, de movimento e repouso, afectos, singularidades que constituem agenciamentos coletivos. Um tempo de um plano que não faz ligações do tipo passado, presente e futuro, pois essas formas não param de se dissolver para liberar tempos e velocidades. Então, é na experiência de uma liberação do tempo que podemos visualizar os devires.

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